No momento em que o Brasil observa um crescimento de 787,5% na frota de veículos elétricos e híbridos entre 2019 e 2023, segundo a Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran), o rumo da mobilidade urbana é repensado.
O movimento em prol da transição energética no transporte público acelerou com a introdução dos elétricos. Neste contexto, tecnologias para facilitar a adaptabilidade e o financiamento não devem ser problema.
Exemplo internacional, a frota de ônibus público de Madri, capital da Espanha é 100% eletrificada ou com baixas emissões, a primeira da Europa a conseguir tal feito. Em dezembro de 2022, a empresa de planejamento do transporte urbano de Madrid anunciou a "aposentadoria" do último veículo com motor de combustão tradicional.
Para não focar só em países de outros continentes, na América do Sul, o Chile é um “case” internacional. A cidade de Santiago possui uma frota de ônibus elétricos no transporte público superior a 2,2 mil veículos. O tamanho da frota é quatro vezes maior que o da brasileira.
Aqui, no que se refere às frotas de ônibus elétricos, exemplos relevantes vêm de cidades como São Paulo, que já possui um tamanho relevante em operação e meta de ser 100% livre de emissões de CO² no transporte público, até 2037.
Além de Brasília, Curitiba e Salvador, que já encomendaram mais veículos e iniciaram seus testes.
Esse movimento tem gerado também a diminuição da quantidade de poluentes depositados no ambiente.
Conforme levantamento da plataforma E-Bus Radar, desenvolvida pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a Danmarks Tekniske Universitet, nos últimos sete anos, os países da América Latina alcançaram patamar de 559,73 kilotons (kt) de emissões de CO² evitadas por ano somente a partir de esforços na descarbonização dos ônibus do transporte público.
Conforme os dados anuais do período, o avanço é superior a 492,5%, saltando de patamar de 102,94 kt de emissões evitadas em 2017 para 609,98 kt até julho deste ano. Os dados enfatizam o impacto positivo da introdução de ônibus elétricos na frota do transporte público.
Entre 2022 e 2023, a proporção de emissões evitadas por ano na América Latina subiu de 446,52 kilotons (kt) para 574,96 kt, numa variação de 28,7%. Já na variação entre o total do ano passado e o montante até julho deste ano, já há avanço de 6%.
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Em Fortaleza, o processo de atualização da frota de ônibus privilegiando a aquisição de veículos com menor emissão de poluentes começou em 2013. Conforme a Empresa de Transporte Urbano de Fortaleza (Etufor), a frota conta atualmente com 1.184 veículos padrão Euro V e 92 padrão Euro VI. Um total de 1.419 ônibus rodam pela cidade em dias úteis, portanto existem 143 veículos fora desse “padrão de sustentabilidade”.
Esses padrões tecnológicos se referem a modelos com motores que reduzem a emissão de Material Particulado em 97% e as demais emissões (CO, NOX e hidrocarbonetos) chegam próximo a 90% de redução.
Em 2024, o Sindiônibus adquiriu 86 veículos, todos já encomendados, sendo 13 zero km com o padrão Euro VI (que usa diesel com um menor teor de enxofre, o que auxilia a reduzir a liberação de gases) que já foram inseridos neste primeiro semestre. Mais 73 veículos estão previstos para inclusão no sistema de transporte coletivo. A compra dos novos veículos foi realizada pelas empresas, conforme a capacidade de cada uma.
O próximo passo deve ser a introdução dos primeiros modelos de ônibus elétricos. O prefeito José Sarto (PDT) conseguiu aprovar na Câmara Municipal (CMFor) um projeto de lei ordinária que viabiliza a inserção de ônibus elétricos na frota. A medida aprovada autoriza operação de crédito de até R$ 50 milhões.
A intenção do Município é adquirir 19 veículos 100% elétricos, do tipo Padrón 12m, com bateria embarcada e infraestrutura de recarga a partir da implementação de 10 carregadores. Os veículos seriam utilizados em linhas que passam por corredores como o da avenida Bezerra de Menezes.
Conforme a Etufor, já foi elaborado o projeto para aquisição dos veículos, com aprovação da proposta de crédito. A ação está em fase de estudos de viabilidade.
