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Entranhas de um Nordeste rebelde: a cartografia da Confederação do Equador
Reportagem Seriada

Entranhas de um Nordeste rebelde: a cartografia da Confederação do Equador

Mapeamento mostra o caminho da Confederação, na qual a terra se apresenta nos nomes e na luta. O trajeto dos participantes, por meses, pelo Interior indefinido dos estados, foi em prol de um Brasil integrado e justo
Episódio 2

Entranhas de um Nordeste rebelde: a cartografia da Confederação do Equador

Mapeamento mostra o caminho da Confederação, na qual a terra se apresenta nos nomes e na luta. O trajeto dos participantes, por meses, pelo Interior indefinido dos estados, foi em prol de um Brasil integrado e justo
Episódio 2
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O traçado dos estados do Nordeste ainda era incerto no início do século XIX. Na verdade, não chamavam-se nem estados e nem Nordeste. Eram as províncias do Norte: uma região marcada pela dureza do semiárido e pelo abandono do poder maior, do imperador. Os mapas da época não conseguiam sequer mensurar onde acaba uma vila ou cidade cearense e começava a outra. Uma terra de ninguém, diriam alguns.

Representação cartográfica do Ceará no início do século XIX. Os limites do Interior são indefinidos(Foto: Pedro Théberge)
Foto: Pedro Théberge Representação cartográfica do Ceará no início do século XIX. Os limites do Interior são indefinidos

No entanto, as elites locais, grupos de mulheres, párocos e demais representantes do poder público não viam dessa forma. Tinham a consciência de serem parte do Brasil como todos os outros e, assim, reivindicavam o que achavam justo. Se fosse preciso rebelião, a fariam, como de fato o fizeram.

A Confederação do Equador foi um movimento que eclodiu neste contexto, no segundo semestre de 1824. Defendia uma República brasileira, encabeçada pelos políticos do Norte, nos mesmos moldes da Revolução Americana.

Antes mesmo do início dela, o ano foi marcado por mais reações à conjuntura política do Brasil recém-independente. Temores de invasões militares provocaram reações nas vilas e cidades do Ceará, cujos habitantes chegaram a prometer pegar em armas para proteger o território.

No meio disso, grandes personagens se destacaram, como Tristão Gonçalves e Pereira Filgueiras, que desbravaram o Interior desconhecido em uma verdadeira saga cearense. Conversaram com líderes locais, brigaram e mudaram a configuração das vilas nas quais passaram, não apenas de forma imediata, mas longínqua. Afinal, se somos o que somos é porque carregamos essa herança enraizada de rebeldia.

 

 

“Eu era um ponto qualquer na planície sem medida”: a geografia

Antes de falar do homem e da luta, é preciso falar da terra. A Confederação contemplou cinco províncias, mas aqui focaremos muito no Ceará.

Clélia Lustosa é graduada em Geografia pela Universidade Federal do Ceará, com mestrado em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo – USP(Foto: Clélia Lustosa/Arquivo Pessoal)
Foto: Clélia Lustosa/Arquivo Pessoal Clélia Lustosa é graduada em Geografia pela Universidade Federal do Ceará, com mestrado em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo – USP

Para esta reportagem, foi utilizada como base uma representação cartográfica do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece), referente ao que seria a província em 1823, um ano antes da Confederação. O mapa tem semelhanças com o atual, apenas por uma parte hoje pertence ao Piauí e outro pedaço que era do Piauí e hoje é do Ceará.

O mapa, no entanto, contém limitações, pela imprecisão dos limites entre as vilas e cidades da época. As vilas são quase todas do século XVIII, eram 16 em princípio. No começo do século XIX, algumas foram elevadas a cidades. Fortaleza, por exemplo, foi elevada em 1823, sendo a capital. Ao longo do império, a posição favoreceu a cidade, que abrigava o presidente da província, representante do imperador no local.

Uma das funções do presidente era evitar a fragmentação do território brasileiro, segundo Clélia Lustosa, pesquisadora nas áreas de Geografia Histórica, Regional, Urbana e de Saúde. O esforço por manter a unidade se justificaria por precedentes em outros países e pelas revoltas separatistas do início do século, das quais, vale reforçar, a Confederação não faz parte, já que o intuito não era a separação do Brasil.

