Não houve um ano sequer, desde 2021 - o início do pós-pandemia -, que o Ceará não teve um saldo positivo na abertura de empresas. A força do empreendedorismo observada nos números contabilizados pela Junta Comercial do Ceará (Jucec) demonstra ainda que os setores de comércio e de serviços são os de maior potencial e impulsionam a economia local.
O recorte de tempo coincide com a migração de carreira de João Victor Souza. O engenheiro mecânico largou a indústria de gelo do pai na qual trabalhava na refrigeração para assumir um salão de beleza justamente em 2021, onde disse ter encontrado a vocação profissional.
"Hoje, quando paro para pensar, eu fico me perguntando qual negócio eu posso entrar para fazer o que fiz aqui no Essenza", questiona-se ao avaliar o crescimento do negócio.
Em crise desde a pandemia de covid-19, o salão tinha 19 profissionais em atividade quando João Victor assumiu a administração. Hoje, são 80. O atendimento passou de 400 clientes por mês para 1,8 mil. Já o faturamento saltou em 10 vezes.
Uma cara nova e mais jovem e investimentos associados foram as iniciativas dele para conseguir o crescimento. Além dos serviços de beleza, João Victor se associou com outros empresários para abrir lojas de roupa e de joias no mesmo ambiente do salão, e já planeja uma outra de presentes e perfumaria.
"Vi esse negócio como uma oportunidade. Tinha pontos positivos, com mais dez anos de história, boa localização no Dionísio Torres, e eu falei para mim mesmo: 'consigo melhorar esse negócio, consigo tocar ele'", recorda sobre a decisão que mudou os rumos da vida dele ao atuar no setor produtivo que mais cresce no Ceará.
O Estado conta com mais de 1 milhão de empresas ativas, das quais 484.837 (45,44%) são atividades de serviços e outras 388.106 (36,38%), do comércio. Restando apenas 9.591 (9,33%) para a indústria e outros 8,84% cujos registros antigos foram feitos sem a exigência da classificação.
"Nós atrelamos esse movimento ao aquecimento da economia local, à política de atração de empresas que geram oportunidades. E o cearense também. Há elementos de estímulo ao empreendedorismo e nós temos um povo com veia empreendedora", avalia Eduardo Jereissati, presidente da Jucec.
As atividades identificadas por ele se refletem ainda na geração de emprego. Do estoque estimado em 1,44 milhão de carteiras assinadas pelas empresas instaladas no Estado, hoje, 743.617 são geradas pelo setor de serviços e outras 293.178 pelo comércio. Comparados aos demais, os dois setores somam cerca de 75% do Produto Interno Bruto (PIB) cearense.
"É uma combinação de vocação, olhando para os polos regionais atraentes, e oportunidades, quando se há restrição dos outros setores produtivos", analisa o economista Alex Araújo sobre o peso dos dois setores para a economia local.
Facilidade em montar um negócio também é apontada por Araújo como motivo de as atividades serem "majoritárias no PIB e líderes na geração de emprego". O economista cita exemplos de negócios cuja única necessidade para serem iniciados é a vontade do empreendedor e dinheiro para bancar o investimento inicial.
Elementos que, juntos, Kassyo Marthins chama de vocação. Aos 35 anos, a carreira dele começou aos 13, quando passou a ajudar a madrinha numa venda de marmitas. Era entregador e ajudante de cozinha. Depois, passou numa seleção para estagiário em um supermercado, no qual trabalhou no self service.
Simultaneamente, ainda aos 16 anos, ele começou a fazer bolos e salgados para aniversários de amigos e parentes e começou a aceitar encomendas. "Ia vendo as receitas na internet e aprendendo". A saga no setor de serviços avançou com o primeiro emprego formal, ao assumir a função de cumim no restaurante de um hotel na Avenida Beira-Mar.
"Sou muito interessado. Entre limpar uma mesa e outra, ia na cozinha e via como funcionava. Aprendia. Depois de três anos, eu saí e fui para Guaramiranga. Abri um negócio com meu ex-companheiro, que é chef de cozinha, e passei oito anos lá. Quando voltei para Fortaleza, resolvi montar o meu próprio negócio", recorda.
Antes disso, ele disse ter "gabaritado todos os cursos de cozinha do Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem do Comércio)". Foi o aprendizado que ele precisava para abrir o próprio negócio: o Amor no Potte. Hoje, com o atual companheiro, ele atende encomendas de bolos personalizados e vende pratinhos à noite na própria casa no Pirambu.
Histórias como as de Kassyo e João Victor atestam o que o economista Marcos Falcão, gerente executivo do Escritório Técnico de Estudos Econômicos do Nordeste (Etene), lê nos números: "No histórico recente, não é visto nenhum período de retração do setor de serviços do Ceará. Pelo contrário, você tem sempre crescimento".
