Conhecida por dois nomes e marcada por um evento histórico, a Praça dos Mártires — também chamada de Passeio Público — fica localizada no coração da Terra da Luz, no bairro Centro, e tem esse nome por causa da execução dos revolucionários da Confederação do Equador, que posteriormente ficaram conhecidos como mártires.
O movimento era contrário ao autoritarismo de Dom Pedro I e defendia a instalação da república no Brasil, ao invés do império imposto pelo rei de Portugal. A Confederação do Equador é tema do filme *Nordeste Insurgente” que pode ser acessado com exclusividade no OPOVO+.
Hoje, ruas e avenidas da Capital, as quais diariamente transitam milhares de pessoas, levam os nomes dos vanguardistas que lutaram bravamente há 200 anos. São elas: av. Carapinima, av. Pessoa Anta, av. Tristão Gonçalves, e a av. Bezerra de Menezes; e as ruas Padre Mororó, Padre Ibiapina e Pereira Filgueiras.
O sentimento de insatisfação surgia cada vez mais na região de Pernambuco, principalmente pós a dissolução da Assembleia Constituinte e a imposição da Constituição de 1824, um documento que consolidava o poder de D. Pedro I, centralizando-o de forma absoluta no Rio de Janeiro.
Rapidamente outras províncias aderiram à causa, como o Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte, Piauí e Alagoas.
“Esse novo ordenamento jurídico representava a vitória de um modelo centralizador e autoritário, que favorecia os interesses de uma elite formada por burocratas e comerciantes, muitos deles portugueses, que orbitavam ao redor do círculo íntimo do imperador”, é o que explica o historiador e presidente do Instituto Municipal de Desenvolvimento de Recursos Humanos (Imparh), Evaldo Lima.
Segundo ele, a Confederação do Equador foi, em sua essência, um produto da frustração de grandes latifundiários que viam sua riqueza comprometida pelos impostos elevados e pela concentração de poder no Rio de Janeiro.
Segundo o historiador, apesar de sua diversidade, a ideia comum que mantinha os confederados unidos, era a oposição ao centralismo despótico de D. Pedro e à imposição de uma Constituição outorgada.
Um dos aspectos que determinou que o Ceará se juntasse ao Pernambuco na revolução, foi a dependência econômica e política. O vínculo persistiu mesmo após a separação administrativa das duas províncias em 1799.
“Essa influência pernambucana era particularmente forte no Cariri cearense, notadamente no Crato, onde a família Alencar exercia grande liderança política e social”, explica Evaldo. Outro fator que fomentava a insatisfação era o temor da recolonização do Brasil, sentimento reforçado pela presença de tropas e mercenários estrangeiros no País.
O Estado aderiu ao movimento por meio de figuras como Tristão Gonçalves, Padre Mororó, Pereira Filgueiras, Feliciano Carapinima, Pessoa Anta e Bárbara de Alencar. “A capitania se uniu ao levante iniciado em Pernambuco, proclamando um governo provisório republicano. Tristão Gonçalves foi nomeado chefe do governo no Ceará, mas enfrentou resistência de forças imperiais”, diz o historiador.
Em novembro de 1824, as tropas imperiais esmagaram a insurreição nas diversas províncias nordestinas, resultando na derrota definitiva do movimento.
“Os principais líderes da revolta foram alvo de rigorosa punição, orquestrada por um tribunal manipulador, que visava não apenas exterminar os rebelados, mas também enviar uma mensagem de autoritarismo implacável e de castigo exemplar”, acrescenta.
Entre os mártires da revolução, destacam-se figuras como Frei Caneca, em Pernambuco, e Padre Mororó, no Ceará. “Suas execuções simbolizaram a brutalidade do império para com aqueles que ousaram desafiar sua autoridade”, afirma Evaldo.
Após a derrota das forças republicanas, uma Comissão Militar foi instituída no Ceará para julgar todos os envolvidos, e cinco revolucionários foram condenados à morte, sendo eles: Pessoa Anta, Padre Ibiapina, Azevedo Bolão, Padre Mororó e Carapinima. Os rebeldes foram executados no Passeio Público, atual Praça dos Mártires.
“Hoje, a memória dos rebeldes confederados se espalha nas alamedas do Passeio Público e nas artérias urbanas de Fortaleza, homenageados com nomes de ruas e praças da Cidade”, complementa o historiador.