Uma das plataformas que oferecem recursos para promover a renovação da frota é o Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) Seleções que possui esse eixo específico. Somente o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) financiará com recursos do Fundo do Clima e do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) R$ 4,5 bilhões em projetos.
Somente em maio passado foi confirmada a aquisição de 1.034 ônibus elétricos e de 1.149 ônibus Euro VI. "É fundamental o investimento em transporte público sustentável para que o país avance na transição energética”, disse o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante.
O movimento das cidades brasileiras em torno do esforço para reduzir as emissões de gases poluentes faz parte das exigências do Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve) - legislação brasileira criada pelo Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) e Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais) - é aplicado a caminhões e ônibus.
Sancionada em junho pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o programa de Mobilidade Verde e Inovação (Mover) visa o estímulo de investimentos em novas rotas tecnológicas e aumenta as exigências de descarbonização da frota automotiva de carros, ônibus e caminhões.
Segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), além do estabelecimento de requisitos mínimos de eficiência energética para os veículos, há também o oferecimento de créditos financeiros para que investimentos na indústria automobilística no Brasil sejam viabilizados.
O MDIC diz que a meta geral é reduzir as emissões de CO² em 50% até 2030. Ainda no escopo do programa, ações governamentais de incentivo à regionalização da produção, que beneficia Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Até agora, 105 empresas de nove estados se habilitaram.
O Ceará, apesar de não ter recebido investimento neste sentido, estabeleceu via decreto um polo industrial para indústria automobilística, em Horizonte, e, conforme o Governo do Estado, já negocia com empresas para que ocupem o espaço.
O crescimento da demanda por ônibus elétricos para atender os municípios interessados na eletrificação da frota, atraiu novas empresas interessadas em atender essa procura. Marcas como Mercedes-Benz, Marcopolo, Scania, Volvo e, mais recentemente, as chinesas Higer e BYD trabalham seu fortalecimento no mercado nacional.
Em sua oferta, as marcas possuem veículos custando uma média de R$ 2 milhões, mais do que o dobro em relação aos ônibus movidos à combustão. A seu favor, os elétricos não emitem barulho ou fumaça, possuem autonomia em média de 250 km e o tempo de carregamento varia entre 2 horas e 5 horas, a depender do modelo. Existem opções de modelo no mercado com capacidade para até 171 passageiros.
Desafios e soluções para o processo ser eficaz
O movimento em prol da eletrificação também encontra seus críticos. Dimas Barreira, presidente do Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros do Estado do Ceará (Sindiônibus), diz que a motorização é eficiente em seu objetivo principal, mas as baterias são o grande entrave.
Incapacidade da nossa rede elétrica, preço, peso, tempo de recarga e redução de disponibilidade da frota pela perda de autonomia ao longo da vida útil são fatores elencados. "Importante que seja acompanhado e testado, mas em volumes que não comprometam e muito menos encareçam ainda mais a operação, pois isso empurraria ainda mais pessoas ao transporte individual, tornando-se um tiro no pé em termos ambientais e sociais", completa.
A partir do relato de Dimas, é notável que o principal entrave para que a transição seja mais acelerada é a capacidade financeira das empresas de ônibus para tomarem financiamentos no momento em que a operação enfrenta uma crise histórica de perda de passageiros.
O custo do elétrico pode chegar a ser até três vezes superior ao ônibus movido a diesel, a depender do modelo. Infraestrutura é outra questão. A autonomia dos principais modelos a combustão chega a algo próximo de 450 km, enquanto os principais modelos de elétricos variam para algo em torno de 200 km, menos da metade.
Mário Angelo Nunes de Azevedo Filho, doutor em Engenharia de Transportes e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), avalia que uma série de desafios estruturais se impõem neste primeiro momento, especialmente no que se refere às estações de recarga e o tempo de carregamento, por exemplo.
O temor é que a demora nas recargas demandem outro veículo substituto ou mesmo a demanda por criação de novas equipes de manutenção além daquelas já especializadas em motorização diesel.
"Existem neste primeiro momento desafios operacionais e de custo. Os custos da operação já são altos, precisam de ampla carga de subsídios e mesmo assim os usuários reclamam do custo da tarifa. Então, não é viável subir mais esse custo, pois criaria um novo problema", pontua.