Mapa do Ceará em 1823

 

Muitos dos acontecimentos da Confederação de 1824 partiram não do litoral, mas do Interior. Isso ocorre por alguns fatores. A economia do gado, por exemplo, vinha de Pernambuco, pelo sertão, em direção ao território cearense. Algumas famílias acabaram crescendo economicamente no sul, portanto, como ocorreu com os Alencar - citados mais à frente.

O cruzamento do caminho do gado desenhou o mapa cearense e as fazendas tornaram-se as vilas. Além disso, a economia da pecuária aproximou Ceará de Pernambuco, em específico de Recife, na época o principal centro econômico da região. “Todos os caminhos não levavam a Roma, mas levava a Recife”, brincou Clélia Lustosa. A relação próxima de Ceará e Pernambuco seria importante mais tarde, no contexto da Confederação.

A terra era, portanto, mais do que um cenário. Os próprios revolucionários buscavam valorização dela até nos próprios nomes. O revolucionário cearense Tristão Gonçalves, por exemplo, adotou o sobrenome ‘Araripe’ como forma de valorização nacional. Já o pernambucano Padre Mororó foi outro que optou por uma alcunha. O intuito era fazer o território ser visto e torná-lo pertencente do todo.


Padre (Mororó)

Mororó refere-se a uma árvore com valor medicinal. Alcunha foi dada por indígenas da região

Tristão de (Araripe)

Último nome foi dado em substituição ao sobrenome português de Tristão, Pereira. O valor simbólico de excluir o estrangeiro e adotar o local, referente à chapada.


Cabe ainda salientar que a falta de delimitação interna no Ceará leva a uma incerteza de onde certos ocorridos se deram. Além disso, a extensão territorial das vilas era gigantesca. Certos fatos que aconteceram em Jaguaribara, por exemplo, mas podem ter ocorrido em Jaguaretama. Ambas estão no território que correspondia à vila de Icó.

A denominação que utilizaremos daqui para frente será à atual, dos municípios, mas apenas para facilitar.

 

 

“O mundo tem alma autônoma”: insatisfação nordestina

Os primeiros ocorridos que desencadearam na Confederação ocorreram no Rio de Janeiro, sede do Império. Ainda que tenha permanecido em um regime imperial, a Independência do Brasil, em 7 de setembro de 1822, levou à necessidade de reformas políticas. A elaboração de uma Constituição era uma delas.

Dom Pedro I, então imperador, instalou uma Assembleia Geral para construção do documento em 3 de maio de 1823, ainda em meio à Guerra da Independência. Uma oposição forte cresceu gradualmente e somou-se a demais desentendimentos políticos.

Constituição Federal de 1824 foi outorgada após dissolução de Assembleia(Foto: Arquivo Nacional/Agência Senado)
Foto: Arquivo Nacional/Agência Senado Constituição Federal de 1824 foi outorgada após dissolução de Assembleia

Como resultado, o imperador dissolveu a Assembleia, em 12 de novembro, deportou seis deputados e mandou os outros embora. A primeira Constituição brasileira, portanto, foi redigida por um Conselho de Estado e outorgada em 25 de março. Trazia forte cunho autoritário, expresso - por exemplo - no poder moderador e na indicação de interventores nas províncias, substituindo lideranças locais.

Os políticos do dito ‘Norte’ reagiram quase de maneira automática. Expressaram mágoas e insatisfação em relação à atitude imperial. O gesto, para o historiador Weber Porfírio, do núcleo de Educação do Museu do Ceará, já é, por si só, significativo, tendo em vista a coragem para contestar um poder centralizador.

 

Cartas de insatisfação ao Império brasileiro, pelas províncias do Norte

 

 

No Ceará, Tristão Gonçalves e Pereira Filgueiras, ambos influentes proprietários de terras, haviam instaurado uma junta de governo provisória. Após a Constituição, o imperador nomeou Costa Barros como presidente da Província. Tristão e Filgueiras fizeram uma viagem pelo Interior e reestabeleceram o poder. Tristão vira presidente da Província, de forma provisória. Enviaram uma carta ao Império, chamando a dissolução da assembleia de “desprazer”.