"Embora a Confederação do Equador tenha falhado em seus objetivos, permanece como um marco na história do Brasil. Ela é um reflexo da luta pela liberdade, pelo direito à autonomia e pela busca de um sistema mais justo para as províncias do País, e antecipa, de certo modo, as tensões que ainda marcariam a história política do Brasil no século XIX”, ressalta Evaldo.
Confira aqui a reportagem seriada sobre os 200 anos da Confederação do Equador
Praça e ruas que remontam à Confederação do Equador
Praça dos Mártires:
Em 1864, foi iniciada a construção da mais antiga Praça de Fortaleza: o Passeio Público. Na época, o local era dividido em três planos destinados às classes rica, média e baixa. Ao longo dos anos, recebeu vários nomes, sendo chamado de Campo da Pólvora, Largo de Fortaleza, Largo do Paiol, Largo do Hospital da Caridade, Praça da Misericórdia e, a partir de 1879, Praça dos Mártires, por ter sido palco da execução pública de revolucionários da Confederação do Equador.
Rua Padre Mororó:
A rua é batizada com o nome do sacerdote, que em registro é Gonçalo Inácio de Loiola Albuquerque e Mello. Ele foi um sacerdote cearense, que atuou como diretor e redator do Diário do Governo do Ceará, tido como o primeiro periódico do Estado. Devido a este fato, é considerado o patrono da imprensa cearense. Foi detido pelas forças imperiais que reprimiam o movimento republicano. Foi julgado e condenado à morte junto dos outros insurgentes da Confederação do Equador.
Rua Azevedo Bolão:
Nascido na Bahia, Luiz Ignacio de Azevedo, também conhecido como Azevedo Bolão, integrou as fileiras dos republicanos na Confederação do Equador sob a liderança de Tristão Gonçalves. Foi casado e construiu família com a aracatiense Roza Amaral de Azevedo, com quem viveu na Vila do Aracati. Preso, foi levado a Fortaleza e morto pelas tropas da coroa, no chamado "Campo da Pólvora", onde hoje fica a Praça dos Mártires, também conhecida como Passeio Público.
Avenida Carapinima:
A avenida leva o nome de José Feliciano da Silva, revolucionário que teve participação na Confederação do Equador, em 1824. Feliciano se mudou para o Ceará em 1820, onde atuou como secretário do governador Francisco Alberto Rubim. Sua atividade no movimento e inflamado senso republicano despertou a ira de inimigos poderosos. Capturado, ele foi julgado e condenado à morte junto com outros insurgentes.
Avenida Bezerra de Menezes:
Nascido em 1758, em Freguesia de Sé de Olinda, em Pernambuco, ele foi comandante das armas da Confederação do Equador e acabou sendo preso por meses, sendo condenado à morte. Teve sua pena convertida em prisão perpétua. Porém, acabou não cumprindo a sentença.
Avenida Pessoa Anta:
João de Andrade Pessoa, quem nomeia a avenida Pessoa Anta, foi um dos insurgentes da Confederação do Equador. Atuava como comerciante pecuarista, coronel de milícias e revolucionário, aderindo ao movimento em 1824. Foi preso e posteriormente condenado à morte junto dos outros atuantes do movimento, na Praça dos Mártires.
Rua Padre Ibiapina:
Francisco Miguel Pereira Ibiapina foi um dos insurgentes da Confederação do Equador. Natural de Sobral, foi tabelião e escrivão, juntando-se ao movimento em 1823, quando chegou à Capital. No período, atuou no governo como escrivão-deputado da Junta da Fazenda, e foi um dos representantes cearenses do movimento insurgente no Congresso de Recife. Foi preso devido à violenta repressão da coroa brasileira e condenado à morte, no "Campo da Pólvora".
Avenida Tristão Gonçalves:
Natural do município de Missão Velha, Tristão Gonçalves nasceu no ano de 1789 e era tido como um homem de "energia e liderança" (Barroso, 2006, p. 12; Araújo, 2018, p. 102). Igual seu irmão, José Martiniano de Alencar, e a mãe, Bárbara de Alencar, se envolvera no movimento de 1817, passando anos na prisão. Trecho retirado do livro "História do Ceará", de autoria de Airton de Farias, doutor em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF).
