No dia 6 de setembro fechou o primeiro mês de implementação da sobretaxa de 50% das exportações brasileiras aos Estados Unidos. Até o momento, ainda não houve alteração no volume repassado por fornecedores aos varejistas locais, afirma a Associação Cearense de Supermercados (Acesu).
Exportadores ou acordam com importadores norte-americanos, ou perdem produtos, ou ajustam a margem de lucro. Mas negociações com o mercado local não entraram no foco.
O Ceará foi o estado brasileiro mais afetado pela tarifação, já que os principais produtos da balança comercial cearense não foram beneficiados pela lista de exceções anunciada pela Casa Branca, que abrange 694 itens.
Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), em 2024 foram vendidos US$ 659,07 milhões do Estado aos EUA, representando 44,9% da pauta exportadora.
Em 2025, essa dependência da parceria com os norte-americanos foi ampliada. De janeiro a julho, quase 52% das exportações cearenses foram para aquele mercado, quase US$ 556,6 milhões.
Já na passagem de julho para agosto, queda de 48,8% no valor apurado com essas vendas internacionais, no maior percentual em queda do País.
Relatório produzido pelo Sistema de Inteligência da Fundação Cetrede projetou o impacto da taxação sobre as exportações do Ceará ao fim deste ano. Considerando o câmbio de R$ 5,46, o montante seria de R$ 251,2 milhões.
Os produtos alimentares são a cadeia mais impactada, com potencial de perder R$ 185,4 milhões. Depois vem vestuário e calçados (R$ 32,6 milhões) e agropecuária (R$ 19,4 milhões).
Os efeitos do tarifaço já são sentidos pelos setores. Um exemplo é a cocoicultura. Em 2025, de janeiro a julho, os Estados Unidos representaram cerca de 95% do que o Estado vendeu de água de coco ao Exterior (US$ 11,6 milhões de US$ 12,3 milhões), conforme o Mdic.
O que pode aliviar a situação é a previsão de compras estaduais, de 350 mil litros de água de coco por mês para ser usada na merenda das escolas públicas.
A presidente da Acesu, Claudia Novais, destaca que a presença de produtos de origem local, especialmente nas categorias de frutas, legumes e verduras (FLVs) é significativa.
No entanto, até o momento não foi percebida nenhuma alteração na rotina de fornecimento de produtos aos supermercados.
"O setor supermercadista ainda não registrou uma movimentação concreta por parte dos fornecedores locais neste sentido. É importante destacar, no entanto, que esse cenário ainda é recente, e o mercado pode levar algum tempo para se ajustar", afirma Claudia.
Do ponto de vista do agronegócio, o presidente da Federação da Agricultura do Estado do Ceará (Faec), Amílcar Silveira, explica que os produtores estão em um momento de adaptação e decidindo o que fazer a partir de agora.
"Houve muita antecipação (envio de mercadorias aos EUA) no mês de julho, para conseguir entregar o que se podia, preocupados com tarifas. Foi uma correria e agora deu uma calmaria para ver como vamos fazer", explica.
Ele admite que neste processo os empresários do agro cearense absorveram perdas, mas dialogam com o Governo do Estado para recuperar parte disso a partir de pacote de medidas econômicas anunciado.
Amílcar ainda defende que o Governo Federal entre mais fortemente no assunto e busque diálogo com os EUA.
"O que a gente vê é que alguns querem manter o mercado americano, mas tem outros que vão ficar inviáveis". (Colaborou Fabiana Melo)
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PRINCIPAIS ITENS
Ampliando o olhar sobre a relação comercial entre o Ceará e os EUA, os produtos mais vendidos - e sobretaxados pelos americanos - são os industrializados da siderurgia, pás eólicas e calçados, além de alimentos, que incluem pescados, castanhas, água de coco e derivados de frutas (como sucos e poupa).
Tarifaço pode acelerar parceria da Faec e Acesu
O abastecimento de gôndolas de supermercados com produtos locais e a criação de um selo "feito no Ceará" é o foco de parceria em desenvolvimento entre Acesu e Faec. A meta é abarcar mais de 46 mil lojas a partir de produção, gerando de R$ 3 bilhões a R$ 4 bilhões por ano de lucro.
Ao O POVO, a presidente da Acesu, Claudia Novais, destaca que essa iniciativa pode ser acelerada em meio à imposição de tarifas para os produtos brasileiros exportados aos EUA.
Segundo ela, os diálogos entre as entidades permanecem abertos e enxerga o movimento como uma estratégia de fortalecimento da economia local e de ampliação das opções de consumo para a população.
"O tarifaço imposto pelos EUA pode, sim, funcionar como um acelerador dessa agenda, ao abrir espaço para que produtos que antes tinham foco na exportação sejam direcionados para o abastecimento interno", aponta.
Ainda assim, a executiva admite que ainda não houve mudanças práticas neste sentido, mas afirma que a Acesu está disposta a colaborar para que essa articulação ganhe força, "sempre pensando no benefício mútuo para produtores, supermercados e consumidores".
A avaliação é de que as categorias de frutas, legumes e verduras (FLVs) possam ser os principais focos dessa parceria, já que atualmente até produtos importados de países, como Argentina, tem espaço no mercado local em detrimento do produto cearense.