 

Acontecimentos prévios a 1824

 

Enquanto isso, Pernambuco já “insurgia-se abertamente”, segundo textos do pesquisador André Frota de Oliveira, que coordenou e organizou manuscritos da época. Segundo ele, o espírito revolucionário da província considerou que a dissolução da Assembleia indicava caráter absolutista no jovem imperador. Vale lembrar que Pernambuco há poucos anos, em 1817, havia instaurado outra Revolução.

A província determinou que Manuel de Carvalho Paes de Andrade seria o chefe do governo e pediu que o indicado por Dom Pedro, Francisco Pais Barreto, fosse destituído. O império reagiu mandando forças navais bloquearem o porto de Recife que, sentindo-se coagidos, recusaram-se a aceitar a Constituição.

Eles ainda enviaram uma comissão para contestar pessoalmente a decisão no Rio e, só assim, o imperador resolveu indicar outro presidente, José Carlos Mayrink, que acabou agradando os pernambucanos. Ou ao menos, de fachada. O pesquisador André Frota indica que, naquele momento, Paes de Andrade já preparava uma ruptura com o império.

 

Personagens centrais da Confederação


Já o governo provisório do Ceará comunicava tudo o que fazia aos pernambucanos. Quando retiraram Costa Barros, em 29 de abril, Tristão Gonçalves escreveu: “Todos esses acontecimentos ao governo rebelde do Recife, estreitando-se, desta maneira, as relações de mútua solidariedade entre os dois governantes”.

Weber Porfírio considera essa efervescência “um momento de contestação para os futuros políticos da nação”. “Você vai ter um grupo de político, de liberais, de forma as elites políticas desses espaços descontentes com os rumos políticos que o Brasil estava tomando”, disse. Ainda não era oficialmente, a Confederação, mas ela estava nascendo.

 

 

“E o tempo longo mais encurta”: as causas

Muito do que se acredita fazer parte da Confederação, na verdade, trata-se de acontecimentos anteriores e com outras finalidades. Eles, sim, levarão ao ocorrido, mas o início de fato varia de estado para estado, conforme as adesões.

Pesquisador Weber Porfírio estuda Confederação do Equador e é mestre em História Social pelo Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do Ceará(Foto: Weber Porfírio/Arquivo Pessoal)
Foto: Weber Porfírio/Arquivo Pessoal Pesquisador Weber Porfírio estuda Confederação do Equador e é mestre em História Social pelo Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do Ceará

Apesar do descontentamento com Dom Pedro I, o que também movimentou muitas das ações iniciais foi um forte boato de invasão portuguesa no Brasil, segundo Weber Porfírio. “Dizem que viam embarcação saindo, falavam-se que tropas estavam vindo. Sempre um me disse e me disse que na verdade não houve. Mas, esse disse e me disse fez com que todo mundo se organizasse e esperasse uma suposta invasão militar do mesmo”, disse.

O pesquisador completou: “A Confederação [ou a ideia inicial dela], pelo menos nesse primeiro momento, era pensada para proteger essas províncias, como se fossem um guarda-chuva. ‘Vamos nos proteger aqui todo mundo, porque Portugal tá vindo’.

Se chegasse a ocorrer, a invasão começaria pelo norte, que corresponde a boa parte do território nordestino atual, conforme explicou o pesquisador. Segundo ele, foi também com fins de proteção que expandiu-se a movimentação, inclusive, em cidades e vilas da província do Ceará, dentre elas a Vila do Campo Maior de Quixeramobim.

Já em 9 de janeiro de 1824, Quixeramobim proclamou uma República. Não deu tempo nem o imperador outorgar a Constituição, veio a reação. “Eles deixam claro que estão falando contra Dom Pedro I e que eles iam pensar numa forma de uma Assembleia Geral Constituinte. Enfim, são questões que eles estão pensando para o Brasil”, explicou Weber.

O pesquisador ainda apontou a existência de cartas emitidas por um grupo de mulheres, que indicaram a possibilidade de pegar em armas para proteger o território nacional.