Rua Pereira Filgueiras:
Nascido em Santo Amaro, na Bahia, em data ignorada, José Pereira Filgueiras veio ainda criança para o Cariri cearense. Com o prestígio do qual gozava, foi escolhido capitão-mor do Crato, derrotando, na disputa pelo cargo, José Alexandre Correia Arnaud, outro grande proprietário da região. O capitão-mor do Crato era igualmente conhecido por sua compleição física e coragem. Alto, forte e "destemido", era alvo de façanhas mirabolantes, em lendas maravilhosas contadas por populares. Morreu em 1824, após se envolver na Confederação do Equador.
Ruas cruzam nomes de mártires e algozes
Na geografia da Cidade, nomes de mártires da Confederação convivem com aqueles que os condenaram no Centro de Fortaleza. Tem a estátua sem rosto de Bárbara de Alencar, símbolo da luta inacabada. Também Carapinima, Padre Mororó, Pessoa Anta, Pereira Filgueiras e Tristão Gonçalves, insurgentes contra o absolutismo. Mas, lado a lado, surgem também os nomes de seus algozes: Costa Barros, o carrasco que ordenou a morte de Pereira Filgueiras; Dom Pedro I, o imperador que condenou Tristão Gonçalves.
"São ruas paralelas, destinos que nunca se cruzam, exceto nos labirintos de nossa memória", ressalta o historiador Evaldo Lima.
Ele afirma que é possível reforçar ainda mais a memória cultural da Confederação do Equador, pensando em novas iniciativas, como placas informativas, eventos educativos e até intervenções urbanas, para ressignificar esses espaços como locais de aprendizado sobre a trajetória de luta e liberdade.
"O verdadeiro desafio está na educação patrimonial, na sinalização urbana que contextualiza esses personagens, na proteção dos edifícios e marcos que testemunharam suas lutas. Só assim a Cidade deixará de ser um conjunto de placas esquecidas e se tornará um território de memória viva, onde cada passo ecoa o passado e inspira o futuro", diz o historiador.
O surgimento do Centro de Fortaleza se deu ao redor do Forte Nossa Senhora da Assunção, onde hoje fica o Comando da 10ª Região Militar. "O perímetro populacional surge em torno do Forte no século XIX, que é o momento em que vai ser construído o Passeio Público. O primeiro bairro da Cidade é o Jacarecanga", explica o doutor em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e historiador, Airton de Farias.
O local foi construído próximo ao forte Nossa Senhora da Assunção, que era o antigo Campo da Pólvora, e foi nomeado como Praça dos Mártires pela Câmara de Fortaleza, em 1879. "Era uma área muito excluída da Cidade, porque estava próxima ao mar. A maritimidade foi muito desprezada durante muito tempo no Ocidente".
Segundo Airton, o mar é associado à morte, naufrágios e doenças. Nos tempos atuais, ainda é comum ver vários trabalhadores — como pescadores — em uma porção litorânea de Fortaleza. Entre os anos de 1910 e 1920, a elite começava a abandonar o Centro, em virtude do crescimento populacional e da quantidade de pessoas mais pobres que começaram a residir no local. "Isso é a configuração geográfica e histórica de Fortaleza", complementa.
"Na segunda metade do século XIX, a prefeitura começou a construir ali uma praça, que acabou então ganhando o nome oficial de Praça dos Mártires em referência aos cearenses que foram fuzilados por terem participado da Confederação do Equador", explica Airton.
Segundo ele, existe uma disputa de memória com o nome da praça, que foi escolhida para lembrar daqueles que participaram do movimento e morreram pela causa.
"Só que esse nome não colou porque é um nome associado a uma coisa degradante, né? Morte, execuções, violência. Então para a elite, e para boa parte da população, era mais interessante usar o termo 'passeio público', que é um termo associado a uma Fortaleza que está crescendo no final do século XIX, uma cidade que está se embelezando", esclarece.
De acordo com Airton, a disputa permanece entre uma "história mais oficial, que busca exaltar esses cearenses que participaram da Confederação do Equador e o mundo real, que as pessoas buscavam a diversão — o passeio —, o prazer num local de deleite".
O historiador Evaldo acrescenta que a nomeação das ruas foi feita de forma estratégica. No fim do século XIX e início do XX, a Capital passava por um processo de modernização, e os nomes de ruas eram escolhidos para fortalecer uma identidade nacional e republicana.
"O reconhecimento dos heróis da Confederação do Equador fazia parte dessa estratégia, exaltando figuras que simbolizavam resistência ao poder centralizado e incentivando um sentimento de pertencimento à história da cidade", destaca Evaldo. (Colaborou Carlos Daniel, especial para O POVO)