Filme "Love Story" completa 50 anos e prova vivacidade do melodrama no cinema
João Gabriel Tréz é repórter de cultura do O POVO e filiado à Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine). É presidente do júri do Troféu Samburá, concedido pelo Vida&Arte e Fundação Demócrito Rocha no Cine Ceará. Em 2019, participou do Júri da Crítica do 13° For Rainbow.
Filme "Love Story" completa 50 anos e prova vivacidade do melodrama no cinema
Narrando relação amorosa marcada por percalços e tragédias, "Love Story: Uma História de Amor" completa 50 anos em 2020. Filme entrou recentemente no catálogo da Netflix
A melodia emocional que sai das teclas do piano do músico Francis Lai anuncia, de partida, o tom que norteia "Love Story: Uma História de Amor". Lançado em 1970, o filme dirigido por Arthur Hiller e roteirizado por Erich Segal segue a intensa e sofrida relação entre Oliver (Ryan O'Neal) e Jenny (Ali MacGraw). A primeira cena do filme anuncia, sem dizer, muito do que virá: ao som da música hoje clássica, um movimento de câmera lento revela, ao longe, Ryan - sentado, pequeno - em meio a uma paisagem fria; então, a voz off revela: "O que se pode dizer de uma garota de 25 anos que morreu?". Um dos primeiros filmes a arrecadar mais de U$ 100 milhões nas bilheterias estadunidenses, o longa romântico - que foi recentemente disponibilizado na Netflix - marcou época contando a história de um amor atingido por intempéries diversas. Em que níveis "Love Story" repercutiu em sua época? Onde é possível "encontrá-lo" ainda hoje?
Como explica o realizador e mestre em Comunicação pela Universidade Federal do Ceará Daniel Filipe, o gênero do melodrama é "o encontro entre uma narrativa pessoal, particular (e muitas vezes burguesa) que propõe, ou discute, valores morais da sociedade". Em Hollywood, narrativas de amores impossíveis, histórias românticas e trajetórias de superação foram produzidas em grande volume, construindo, dessa forma, processos de identificação do público com aquelas personagens. Em "Love Story", o anúncio já no primeiro minuto da separação do casal protagonista por um acontecimento trágico funciona na chave do estabelecimento de empatia do espectador com as personagens.
No entanto, o desenrolar do filme não se constitui puramente dessa narrativa. Um dos principais temas do longa, em verdade, são as diferenças das classes sociais. "Toda a construção de 'Love Story' se baseia fortemente no melodrama. O filme aborda o desejo dos dois personagens em meio às adversidades sociais. Nesse caso, questões familiares e de classe", aponta Daniel. Oliver é um jovem rico e inconsequente que se apaixona por Jenny, uma jovem pobre e inteligente. A relação é mal vista, em especial pelo pai dele, e muito daí se constrói o cenário adverso para o casal. A tragédia final vem para reforçar os sentimentos. "A doença e a morte de Jenny entram como uma outra força adversa ao romance. Essa também é uma característica do melodrama, onde muitas vezes o desfecho traz a felicidade como impossibilidade. Tudo isso embalado por uma trilhasonoramarcante e sentimental", destrincha.
O pesquisador e crítico de cinema IsmailXavier, no livro "O olhar e a cena: melodrama, Hollywood, cinema novo, Nelson Rodrigues", contextualiza que a década de 1970 foi marcada por uma "reabertura do processo" do melodrama. O gênero, porém, é marca forte da produção cinematográfica desde a linguagem clássica do cinema, com D.W. Griffith, com "muitas heranças do melodrama que já se desenvolvia no teatro e na literatura", aponta Daniel. Com as potencialidades da linguagem audiovisual, esse desenvolvimento encontra, no cinema, vazão. "O melodrama permeia o cinema clássico americano e até hoje essa herança é fortemente sentida em vários gêneros, não apenas no romance", indica Daniel, citando nomes como Douglas Sirk, clássico cineasta hollywoodiano, e o britânico David Lean.
O sucesso de "Love Story" junto ao público é digno de nota ao se observar a relação da obra com seu contexto histórico. "É interessante notar o apelo popular ao filme na época em que o cinema americano e a sociedade ocidental passavam por mudanças. Em meio à contracultura e experimentações visuais de um cinema que tentava se reinventar - na abordagem mais crua da violência, dos problemas sociais e políticos, da proposta de novas formas de relacionamento -, é um filme com uma história de amor melodramática que foi o mais visto", contextualiza Daniel. O pesquisador ressalta, porém, que ao mesmo tempo em que escapa do contexto geral que se fortificava ali, "Love Story" também demonstra "sinais desse tempo de mudança".
"O protagonismo de casal extremamente jovem, o uso de uma linguagem mais próxima da juventude (com palavrões e gírias), questionamentos sobre religião e casamento, muitas cenas filmadas com câmera na mão em meio às ruas", elenca Daniel, que complementa: "Algo que o cinema clássico melodramático não utilizaria alguns anos antes". "Sem dúvida, é um filme que se utiliza da manipulação do espectador e não é sutil na construção, mas que prova que essa fórmula consegue se conectar com um grande público", avalia.
O êxito é tão grande que são inúmeros os filmes, dos mais autorais aos mais comerciais, que lançam mão da abordagem melodramática. "Seja em filmes de autores renomados como 'Titanic', 'O Segredo de Brokeback Mountain', 'Longe do Paraíso' e 'Carol', ou em filmes adolescentes como 'A Culpa é das Estrelas' ou 'Um Amor Para Recordar', o melodrama segue vivo, seja questionando ou replicando sua estrutura", observa o pesquisador.
Confira o trailer:
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