"O sertão é bom. Tudo aqui é perdido, tudo aqui é achado... - ele seo Ornelas dizia. - O sertão é confusão em grande demasiado sossego...". No meio do reino do sol, onde o pensamento da gente se forma mais forte que o poder do lugar, sertão é toda parte. Entre os aforismos de "Grande Sertão: Veredas" (1956), João Guimarães Rosa concebeu: nos feitiços subterrâneos das vidas, "tudo o que é bonito é absurdo". Para cartografar manifestações populares e toda sorte de folguedos que costuram os múltiplos nordestes e seus sertões, o projeto Bestiário na Estrada propõe o registro audiovisual de 4.500 km de viagem em busca do imaginário fantástico que desafia o mundo visível.
Rafael Limaverde, Marquinhos Abu e Henrique Dídimo, equipe do projeto Bestiário na Estrada, realizam uma campanha de financiamento coletivo na plataforma Benfeitoria para pleitear os custos da viagem, a produção e a edição do documentário "Bestiário na Estrada: seguindo o rastro do fantástico nordestino". Em 2021, os artistas percorrerão Ceará, Pernambuco, Bahia, Sergipe, Alagoas, Paraíba e Rio Grande do Norte para entrevistar artistas, mestres, agentes da cultura e brincantes.
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O xilogravurista, grafiteiro, designer e ilustrador Rafael Limaverde detalha a etnografia dos saberes populares: "Primeira parada será Barbalha, onde conheceremos os Caretas de Couro do Barro Vermelho, reisado tradicional da região criado pelo mestre Zé Pedro de Oliveira. De lá, seguimos para Petrolina (PE) para conhecer o legado de Ana das Carrancas, que criou um estilo próprio de fazer suas carrancas e hoje é referência nacional na arte popular. Sertão adentro, vamos à Santa Maria da Vitória, cidade natal de Francisco Biquiba dy Lafuente Guarany, considerado um dos pioneiros na produção das carrancas do Rio São Francisco e falecido em 1985. Já no Recôncavo Baiano, vamos conhecer o Zambiapunga e os Caretas de Maragojipe, Lauro de Freitas, Acupe e Praia do Forte. São blocos que saem no período carnavalesco e possuem uma rica produção de máscaras originais. Seguimos para Olinda para conhecer o Mestre Ambrósio, personagem mascarado da manifestação tradicional de Pernambuco Cavalo Marinho. Como última parada, vamos à Várzea Nova (PB) registrar Ala Ursa, personagem muito comum na região".
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"É curioso como muitas dessas manifestações que pretendemos registrar são pouco conhecidas pelo grande público. Algumas delas estão restritas às suas comunidades ou cidades", continua Rafael. "Penso o Bestiário na Estrada como um telescópio virado para essas vivências. O registro é uma ferramenta poderosa para que todos tenham acesso a esses patrimônios e conhecer é o passo inicial para valorizar e proteger esses tesouros. As máscaras e vestimentas são de fundamental importância para esse teatro mágico que se apresenta anualmente nas comunidades, são elas que transformam o brincante em sua própria máscara. É aí que habita o fantástico — a negação da realidade, onde mesmo que por um espaço de tempo, o extraordinário se manifesta. Guimarães Rosa disse: 'No centro do sertão, o que é doideira às vezes pode ser a razão mais certa e de mais juízo'. É maravilhoso poder viajar com o olhar atento às 'doideras' do sertão. É sempre surpreendente porque marcamos alguns pontos no mapa, mas a própria viagem vai ampliando os caminhos e nos mostrando que sim, o nordeste é um universo infinito", complementa.
O Bestiário já ganhou estrada anteriormente, viagem que resultou na exposição "Bestiário Nordestino – Um olhar sobre a gravura fantástica" e num livro catálogo apoiado pelo VII Edital das Artes de Fortaleza. Nas palavras de Marquinhos Abu, grafiteiro, arte educador, produtor e membro do Coletivo Aparecidos Políticos, "pegar a estrada para visitar esses mestres ampliou enormemente nosso olhar. Falamos inclusive que a exposição não daria conta das histórias que queríamos contar e o registro nos ajuda a amplificar e compartilhar aquilo vimos percorrendo os mais de 2.000 Km rodados na primeira viagem. Voltamos pra casa querendo ver mais e assim surge a ideia da segunda viagem".
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Nos mistérios do sertão, o convite é adentrar. "Esse registro é importante para manutenção de nossa identidade enquanto nordestinos. Essa memória que está guardada, e de algum modo escondida no meio do oco do mundo, ressurge nas manifestações, nos brinquedos populares. As histórias são contadas e recontadas e vão ganhando vida no corpo dos brincantes e o fantástico esta ali, naquele momento no real invisível", finaliza Marquinhos.
Cada apoiador do projeto terá direito a recompensas como créditos no documentário, ingressos para a estreia do filme no Cineteatro São Luiz, link para ver o vídeo com exclusividade, o Catálogo da exposição Bestiário Nordestino, entre outros.
Bestiário na Estrada
Plataforma de financiamento coletivo Benfeitoria: www.benfeitoria.com/bestiarionaestrada