Segundo ele, há uma carência de documentos sobre o depois do estabelecimento da República de Quixeramobim. “Eu não consigo encontrar até hoje o depois. Porque, tudo bem, há uma república ali. E depois, corta para a Constituição do Equador. Como ficou? Não sabemos ao certo”, disse.

Ainda no primeiro semestre, outras vilas se manifestaram contrárias ao império, ou favoráveis a pegar em armas ou ao estabelecimento de um outro governo. Foi o que ocorreu em Aracati, cuja Câmara propôs o estabelecimento de um governo “salvador”, com sede em Recife, mas que administrasse em nome do imperador. Já Aquiraz foi palco de reuniões armadas que levaram à destituição do presidente indicado, Costa Barros, em abril.

Em Fortaleza, Tristão sempre pedia proteção de outros locais para a Capital. Os documentos pulam para 21 de maio, quando ele recebeu emissários enviados de Pernambuco, que haviam sido enviados por Paes de Andrade para convidar as demais províncias para o “levante geral”. No dia seguinte, Tristão convocou os cearenses a juntarem-se para “defender os princípios liberais”.

Ao longo dos meses, até o início oficial, Quixeramobim, Granja e Icó negam o projeto de constituição de Dom Pedro. O barril de pólvora vai crescendo, até estourar em Pernambuco.

 

Acontecimentos importantes nas vilas antes da Confederação

 

Para Weber Porfírio, esse início de 1824 demonstra que a Confederação não surge por um único motivo, mas é resultado de um conjunto de fatores. O sentimento conjunto de insatisfação e abandono, junto com a união das províncias para proteção, as aproximou.

“Vamos nos proteger aqui todo mundo, porque Portugal tá vindo”, disse Weber sobre a ideia inicial. Depois, o foco mudou e os olhos se direcionaram do país europeu ao Rio. Mais especificamente, ao imperador.

 

 

“Acordar é ter saída”: uma república brasileira

O movimento começou, de fato, em 2 de julho de 1824, em Pernambuco. O Ceará aderiu depois, em 26 de agosto. Weber Porfírio considera que a mudança de chave, que direcionou a insatisfação ao imperador, foi uma portaria enviada em meados de junho.

Nela, é dito que Portugal “realmente estava chegando e que as forças militares se concentrariam no Rio de Janeiro para proteger o Império”. “O problema agora era o imperador que virava as costas e deixava a gente desprotegida”, explicou o historiador.

Dom Pedro I ordenou punições aos revolucionários envolvidos na Confederação do Equador(Foto: Coleção Brasiliana Itaú)
Foto: Coleção Brasiliana Itaú Dom Pedro I ordenou punições aos revolucionários envolvidos na Confederação do Equador

Voltando aos mapas. Pernambuco, em 17 de junho, reforça o não juramento à Constituição. A movimentação se expande e, em junho, a província proclama a Confederação. No dia seguinte, ele já comunica às outras províncias e os convida para o Conselho de Recife em 17 de agosto.

A reunião na qual o Ceará aderiu de vez à Confederação, foi dada a justificativa de "violação de pactos sociais por Dom Pedro". Na época, quatro províncias faziam parte da Confederação: Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. No entanto, vale lembrar que boa parte de “Pernambuco” trata-se da atual Bahia, assim como o Ceará integrava territórios do Piauí.

Território de Pernambuco integrava parte do território da Bahia(Foto: Reprodução)
Foto: Reprodução Território de Pernambuco integrava parte do território da Bahia

Combates alastraram-se pelo Nordeste. Sabe-se que, em certos momentos, um presidente convidava o outro para marchar em direção ao território das províncias aliadas, para proteção.

No Ceará, algumas províncias apoiaram o movimento. Dentre elas: Icó, Baturité, Crato Sobral e Granja. Sobre essa última, no entanto, cabe salientar que os movimentos liderados por Pessoa Anta, então comandante da vila, não fazem referência ao que ocorria em Pernambuco.

Houve, claro, os contrários. Aracati foi um dos palcos. Monarquistas da províncias arquearam bandeiras imperiais e elegeram um novo presidente “em nome do imperador”. Movimento, ocorrido no início de outubro, provocou a locomoção de Tristão Gonçalves, de Fortaleza, até lá.