Dentro desse contexto, o professor destaca que existem alternativas dentro desse modelo de transição energética que permitem evoluir por modelos mais realistas, como soluções híbridas ou mesmo de carregamento por indução com instalação de sistemas nos corredores de ônibus, por exemplo, que são soluções em desenvolvimento na Espanha.
MAPEAMENTO DA ELETRIFICAÇÃO DOS SISTEMAS DE TRANSPORTE NO BRASIL
Rio de Janeiro: O sistema de Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) já é 100% elétrico. Em abril passado, a prefeitura lançou um edital de R$ 106 milhões para transporte aquaviário 100% elétrico entre os aeroportos Santos Dumont e Galeão.
São Paulo: O BNDES liberou R$ 2,5 bilhões para o município viabilizar a compra de ônibus elétricos. Atualmente, pouco mais de 10% da frota é composta por veículos elétricos, seja movidos à bateria ou são bondinhos. Na região do ABC paulista, existem estudos para financiamento do primeiro BRT elétrico do Brasil.
Curitiba: Estudo para inserção de ônibus 100% elétricos é realizado pelo BNDES em parceria com o banco de desenvolvimento alemão KfW. A intenção é estruturar a nova concessão de ônibus da Rede Integrada de Transporte de Curitiba focada em eletromobilidade. A cidade tem meta de que até 2030, 33% da frota seja eletrificada. Até 2050, projetam que a frota será "zero emissões".
Salvador: Terceira cidade brasileira com a maior frota de veículos elétricos, a capital baiana receberá incremento de 100 ônibus eletrificados para a frota do sistema BRT. A meta da prefeitura é que até 2049 toda frota do transporte público elimine a emissão de poluentes. Salvador já conta com um eletroterminal em área pública, com capacidade de carregar até 20 ônibus simultaneamente. Um segundo está em elaboração de projeto.
Fonte: BNDES/Prefeituras municipais
trajeto
O teste foi feito no percurso de 20 quilômetros entre a siderúrgica e o Porto do Pecém, onde são embarcadas as placas de aço produzidas pela unidade
ArcelorMittal Pecém testa caminhão elétrico na estratégia zero carbono
A adoção de veículos elétricos como forma de zerar as emissões de carbono e cumprir metas de sustentabilidade também chegou à indústria cearense. A siderúrgica ArcelorMittal Pecém iniciou o teste com caminhões 100% elétricos no início de julho e avalia a experiência, atualmente.
"O teste feito com caminhão elétrico no transporte de placas de aço no Pecém nos balizou quanto à eficiência do processo e foi essencial para nos familiarizarmos com o equipamento e com a estrutura de suporte necessária. O caminhão apresentou bom desempenho nesta primeira rodada de testes, com facilidade de operação e condições ideais de dirigibilidade e segurança. Seguimos agora para a fase de avaliação dos resultados obtidos com a experiência", adiantou ao O POVO o gerente de Logística de Produtos da empresa, Marcelo Perim.
Perim refere-se ao teste feito no percurso de 20 quilômetros entre a siderúrgica e o Porto do Pecém, onde são embarcadas as placas de aço produzidas pela unidade.
Capacidade de tração, consumo de energia e eficiência do processo foram os principais pontos avaliados durante os cinco dias de teste nos quais o veículo operou por 24h, tracionando um peso bruto total de 15 toneladas.
Originalmente movido a diesel e convertido para elétrico com uma autonomia de 80 quilômetros - foi favorecido pelos poucos aclives e declives da rodovia das placas.
Com trânsito exclusivo para o tráfego, a ArcelorMittal avaliou que "o caminhão apresentou bom desempenho, mantendo condições ideais de dirigibilidade, segurança e facilidade de operação."
"A utilização de caminhões elétricos de carga representa um avanço significativo no transporte sustentável. Estes veículos ajudam a reduzir significativamente as emissões de carbono em comparação com os tradicionais caminhões a diesel, contribuindo para um ar mais limpo e para um menor impacto ambiental", acrescenta Perim.
Segundo ele, esta é apenas uma das iniciativas da ArcelorMittal em prol da sustentabilidade, um dos quatro valores da empresa. "Seguimos firmes e atentos a qualquer oportunidade para construir um futuro melhor para o Ceará e o mundo", arremata.