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Quadrinistas cearenses lamentam a morte de Quino, o pai da questionadora Mafalda
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Quadrinistas cearenses lamentam a morte de Quino, o pai da questionadora Mafalda

Considerado um dos mais importantes cartunistas da América Latina, Quino faleceu aos 88 anos, deixando como legado uma das personagens mais queridas do mundo
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Quino e uma escultura de sua personagem Mafalda, em 2009, em Buenos Aires, na Argentina (Foto: AFP/Alejandro Pagni)
Foto: AFP/Alejandro Pagni Quino e uma escultura de sua personagem Mafalda, em 2009, em Buenos Aires, na Argentina

Em 1964, o mundo conhecia pela primeira vez uma personagem que se tornaria símbolo para diversas gerações: Mafalda. A menina de apenas seis anos, com sua aparência inocente, era uma questionadora. Não queria apenas entender os problemas ao seu redor, mas também sentia que precisava resolvê-los. Entre a Guerra Fria, a Guerra do Vietnã, o movimento hippie e os regimes ditatoriais da América Latina, seu universo tinha que ser mudado. O criador dessa história, Joaquín Salvador Lavado Tejón - ou Quino - morreu ontem, 30, aos 88 anos, mas deixou um importante legado para a sociedade.

A informação sobre o falecimento foi confirmada por seu editor, Daniel Divinsky, por meio do Twitter. A causa da morte ainda não havia sido informada até o fechamento desta edição, mas Quino já estava com a saúde debilitada havia alguns anos. "Quino morreu. Todas as pessoas boas do país e do mundo o lamentarão", escreveu Divinsky.

Nascido em 1932, em Mendonza, na Argentina, Quino utilizava sua arte para questionar. Política, desigualdades sociais, relações de gênero e a violência eram apenas alguns dos temas que abordava de forma recorrente. "Com sua morte, o mundo está de luto pela perda de seu melhor cartunista. Ao meu ver, foi o mais talentoso, criativo, detalhista e sutil de todos", afirma o chargista do O POVO Clayton Rebouças.

Durante os nove anos que trabalhou nas tirinhas de Mafalda, entre 1964 e 1973, Quino consagrou a personagem ao lado de outros nomes conhecidos, como o Charlie Brown, de Charles M. Schulz. Após esse período, as histórias da menina curiosa cessaram, com retorno apenas em datas especiais. Como quando ilustrou a Declaração dos Direitos da Criança, para o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), em 1977. Mas, cinco décadas depois, as tirinhas da menina questionadora e sagaz continuam repercutindo. "A presença dela era constante no meu tempo de escola nas páginas dos livros de português. É uma personagem incrível", diz Jeanni Cordeiro Barros, pesquisadora licenciada em Artes Visuais.

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"Dentro da minha pesquisa, embora o foco seja as artistas mulheres do Ceará, passo também pela sexualização das personagens femininas. A Mafalda fugia completamente disso e trazia um discurso muito importante em tirinhas curtas. É uma pena o falecimento, mas o legado dele será eterno", considera a pesquisadora.

Depois de 1973, Quino permaneceu criando conteúdo de humor. Contribuiu com charges, tirinhas e outros desenhos para publicação em jornais. E nunca perdeu o senso crítico que permeava as narrativas da sua mais famosa personagem. "Ainda temos muito o que debruçar sobre seu trabalho, que teve importância fundamental em uma época muito difícil em nosso continente. Não hesito em dizer que a obra de Quino fica como um patrimônio da humanidade", indica o ilustrador  cearense Rafael Limaverde.

O artista ainda recorda como conheceu o profissional argentino. "Conheci ele antes da Mafalda. Eu era um aspirante a cartunista e me deparei com um livro seu de cartuns intitulado 'Quinoterapia', que é uma seleção de cartuns sobre medicina e psicoterapia. É sensível, cômico e crítico", lembra. Segundo Rafael, Quino foi uma influência fundamental para seguir sua carreira. "É professor que se foi, mas que estará por uma eternidade nos fazendo rir e questionar", finaliza Rafael.

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Joaquín Salvador Lavado Tejón foi um mestre para muitas gerações de sua profissão. O quadrinista Daniel Brandão, por exemplo, revela o impacto que esse legado teve em sua trajetória. "Ele me ensinou que as tiras não precisam ser sempre engraçadas, bobas ou infantis. Pode-se falar de tudo nas tiras, inclusive sobre questões sociais e econômicas", comenta o artista, autor das tiras Os Mundos de Liz, publicadas diariamente nas páginas do Vida&Arte.

A importância de Quino na vida de Daniel Brandão é tão grande que, quando sua filha nasceu, as pessoas que faziam visitas ganhavam tiras da Mafalda de presente. "O que eu e minha esposa queríamos era registrar que desejávamos para a nossa filha o mundo que ele idealizava e tentava transformar com seu trabalho", explica. "Quino é imortal!", soma Daniel, ao sentimento compartilhado por todos que amam a obra do artista argentino.

Após o editor, Daniel Divinsky, confirmar a morte de Quino, pessoas estão prestando homenagens nas redes sociais. Até o momento de produção desta matéria, o termo "Mafalda" contava com mais de 280 mil tweets, enquanto "Quino" tinha aproximadamente 470 mil.

Maurício de Sousa, criador da Turma da Mônica, foi uma das pessoas que se pronunciaram. "O amigo Quino está agora desenhando pelo universo com aqueles traços lindos e com um humor certeiro como sempre fez. Criou sua Mafalda, hoje de todos nós, no mesmo ano em que eu criei a Mônica, em 1963 - mas ela só estrearia nas tiras no ano seguinte. Por isso, nos tornamos irmãos latino-americanos para desbravar o mundo dos quadrinhos", recorda. Para o brasileiro, o companheiro de profissão era um dos maiores desenhistas do humor. "Quino vive agora mais forte dentro de nós", finaliza.

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Além de Maurício de Sousa, outros artistas também manifestaram seus sentimentos. André Dahmer, autor de "Malvados", lamenta: "Morreu um dos gigantes da minha profissão. Obrigado por tudo, Quino. Beberei uma taça por você hoje". Já a desenhista Laerte, por exemplo, compartilhou uma tirinha que havia publicado em 2014. A imagem, que mostra o rosto de Mafalda, indica a influência que a personagem teve. "Foi ela, merítissimo, que me levou a tudo isto. Quino, mestre!", indica o texto.

Joaquín Salvador Lavado Tejón faleceu na quarta-feira, 30, mas seu legado repercutirá por décadas. Em sua trajetória, idealizou o próprio universo. Neste lugar, o questionamento, a crítica, a reflexão e a mudança são possibilidades reais. Apenas as palavras de Mafalda, que transformou a comida que mais odiava em um xingamento, demonstram os sentimentos de quem conheceu Quino: "o mundo está uma sopa!" (Colaborou João Gabriel Tréz )

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