A saída de Tristão de Fortaleza em direção ao Interior faz com que o aliado, José Felix, fique na posição de presidente interino da província. Essa mudança será fundamental para o fim da Confederação no Ceará, já que, enquanto ela ocorria, o militar Lorde Cochrane se encaminhava ao Nordeste para pôr fim à rebelião.

Lorde Cochrane foi enviado pelo Império em direção ao Nordeste para conter as forças rebeldes(Foto: Wikipédia)
Foto: Wikipédia Lorde Cochrane foi enviado pelo Império em direção ao Nordeste para conter as forças rebeldes

Cochrane chega a Fortaleza em 18 de outubro. Tristão ainda está em Aracati, tendo conseguido retirar as forças imperiais de lá. Enquanto isso, Pereira Filgueiras trava lutas no sul do Estado, na região de Lavras da Mangabeira.

Tão logo as tropas imperiais chegam a Fortaleza, os habitantes juram fidelidade a Dom Pedro. José Félix comunica Tristão, basicamente alegando que estava sem escolha. Com isso, enquanto forças do Império vão ao Interior, Tristão sai de Aracati para juntar aliados. Ao passar pelo povoado de Santa Rosa, encontra, na verdade, pró-imperialistas.

A batalha ocorre na região onde hoje está a cidade afundada de Jaguaribara, nas proximidades do açude Castanhão. A água do reservatório que abastece Fortaleza cobre o solo palco de um conflito sangrento, no qual sucumbiu Tristão Gonçalves.

 

O acontecimento nas vilas após o início da Confederação

 

Assim que soube da morte do colega, Pereira Filgueiras - ainda no Cariri - rendeu-se. Em 13 de novembro, Crato jurava ao Império. Do fim de outubro a meados de novembro, as demais vilas fizeram o mesmo: Quixeramobim, Baturité, Icó e Sobral.

Já em Fortaleza, a cabeça de Tristão estava valendo 10 mil cruzados. No outro dia do anúncio da recompensa, chegou a notícia da morte dele.

 

 

“O peso do morto é o motor”: o fim

As terras de Pernambuco foram o alvo primário das tropas imperiais. A principal cidade do Nordeste até então, Recife, com histórico de revolução, tornou-se ponto de chegada dos militares de Dom Pedro.

As tropas imperiais, quando chegaram, estabeleceram um bloqueio no porto de Recife. Lorde Cochrane exigiu uma rendição e ameaçou a cidade de bombardeio. Ele chegou a estender o prazo, que acabou em 28 de agosto.

 

A participação de cada Estado na Confederação

 

Enquanto isso, tropas imperais subiam do Alagoas ao Pernambuco. Ganharam adesões pelo caminho, de opositores de Paes de Andrade, demais moradores e indígenas. Quando chegaram ao Palácio do governo, a vitória foi rápida. Em 12 de setembro, Recife estava tomado.

Olinda, por outro lado, resistiu até 29 de novembro - no marco final da Confederação. Ao todo, a Confederação durou, oficialmente, 79 dias.

Os envolvidos foram julgados e mortos, conforme mostrou reportagem do O POVO.

 

 

“Acordar é reacordar-se ao que em nosso redor gira”: o legado

As frases dos intertítulos deste material são de um poema de João Cabral de Melo Neto, datado de 1984. O escritor pernambucano dedicou escritos e mais escritos à memória da Revolução, com foco na atuação de Frei Caneca, também escritor e revolucionário. Este escrito, inclusive, chama-se o “Auto do Frade”.

Muitos dos escritos da Confederação foram queimados de propósito. Até hoje, por exemplo, não há imagens de como seria Tristão Gonçalves de Araripe. No entanto, relatos jornalísticos, ofícios antigos e - claro, a literatura, mantém o legado vivo.

A Confederação foi um movimento das elites e políticos cearenses, não partiu do povo. No entanto, é um reflexo nordestino da efervescência global, aos moldes da Revolução Francesa e Americana. Nisso, não somos diferentes. O Brasil também sempre quis liberdade e igualdade.