Estimativa do presidente da Faec ao O POVO, em agosto, deu conta de que apenas 20% dos produtos agrícolas expostos nas gôndolas dos supermercados do Ceará tinham origem local.
No entendimento de Amílcar Silveira, a imposição do tarifaço de 50% pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ao Brasil torna a iniciativa uma forma de ajuda a manter os empregos de trabalhadores rurais.
Neste movimento, a Faec atuaria para disponibilizar os estudos de mercado, treinamentos e capacitação da agricultura local para essa produção.
Rede de supermercados aposta em produtos locais, mas demanda não aumentou em meio ao tarifaço
A quantidade de produtos disponíveis no mercado local de frutas, legumes e verduras (FLVs) tem sido abundante no Ceará. Isso faz com que a rede varejista Supermercado Pinheiro adquira 90% de sua oferta de FLVs de produtores cearenses.
Conforme a companhia, a demanda anual gira em torno de 15 toneladas. Entre os produtos ofertados aos seus clientes que são "made in Ceará" estão a batata-doce, banana e mamão.
O movimento faz parte de uma decisão institucional do Supermercado Pinheiro, que há anos aposta na compra direta de produtores locais com base na qualidade, frescor, procedência, além do impacto econômico local, num movimento que também se une à responsabilidade social. Outro ponto destacado pela companhia é a facilidade logística.
Micael Azevedo, gerente de Marketing da companhia, destaca que a manutenção do relacionamento com os produtores locais vai além de questões periódicas de mercado, como o tarifaço dos Estados Unidos.
"Compramos de forma recorrente e, quando necessário, ajustamos a frequência para garantir o giro, previsibilidade e escoamento da produção local. Esse modelo não é pontual; é a forma como operamos", afirma.
Questionado sobre se há destinação de parte da produção cearense que seria exportada aos Estados Unidos, o gerente do Supermercado Pinheiro destaca que a rede monitora a cadeia produtiva, mas, até aqui, "não vinculamos mudanças táticas relevantes exclusivamente a esse fator".
"Mantivemos nossa política de compras com foco em previsibilidade, qualidade e abastecimento regular das lojas", continua.
Entenda as medidas do Governo do Ceará contra o tarifaço
> Foram quatro medidas do projeto sancionado em 7 de agosto.
> Os recursos virão do Tesouro Estadual, a depender da capacidade financeira e fiscal do Estado, para manter o equilíbrio. A quantidade estimada de companhias que exportam para os americanos chega a 300.
Aquisição de crédito de exportação;
Redução dos encargos financeiros do Fundo de Desenvolvimento Industrial (FDI);
Subvenção econômica para as empresas manterem seus negócios com os EUA; e
Compra direta pelo Estado de produtos alimentícios.
Aquisição de crédito de exportação
A aquisição de créditos de exportação terá como responsável pelo pagamento a Secretaria do Desenvolvimento Econômico (SDE). A empresa fará requerimento à Secretaria de Estado da Fazenda (Sefaz), que analisará o pedido. O valor adquirido será para compensar o aumento do custo tarifário.
Segundo o secretário da Fazenda, Fabrízio Gomes, a medida funcionará por meio de uma antecipação do pagamento do crédito acumulado que muitas empresas possuem com os estados e com as unidades federais
"A Secretaria da Fazenda vai estar recebendo, através de seus sistemas, esses pedidos, e a gente vai analisar para que seja feito esse pagamento desse crédito de exportação, justamente para compensar esse aumento do custo tarifário que as empresas estão tendo nessa negociação com os Estados Unidos", informou.
Redução dos encargos financeiros do Fundo de Desenvolvimento Industrial (FDI)
Os encargos do FDI serão reduzidos com o intuito de equilibrar custos e evitar possíveis perdas de negócios. O titular da Sefaz destacou que o valor será diminuído a depender da "necessidade de cada empresa".
Além disso, ele comunicou que para ser beneficiada por essa medida a companhia também terá que entrar com pedido a partir da secretaria.
Subvenção econômica para as empresas manterem seus negócios com os EUA
A subvenção econômica irá combater a perda financeira das empresas nas exportações, de modo que ela consiga manter a competitividade nos contratos com importadores americanos. O requerimento deve ser realizado junto a Sefaz.
Vale destacar, que o valor adquirido não pode ultrapassar o impacto econômico do das tarifas. Assim, a pasta, de acordo com Fabrízio, "irá analisar qual foi o custo que aumentou". A SDE será responsável pelo pagamento.
Compra direta pelo Estado de produtos alimentícios
Por fim, a compra dos alimentos, que será realizada pela Secretaria do Desenvolvimento Agrário (SDA) a partir de processo de credenciamento, irá atender demandas do Estado. O preço pago pelos produtos, segundo o informado pelo governo, será decidido mediante pesquisa.
A medida deverá servir como uma alternativa aos exportadores que tenham perdido negócios com os EUA.
Além disso, ela será"uma forma de a gente monitorar e ver quais são as possibilidades que o Estado do Ceará tem com as empresas, para podermos manter os negócios", afirmou o secretário da Fazenda.
Fonte: Sefaz/Governo do Ceará