E os elementos que dão força a esses dois setores produtivos são encontrados em diversas frentes, desde a capacitação até a consultoria para o fortalecimento dos negócios no Ceará.
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Tecnologia é aposta para expansão
Ancoradas, principalmente, nas áreas de alimentação, beleza e vestuário, as atividades de comércio e serviços no Ceará devem ter na tecnologia o principal segmento para a expansão nos próximos anos, segundo apontam especialistas do setor. O desenvolvimento de startups, a chegada de data centers e a evolução dos provedores de internet são considerados os negócios com mais chance de crescimento.
O economista Alex Araújo considera que será uma nova fase, assim como aconteceu com o turismo há 50 anos, que teve forte apelo das praias e o desenvolvimento de atrações relacionadas, como as barracas e também parques aquáticos. Desta vez, a infraestrutura de telecomunicações e o profissional cearense são os impulsionadores.
"Fortaleza compete de igual para igual com Recife na quantidade de empresas de tecnologia. Quando se olha só para o setor de educação, nós somos líderes na Região Nordeste", ressalta.
Neste cenário, a capital cearense e o Estado como um todo cumprem o desafio de atrair serviços tecnológicos de alto valor agregado, como destaca Marcos Falcão. O gerente executivo do Etene avalia que "o Ceará se prepara para isso com seu hub tecnológico e formação de mão de obra capacitada". "Turismo e Tecnologia deverão ser drivers de crescimento e desenvolvimento para o Ceará", afirma.
Visão compartilhada pela diretora de Educação do Senac, Priscilla Carneiro. Nos cursos, ela conta que a tecnologia é aplicada em diferentes níveis de amadurecimento. Nas trilhas de formação mais básicas, "pílulas de conhecimento" são aplicadas para combater a fobia digital.
No geral, a cibersegurança é aplicada. Mas há ainda o uso de inteligência artificial como ferramenta pedagógica. Todas as metodologias aplicadas para evitar o distanciamento dos profissionais de recursos essenciais para os negócios e dotando-os de competências tecnológicas. "É digital, mas, sobretudo, inovador. Trazemos praticidade para o processo produtivo", ressalta, citando o trabalho feito com os jovens aprendizes.
Trilhas de formação fortalecem setores produtivos no Estado
A força com a qual comércio e serviços movem a economia cearense é motivo de atenção pela Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Ceará (Fecomércio-CE), que tem o Senac como braço de capacitação. Priscilla Carneiro, diretora de Educação da instituição, ressalta que o Senac é o principal executor de programas governamentais de treinamento, como o Pronatec e o Virando o Jogo, e oferta trilhas de formação em inúmeras áreas, incluindo empreendedorismo e competências socioemocionais voltadas para a geração de renda e empregabilidade.
O modelo de execução é variado, mas costuma atender às demandas do mercado, segundo ela. Sejam setores específicos ou empresas e até mesmo uma carência identificada pelos governos ou pelo próprio Senac. Para isso, ela conta com um corpo de funcionários entre 1 mil e 1,2 mil profissionais, composto por gestores, instrutores, pedagogos e demais funções a depender das necessidades.
"Nós construímos a partir das agendas um modelo de formação adequada à disponibilidade dos alunos, dos perfis indicados e da demanda das empresas", conta.
Com isso, a instituição conseguiu responder ao crescimento dos setores produtivos com a expansão da oferta. O número de municípios atendidos saiu de 37 para 105 em quatro anos e, assim como a abertura de empresas, a criação de turmas é maior a cada ano desde 2021, quando contabilizou 1.720 classes. Em 2024, foram 2.668.
As matrículas saltaram ainda mais, saindo de 28.644 há quatro anos para 59.532 no ano passado. Ciente das ofertas e ansioso por migrar de área, Ediglê Santos ocupou uma das vagas do Senac já em 2025, colaborando para mais um recorde nos cursos.
Carreira extensa no setor de serviços ele já ostenta. Ediglê atuou como produtor de teatro, webdesign, fotógrafo, proprietário de café e, atualmente, possui uma empresa de arranjo de flores para eventos. Agora, quer ser operador de drones.
"É uma atividade que está muito em alta. Fiz uma pesquisa e realmente o mercado só cresce", conta, afirmando estar de olho nas oportunidades que devem surgir na construção para vistoria predial, no agronegócio e também nas indústrias localizadas no Complexo do Pecém.
Depois de empreender e atuar informalmente por décadas, Ediglê busca segurança econômica enxergada por ele na carteira profissional assinada e atuar de uma forma tão importante para o setor quanto no empreendedorismo.