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Série registra expedição por nove países africanos
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Série registra expedição por nove países africanos

Fotógrafo César Fraga e historiador Maurício Barros de Castro se debruçam nas raízes africanas na série de TV Sankofa, que registra projeto de expedição da dupla
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Na expedição empreendida pelo fotógrafo César Fraga e pelo historiador e professor da UERJ Maurício Barros de Castro, foram visitados nove países. Um deles foi o Benin, no registro (Foto: César Fraga / divulgação)
Foto: César Fraga / divulgação Na expedição empreendida pelo fotógrafo César Fraga e pelo historiador e professor da UERJ Maurício Barros de Castro, foram visitados nove países. Um deles foi o Benin, no registro

Na sabedoria do povo nativo Akan, em Gana, Togo e Costa do Marfim, o conceito “Sanfoka” significa “volte e pegue”. A ideia é simbolizada por um pássaro mítico que tem a cabeça voltada para trás, representando, assim, um presente que constrói um futuro sem esquecer do passado. O termo de rico significado é utilizado para intitular a série "Sankofa – A África que Te Habita", do Prime Box Brazil, que registra o processo de uma expedição que o fotógrafo César Fraga e o historiador Maurício Barros de Castro fizeram por nove países do continente africano. No dia que marca a abolição da escravatura no Brasil, a série abre espaço para refletir sobre raízes e construções históricas.

A série de TV, produzida pela FBL Criação e Produção, é o fruto mais novo de uma série de obras anteriores. A expedição de Maurício e César resultou no livro "Do Outro Lado" (2014), publicado pela Editora Olhares, que contava com textos e pesquisa histórica do historiador e registros do fotógrafo. O conteúdo, então, foi transformado na exposição "Sankofa – Memória da Escravidão na África", que ocupou a Caixa Cultural do Rio de Janeiro. “Agora é a vez de mostrar o que trouxemos do outro lado do Atlântico na série, que tem a contribuição de africanistas de áreas distintas do conhecimento sobre resistência ancestral no Brasil, o que trouxe ainda mais riqueza ao nosso conteúdo”, destaca César.

O roteiro da viagem empreendida se baseou em quatro rotas do tráfico transatlântico, compreendo passagens por Cabo Verde, Guiné-Bissau e Senegal (rota da Guiné), Gana, Togo, Benim e Nigéria (rota da Mina), Angola e Moçambique. "Sanfoka - A África que Te Habita" costura memórias das viagens com reflexões de histórico-culturais das relações, aproximações e distanciamentos entre os países africanos e o Brasil. “Existem muitas semelhanças e é impossível não reconhecer matrizes africanas nas culturas populares afrodiaspóricas, mas também podemos perceber muitas diferenças, principalmente considerando a diversidade cultural dos países que formam o continente africano”, aponta Maurício.

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De ligações, Maurício destaca, entre outras, a experiência do carnaval que presenciaram em Lagos, na Nigéria. César, por sua vez, conta que se sentiu “em casa” nos países visitados, “seja dançando numa comunidade de Moçambique ou comendo com as mãos entre novos amigos da Guiné Bissau”. “Na Nigéria, pude ver as nossas tradicionais casas coloniais portuguesas, chamadas por eles de ‘casas brasileiras’, construídas pelos escravos libertos no Brasil que para lá retornaram. Estar em um mercado africano é como estar em muitos mercados brasileiros, com mulheres negras de trajes coloridos, carregando suas mercadorias na cabeça”, aproxima.

“Nosso projeto tem a intenção de resgatar as origens do povo brasileiro na África. Passei muito tempo me perguntando: ‘como viviam meus ancestrais antes de embarcarem para cá?’. Mais do que entrar no que fomos nos últimos 150 anos e o que seremos daqui para frente, minha intenção era trazer referências que possam alimentar o debate”, afirma César, que assume que “pouco conhecia da cultura afro-brasileira antes de cruzar o Atlântico”. Volta a ideia de "Sanfoka" e a importância de se voltar ao passado para pegar elementos de construção identitária, histórica e cultural que ajudem a construir o futuro. “Vivemos em uma das sociedades mais ricas do planeta, em se tratando de cultura e diversidade racial. Mas é nesta mesma sociedade que ainda persiste um ambiente discriminatório, legado de um doloroso passado escravagista. Este cenário se torna um entrave ao progresso da sociedade brasileira, na medida em que vem de encontro aos direitos humanos mais fundamentais e aos anseios de uma nação justa, tolerante e democrática. O nosso olhar para os lugares de memória do tráfico de escravizados no Brasil, conhecendo e reconhecendo nossas origens, resgata nossa autoestima e fortalece a formação da nossa própria identidade”, defende César.

Maurício lembra que, pela lei 10.639, o ensino da história de disciplinas voltadas às culturas africana e afro-brasileira ficou determinado. No entanto, ainda assim, a lei sofre “com uma série de dificuldades para ser efetivamente implementada, como a intolerância religiosa e, obviamente, o racismo”, afirma. Pela lei 10.645, que modificou e ampliou a anterior, ficou determinado também o ensino das raízes indígenas. “O Brasil não conhece a história e a cultura dos seus povos originários. Ou seja, se chegamos ao ponto de tentar resolver esse problema com leis é sinal de que o desconhecimento é enorme”, considera. “Existem muitos meios de combater o esquecimento imposto a uma cultura, por motivos racistas, ideológicos e políticos. Acredito que a essa série pode ser uma destas ferramentas, porque pode ajudar, por meio de uma narrativa positiva da África e seu legado no Brasil, na luta contra o racismo estrutural da sociedade brasileira, que provoca apagamentos e silêncios”, finaliza o historiador.

Filmes para refletir sobre a abolição da escravidão no Brasil:

A Última Abolição (2018)
Documentário. O filme aborda a abolição tardia ocorrida no Brasil, destacando o protagonismo do povo negro no processo. Entre os pontos de abordagem, por exemplo, estão a resistência dos escravizados e o papel das mulheres negras. Dessa forma, o filme da diretora Alice Gomes debate questões históricas e contemporâneas relacionadas à formação do País. O longa terá exibições no Canal Brasil hoje, às 20 horas, e amanhã, às 18h25min.

Abolição (1988)
Documentário. Zózimo Bulbul é um dos principais nomes do cinema nacional e, em 1988, lançou o documentário Abolição, produzido para marcar os 100 anos do processo abolicionista no Brasil. Nele, o diretor analisa questões sociais, históricas e culturais relacionadas à abolição e seus desdobramentos. O longa está inteiramente disponível na página do Facebook Abolição - Zózimo Bulbul

Raça (2013)
Documentário. O brasileiro Joel Zito Araújo se uniu à norte-americana Megan Mylan para trazer retratos de batalhas pela igualdade: o senador Paulo Paim, autor do projeto original do Estatuto da Igualdade Racial no Congresso Nacional; a ativista quilombola Miúda dos Santos (foto), neta de africanos escravizados que luta pelo respeito à Comunidade Quilombola de Linharinho (ES); e o cantor Netinho de Paula, na tentativa de construir o canal TV da Gente, formado por profissionais negros.

Sankofa - A África que Te Habita

Quando: às sextas, 20h30min

Onde: Canal Prime Box Brazil

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