Documentos sobre Confederação do Equador estão no Arquivo Público do Ceará(Foto: FÁBIO LIMA)
Foto: FÁBIO LIMA Documentos sobre Confederação do Equador estão no Arquivo Público do Ceará

Outros registros apontam participação feminina nas vilas cearenses, nos passos iniciais da Confederação ou muitos próximo à data do estopim. Mulheres cientes do contexto político e dispostas a pegar em armas. Ainda há participação indígenas. Mas, falaremos nos próximos episódios.

Monumento em homenagem a Tristão Gonçalves em Jaguartibara antes da cidade ser inundada. IBGE mantém registros da cidade (Foto: Reprodução/IBGE)
Foto: Reprodução/IBGE Monumento em homenagem a Tristão Gonçalves em Jaguartibara antes da cidade ser inundada. IBGE mantém registros da cidade

O professor André Frota, em seus registros, tratou a Confederação como “um belo de trágico episódio da história pátria”. Segundo ele, “o sangue dos mártires, jorrando em profusão, embebeu-se no solo adusto da nossa terra natal”. O fato, considera, “representa uma das mais brilhantes páginas jamais escritas pelo cearense”.

Weber Porfírio diz que, ainda que envolva interesses individuais e de favorecimento da própria base, o discurso dos confederados cearenses “não era só para proteger o Ceará dessa suposta invasão, era para proteger, era para salvar o Brasil”. Não eram separatistas, pelo contrário, queriam fazer parte.

“Todos os sujeitos tinham noção das questões políticas que estavam acontecendo e cada um deles vai interpretar, obviamente, a partir de suas particularidades. Então, a Confederação do Equador é um movimento amplo de participação de diversos grupos. Eu acho que as as cartas, que pelo menos é a de fato tem de documento escrito até o momento, elas atestam isso”, completou.

Um momento de desperta, ou, como diz João Cabral:

“Acordar não é de dentro,
acordar é ter saída.
Acordar é reacordar-se
ao que em nosso redor gira.”


 

Filme do O POVO conta a história da Confederação

Originadas em Pernambuco, as ações contrárias ao extremismo de Dom Pedro I se espalharam pelos estados do Maranhão, Rio Grande do Norte, Piauí, Pernambuco e Ceará. Esse movimento é tratado no novo documentário do O POVO+, plataforma de streaming do Grupo de Comunicação O POVO.

Intitulada "Nordeste Insurgente", a obra reconta o que foi a confederação e destaca a participação cearense no movimento em prol da implantação da República no Brasil. O filme estreia nesta segunda-feira, 24.

Trailer do filme Nordeste Insurgente

 

 

Metodologia

O mapa do Ceará utilizado foi montado com base em um levantamento do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece). A pesquisadora Lana Mary Veloso de Pontes traçou o que seria a província do Ceará em meados de 1823.

Na representação, quatro municípios ainda não estão inclusos, pertencendo ao estado do Piauí. São eles: Crateús, Independência, Novo Oriente e Quiterianópolis. Além disso, alguns trechos de municípios que hoje são do Piauí pertenciam ao Ceará. Estes consistem em: Luís Correia, Cajueiro da Praia, Ilha Grande, Parnaíba e Bom Princípio do Piauí.

Vale frisar que o mapa não é 100% fiel devido à carência de limites exatos entre as fronteiras das localidades da época. A imprecisão ocorria especialmente no interior, conforme demonstram representações de Pedro Théberge, de 1861. 

O traçado dos personagens foi realizado com base em documentos históricos. Eles, por sua vez, apresentam alguns “vácuos” narrativos explicitados no texto. Por exemplo, não sabe-se o que ocorreu no período entre o estabelecimento da República de Quixeramobim e o início oficial da Confederação.

As principais fontes para a elaboração da linha do tempo foi a entrevista com o pesquisador Weber Porfírio; os dois volumes do livro “A Confederação do Equador no Ceará”, do Arquivo Público, organizado pelo professor André Frota; e um levantamento cronológico do Instituto Histórico do Ceará.

 

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Sertão confederado

A partir do documentário Nordeste Insurgente, do OP+, série de reportagens aborda a guerra das províncias do Ceará, Pernambuco, Maranhão e Paraíba pela proclamação da República no Brasil e contra o absolutismo de D. Pedro I