"O mundo está agora em suspensão. E não sei se vamos sair dessa experiência da mesma maneira que entramos", alerta o líder indígena, ambientalista e escritor Ailton Krenak na obra "O amanhã não está à venda" (2020). O isolamento domiciliar imposto pela pandemia de Covid-19 alterou sociabilidades e modos de produção — e as mudanças perduram no campo da arte. Quais os limites e deslimites do fazer artístico na era da virtualidade?
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O Porto Iracema das Artes promove, entre 14 e 16 de julho, o encontro online e gratuito "Poéticas de Coexistência - Artes Visuais & Fotopoéticas: Exercícios experimentais da liberdade". O evento investiga a formação em artes visuais em tempos virtualidade. Entre os convidados ao diálogo estão a coordenadora de Educação do Instituto Moreira Salles (IMS) Renata Bittencourt; a artista e professora Giselle Beiguelman; o artista e professor Claudio Bueno; a fotógrafa e curadora Ana Lira; a pintora e muralista Kaliane Dassi; a doutora em Educação e ativista indígena Naine Terena; o fotógrafo e professor Alexandre Sequeira; a professora e pesquisadora Renata Felinto e a educadora Gleyce Kelly Heitor. Os debates serão transmitidos pelo canal do Youtube e pelo Facebook do Porto Iracema, simultaneamente, sempre às 15 horas.
Historiadora da arte e coordenadora de Educação no IMS, Renata Bittencourt debate nesta terça, 14, a arte como invenção, afirmação e cuidado de si e do mundo. Entre as questões urgentes que atravessam a formação artística, Renata destaca a importância da interseccionalidade entre raça, gênero e classe nos percursos educativos do produtor ao público consumidor. "Todo o sistema das artes está se modificando e isso tem um impacto: muda quem olha, quem abre a porta, quem dá aula, quem recebe a aula. Isso tudo se modificando, as disciplinas também se modificam e o conteúdo das aulas se modifica. A presença de mais atores e diretores negros e indígenas, por exemplo, transforma não só as pessoas negras e indígenas, mas também as pessoas brancas que estão em formação e que vão ter um repertório mais diverso, mais interessante", pontua.
"Muito daquilo que nos define como humanos está relacionado a esse campo do simbólico. No momento, nossas estruturas estão sobrecarregadas e nós estamos sendo desafiados: tudo aquilo que nos era conhecido está sendo colocado em questionamento e estamos sendo convidados para olhar outras dimensões. Uma dessas dimensões é o nosso mundo sensível, que tanto negligenciamos, e agora somos chamados a observar subjetividades, memórias e emoções", continua Renata.
Alexandre Sequeira, artista visual e professor do Instituto de Ciências da Arte da Universidade Federal do Pará, acredita que o isolamento domiciliar concretizou uma mudança que já estava em curso no campo das artes há tempos. "Eu gosto muito de não pensar essa situação como uma situação de imobilismo. Diante da dificuldade de arrefecimento do quadro da pandemia, acho que o modelo que está posto vai de certa forma perdurar por muito tempo e algumas mudanças chegam para ficar, como nos aspectos comunicacionais. Museus e centros estão tendo que se reinventar; determinados acessos a bens culturais que antes eram regidos por uma lógica de mercado estão sendo colocados em xeque...", enumera. O fotógrafo e educador aponta como fundamentais as diversas conexões online agora consolidadas entre artistas em territórios distantes geograficamente na constituição de uma rede criativa.
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Um em cada quatro brasileiros não têm acesso à Internet, segundo dados do IBGE divulgados no último mês de abril. A democratização do acesso digital ainda é um dos maiores desafios enfrentados nesse contexto educacional. Para Alexandre, "a pandemia colocou essas questões de uma maneira mais imediata, da produção e formação dos artistas à visibilidade desses trabalhos — mas já havia um deslocamento desses núcleos pulsantes que oxigenam as cenas artísticas, que migraram de espaços considerados hegemônicos para as periferias. A pandemia não é saudável, mas eu acho que essa revisão desse modelo de produção e difusão é saudável porque é urgente compreender essas rugas que estão acontecendo e nos levam a refletir", complementa.
A diretora do Porto Iracema das Artes, Bete Jaguaribe, reconhece as dificuldades de acesso dos jovens que estão excluídos do ambiente virtual — público prioritário da escola. "Eu diria que o campo da educação foi o que mais sofreu impacto, especialmente em países socialmente desiguais como o Brasil. Estamos vivendo, no que se refere à educação, um apagão inédito, uma tragédia social. O Porto Iracema manteve alguns programas como os Laboratórios de Criação, mas optamos por abrir um grande debate sobre 'Formação em Artes e Virtualidades' para a partir daí desenvolvermos uma plataforma pública de formação. Estamos reunindo pesquisadores e artistas para pensarmos sobre a pergunta: em que termos podemos desenvolver processos de formação em artes no ambiente virtual, sem perdermos a potência do encontro físico, da presencialidade? Entendemos que temos que nos preparar para construirmos possibilidades de formação em artes em momentos desafiadores como o que estamos vivendo".
Poéticas de Coexistência - Artes Visuais e Fotopoéticas
Com Renata Bittencourt, Giselle Beiguelman, Claudio Bueno,Ana Lira, Kaliani Dassi, Naine Terena, Renata Felinto, Alexandre Sequeira e Gleyce Kelly Heitor
Quando: 14, 15 e 16 de julho, sempre às 15 horas
Onde acessar: YouTube e Facebook do Porto Iracema das Artes