O aquecimento da atmosfera vem sendo discutido ao longo dos últimos anos, e os impactos chegam cada vez mais rápidos no mundo. Um estudo realizado pela Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme), divulgado com exclusividade ao O POVO no dia 17 de setembro, identificou que o Ceará teve um aumento de 1,8ºC na temperatura média do ar nos últimos 63 anos.
No período de 1961 a agosto de 2024, a média saiu de 26,4ºC para 27,3ºC. Também foi identificado que a cada década — dez em dez anos —, houve um incremento de 0,3ºC na temperatura média do ar no Estado. Os períodos observados revelaram os seguintes valores: de 1961 a 1970 a média era de 25,95ºC; 1971-1980 (25,8ºC); 1981-1990 (26,35ºC); 1991-2000 (26,4ºC); 2001-2010 (26,55ºC); 2011-2020 (27,2ºC) e de 2021 a agosto de 2024 (27,3ºC).
Para chegar aos resultados da pesquisa Análise de Tendência da Temperatura do Ar no estado do Ceará, foram utilizados dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) e do Centro Europeu de Previsões Meteorológicas em Médio Prazo (ECMWF), além da própria instituição cearense. Com base nos dados, foi realizada a média anual de temperatura para todo o Estado.
Ainda segundo Júnior, o fato é que a tendência das temperaturas, principalmente as máximas e as temperaturas médias, estão aumentando. "Às vezes, a gente não percebe, mas ao longo do tempo, vamos observando sempre aquele abafado, aquela temperatura mais alta, e é fruto sim desse aquecimento”, diz Júnior.O estudo alerta para uma tendência no aumento da temperatura média do ar em uma escala de 0,2ºC a 0,3ºC por década. Durante o período analisado, foi identificado que os anos de 1983, 1993, 1998, 2016 e 2021 registraram temperaturas médias elevadas no Ceará: 27,6ºC, 27,7ºC, 27,4ºC, 27,6ºC e 28,5ºC, respectivamente.
O pesquisador da Funceme afirma que os períodos estavam sob o efeito de El Niño, fenômeno climático de aquecimento das águas do oceano pacifico, com exceção de 2021, que foi um ano de La Niña, fenômeno de resfriamento anormal das águas. “Ele [El Niño] tem uma capacidade intensa de modificar a temperatura em nível global. Anos de El Niño tendem a ter um impacto bem marcado na temperatura com o aumento mais elevado, não só no Ceará, mas em todo o continente de forma geral.”
Outros efeitos característicos durante as altas temperaturas são o surgimento das ondas de calor, eventos climáticos caracterizados por temperaturas extremas.
A mestre em meteorologia Glícia Garcia, bolsista de transferência tecnológica do Programa de Pesquisa em Ciências Ambientais, incluindo Meteorologia e seus impactos nos Setores de Recursos Hídricos, Agricultura e Energias da Funceme, que participou do estudo, explica que as ondas de calor são caracterizadas por períodos com temperaturas de três a quatro graus acima da média, com no mínimo de três a cinco dias consecutivos com temperaturas elevadas em pelo menos 25% de uma região.
A pesquisa observou que o ano de 1998 foi marcado por 15 eventos de ondas de calor no Ceará. Na época, a maior duração do evento aconteceu entre 6 de abril e 8 de maio, com 33 dias consecutivos de temperaturas extremas. As maiores intensidades dos eventos foram de temperaturas de 37,1°C em 1998, além de 36,9°C e 36,6°C em outubro de 1997 e dezembro de 2019. O registro mais recente aconteceu em outubro do ano passado, quando o Estado teve 16 picos de temperatura igual ou superior a 40°C.
De acordo com Glícia, as mudanças climáticas e o aumento das temperaturas favoreceram o surgimento das ondas de calor nas regiões. Ela destaca que os acontecimentos foram observados, principalmente, no segundo semestre, entre Agosto e Dezembro. "Durante a transição do inverno e primavera há um aumento desses eventos por serem períodos mais secos, devido a pouca nebulosidade, e por ter muita disponibilidade de radiação solar nesse período", explica.
A publicação também traz o aumento dos dias com ondas de calor nas últimas décadas em todo o Ceará. Os eventos tiveram uma concentração na região central e Sul do Estado, principalmente na parte noroeste do Sertão Central e Inhamuns. O litoral, por sua vez, foi a região que sofreu menos impactos das ondas de calor em relação às demais áreas do Estado.
Segundo Júnior, isso acontece porque o litoral é a região mais próxima do oceano, que estabiliza as temperaturas. “Quando você vai para dentro do Estado, você está mais próximo de um clima de deserto. São altas temperaturas durante o dia, e à noite você tem uma rápida diminuição. O litoral é muito associado ao oceano. Ele absorve muita energia em forma de calor e vai liberando isso ao longo da noite. Então, você tem uma temperatura mais estável”, explica.
O especialista afirma que a análise estatística dos dados foi realizada olhando a evolução desde o primeiro ano até o último ano, onde foi observada a tendência de aumento das temperaturas médias em 0,3ºC a cada dez anos. Ele destaca que mesmo em anos mais quentes e outros mais frios, há um aumento contínuo da temperatura média do ar.
“A gente fica falando em média porque não dá pra afirmar que um ano tal estava acima de tanto, o ano tal não. A gente faz uma avaliação. É algo que é uma tendência positiva não só no Ceará, é algo global”, salienta Júnior. Ainda na avaliação do especialista, a tendência dos próximos anos é de eventos severos com temperatura de 38 ou 39ºC acontecendo em vários dias consecutivos. “Nós teremos isso sendo observado no Ceará”, pontua.
O estudo revela que, assim como no mundo, o Ceará está aquecendo por conta do aumento dos gases causadores do efeito estufa, que pioram o aquecimento global, e os impactos são registrados para além da sensação térmica. No Ceará, o semiárido, que corresponde a 92% do território, é o que mais sofre com a variabilidade do ar e, consequentemente, com as mudanças climáticas e os efeitos das altas temperaturas.