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Demócrito Rocha enfrenta autoritarismo no início do século XX no Ceará
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Demócrito Rocha enfrenta autoritarismo no início do século XX no Ceará

Segundo episódio da série O POVO é História aborda agressão sofrida pelo jornalista Demócrito Rocha, em 1927, devido a críticas feitas ao governo de Moreira da Rocha
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Entrevistas Históricas - CAPA - DEMÓCRITO ROCHA (Foto: Carlus Campos)
Foto: Carlus Campos Entrevistas Históricas - CAPA - DEMÓCRITO ROCHA

O fato ocorreu em 1927. Era o auge da desavença entre o jornalista Demócrito Rocha (1888-1943) e o governador do Ceará, Moreira da Rocha, eleito em 1924. Então redator do jornal "O Ceará", Demócrito não poupava críticas ao político cearense, considerado um governante "autoritário, déspota e corrupto". No dia 18 de setembro de 1928, O POVO estampa a manchete "Heroes do Moreirinha", com a foto dos oito policiais que agrediram Demócrito no dia 1º de junho do ano anterior. "Um dos fatos mais vergonhosos registrados no governo Moreirinha foi, sem dúvida, a agressão levada a efeito por oito oficiais da polícia à pessoa do jornalista Demócrito Rocha", lê-se logo no início do relato. De acordo com a narrativa contada na primeira página do jornal, Demócrito foi agredido em pleno centro de Fortaleza, à rua Major Facundo.

Havia bastante movimento naquele fim de tarde de uma quarta-feira, quando o jornalista fora agarrado por quatro policiais enquanto os outros lhe desferiam bengaladas e coronhadas de revólveres. Demócrito Rocha, conta a notícia, foi socorrido por passantes, mas isso não o impediu de ser preso e levado à delegacia. "A multidão indignada vaiou as autoridades e esperou a saída do jornalista da delegacia e o acompanhou, ovacionando-o, até sua residência", prossegue o texto. Mesmo solto e em casa, a violência seguiu em frente. "Na ocasião em que, na porta do seu lar, falava ao povo, agradecendo aquela manifestação que o confortava, partiu da delegacia um pelotão armado de sabres, revólveres e punhais, a fim de espancar o povo". O texto dá conta de que houve cenas "horríveis" de violência contra as pessoas que ouviam o discurso de Demócrito Rocha. Lúcia Rocha Dummar (1907-2013), filha de Demócrito, rememora o episódio quase oito décadas depois, em 2006, numa entrevista ao O POVO. Menina, com 10 anos, lembra-se do pai fazendo o discurso na varanda do sobrado onde a família morava à rua Major Facundo. "Papai com a camisa ensanguentada profere, na sacada superior do sobradinho, um discurso à multidão revoltada. Enquanto Demócrito falava, percebeu de relance a cavalaria invadindo o quarteirão pelos dois lados opostos, fechando a rua e comprimindo a multidão. Não tendo para onde ir, o povo terminou espancado a mando do governo. Seria inconcebível nos dias hoje tamanha violência por conta do livre exercício da crítica através da imprensa", afirmou Lúcia Rocha.

Antes de fundar O POVO em 7 de janeiro de 1928, o poeta e jornalista baiano, radicado em Fortaleza, trabalhou como redator no jornal "O Ceará" e fundou a revista "O Ceará Illustrado", que se tornou uma referência de inovação jornalística. Entre 27 de abril de 1924 e dezembro de 1925, Demócrito Rocha abordou temas culturais, sociais e políticos na revista e claro, Moreira da Rocha foi até capa. Em agosto de 1925, o governador do Ceará aparece na "Ceará Illustrado", numa charge que aborda a polêmica do voto secreto no estado. Quando Demócrito sofreu a agressão da política de Moreirinha, já planejava fundar um jornal. Havia criado até o concurso para a escolha do nome do novo veículo, numa campanha feita no próprio "O Ceará", de propriedade do jornalista Júlio Ibiapina. Em 7 de janeiro de 1928, O POVO nasce com um chicote na logo e tem como propósito "o empenho constante de apontar aos homens de Estado o caminho republicano". A vida pública do juiz José Moreira da Rocha havia começado alguns anos antes quando o oligarca Antônio Pinto Nogueira Acioli o havia escolhido para preencher uma vaga de desembargador no Estado. Em 1923, por meio de um acordo que reuniu os conservadores ainda ligados ao grupo de Acioli e os democratas, Moreira da Rocha foi eleito. No entanto, o caldo da coalizão engrossou rapidamente, elevando a tensão do cenário político. Em 1925 havia sido promulgada a Carta Magna que ficou conhecida como a "Constituição do Voto Secreto", mas as práticas políticas anteriores que incluíam troca de favores pelo voto seguiam em alta em todo o Ceará. Além das ações consideradas "antirrepublicanas", Moreira da Rocha enfrentava um cenário econômico e social desastroso. A pobreza ocupava os quatro cantos da pequena cidade, impulsionada pelas estiagens que tornava Fortaleza a esperança para centenas de sertanejos. A má atuação do governo nessa conjuntura atraía a atenção dos opositores. Demócrito Rocha a chamava de "desmandos do Moreirinha" e contra eles dirigia sua pena. A execução de presos no interior cearense era uma das acusações mais graves que recaíam contra Moreira da Rocha. Em Juazeiro, Floro Bartolomeu era acusado de cumprir ordens de Moreirinha quanto à matança de bandidos. Para tentar apaziguar os ânimos, em 1925, o governador enviou mensagem negando qualquer conivência com a morte de presos. O próprio Floro Bartolomeu chegou a criar o jornal "Gazeta de Juazeiro" para se defender das acusações. A fim de se distanciar do governador, publicava cartas de pessoas que "sustentavam que a força pública tinha fuzilado presos" por ordem do governo.

 

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Assinantes do OP+ têm acesso à integra deste conteúdo, que inclui entrevista com a professora do departamento de História da UFC, Ana Carla Sabino, sobre como partidos, ideologia e religião impulsionaram o surgimento de jornais no início do século XX.

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O terceiro episódio da série "O POVO é história" estreia amanhã,  22/9, e vai mostrar como o beato José Lourenço assustou e despertou o ódio das elites políticas ao fundar o Caldeirão no Sertão do Ceará.

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