O papel da disputa midiática e imagética é crucial para o desenvolvimento de uma disputa ideológica. Nos Estados Unidos dos anos 1970, a ratificação da Emenda dos Direitos Iguais (Equal Rights Amendment, ERA) foi marcada pelo embate entre os movimentos feminista liberal - com figuras proeminentes como a congressista Shirley Chisholm e a ativista Gloria Steinem - e anti-feminista - que ganhou força no período a partir da atuação da advogada e ativista Phyllis Schlafly. É nesta última - em interpretação de Cate Blanchett - que foca "Mrs. America", minissérie em nove episódios que estreia oficialmente nesta terça, 29, às 23 horas, no canal pago FOX Premium 1. O V&A teve acesso aos dois primeiros episódios.
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Criada pela roteirista Dahvi Waller - que de forma coesa e orgânica apresenta dados históricos e envolve dramaticamente -, a minissérie acompanha Phyllis, que passa os dias como dona de casa, mãe e esposa, almejando um retorno à forte veia política. Nos anos 1950 e 1960, ela concorreu sem sucesso a cargos políticos pelo Partido Republicano e se tornou proeminente em debates acerca de anti-comunismo e armas no meio conservador.
É na cruzada moral contra a ratificação da ERA, porém, que ela encontra uma possibilidade de ampliar alcance e visibilidade e, quem sabe, conseguir apoio político.
O texto da produção ressalta que Phyllis é, ela mesma, atingida pela desigualdade de gênero. Antes de enveredar no movimento contra a emenda, a ativista não somente é quase sempre a única mulher nas rodas conservadoras, mas também é diminuída pelos homens presentes - como quando, em uma reunião não oficial, pede-se que ela faça a relatoria do encontro por conta de sua "caligrafia".
Ao perceber que suas amigas e vizinhas menos ligadas à política temem as mudanças propostas pela emenda, que àquela altura contava com aceitação popular, política e até do então presidente republicano Richard Nixon, Phyllis passa a comandar uma movimentação contrária à ratificação da ERA. As disputas ocorrem em diferentes campos, mas um dos principais refletidos por "Mrs. America" é o midiático.
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Phyllis começa produzindo boletins contrários à ERA que circulam em nichos conservadores e chegam a ser desacreditados por integrantes ligadas à aprovação da emenda. Com a adesão de apoiadoras, chega à televisão popular, participando do programa do apresentador Phil Donahue. Nele, utiliza-se de retórica alarmista, listando pontos não previstos no texto da emenda como justificativas para a não ratificação. Por outro lado, as feministas da segunda onda do movimento também têm uma publicação, a revista "Ms.", e a ativista Gloria Steinem é retratada como uma espécie de símbolo do feminismo pela imprensa.
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A ligação histórica do período retratado em "Mrs. America" com questões atuais não está somente na centralidade do debate dos direitos das mulheres, mas também na abordagem de notícias falsas e do papel da mídia na validação de discursos e imaginários. Para o resto da temporada, é possível aguardar ainda discussões mais fortes sobre aborto, uma das principais pautas defendidas por Gloria, e raça, em especial a partir da presença de Shirley Chisholm, primeira mulher negra a se candidatar às prévias presidenciais pelo Partido Democrata. A atriz Uzo Aduba, intérprete da congressista, ganhou o prêmio de Melhor Atriz Coadjuvante em Série Limitada ou Filme no Emmy deste ano.
Mrs. America
Quando: estreia na terça, 29, às 23 horas, com exibição de dois episódios por semana
Onde: FOX Premium 1
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