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Com imagens de diferentes épocas, "Antena da Raça" se afina com seus tempos
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João Gabriel Tréz é repórter de cultura do O POVO e filiado à Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine). É presidente do júri do Troféu Samburá, concedido pelo Vida&Arte e Fundação Demócrito Rocha no Cine Ceará. Em 2019, participou do Júri da Crítica do 13° For Rainbow.

João Gabriel Tréz arte e cultura

Com imagens de diferentes épocas, "Antena da Raça" se afina com seus tempos

| V&A VIU | "Antena da Raça" costura arquivos de programa de TV apresentado por Glauber Rocha nos anos de 1979 e 1980 com aspectos da história recente do Brasil
Tipo Opinião
Nascido em Vitória da Conquista (BA) em 1939, Glauber Rocha é um dos principais nomes do 
cinema brasileiro, tendo dirigido filmes como 'Terra em Transe' e 'Deus e o Diabo na Terra do Sol'
 (Foto: fotos reprodução)
Foto: fotos reprodução Nascido em Vitória da Conquista (BA) em 1939, Glauber Rocha é um dos principais nomes do cinema brasileiro, tendo dirigido filmes como 'Terra em Transe' e 'Deus e o Diabo na Terra do Sol'

Numa colagem intensa, variam entre si imagens dos rostos de intérpretes brasileiros como Sonia dos Humildes, Antônio Pitanga e Paulo Autran e registros jornalísticos ou amadores sobre temas como conflitos sociais e religião, bem como vozes em português e outras línguas que também dão conta de uma multiplicidade de temas. Uma voz desponta em meio aos ruídos e, finda a colagem, descobrimos que ela pertence ao cineasta baiano Glauber Rocha, que surge no plano segurando uma máscara de carnaval contra o rosto e atesta: "Boa noite, Brasil, aqui é o desmascaramento histórico. Eu queria, dentro de um tempo calmo e tranquilo, colocar um pouco de história didática dentro da televisão". É este o extravasante prólogo, por assim chamar, do longa documentário "Antena da Raça", de Paloma Rocha e Luis Abramo, que costura arquivos do programa de TV "Abertura", apresentado pelo cineasta em 1979 e 1980, filmes dirigidos por ele e reflexões sócio-políticas da história recente do Brasil.

Partindo dessa aproximação de tempos e imagens distintas, "Antena da Raça" propõe cruzamentos entre questões e provocações infladas pelo cineasta baiano em pleno contexto da Lei da Anistia, cenas de obras dirigidas por ele entre 1959 e 1980 e questões que perpassam a realidade brasileira recente, como o papel da resistência das esquerdas e a eleição do presidente Jair Bolsonaro. Termos e frases como "terrorismo cultural", "o que permitiu tudo isso foi o golpe", "qualquer censura intelectual é extremamente nociva" e "como é que a gente poderia organizar uma resistência maior?" estão no filme e chega a ser difícil discernir o que é de então e o que é de agora.

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Neste cerzimento temporal, o filme opta por construir-se de maneira pouco afeita à cronologias ou outros elementos mais tradicionais do gênero. Ainda que o que a obra elabore não seja exatamente inovador em termos formais, a tendência ao exercício ensaístico promove interessantes rimas entre os diferentes retalhos de períodos que constróem a colcha que é "Antena da Raça". Este trabalho estabelece relações de tempo circular quando o longa, além do apoio importante das imagens de arquivo, retoma no presente questões e pessoas registradas há 40 anos.

Desta feita, fica tanto evidente que muita coisa mudou quanto que muitas outras seguem as mesmas; história repetida como tragédia, farsa ou o que quer que exista entre elas. Essas interseções, vale ressaltar, se dão dentro da produção em si - a partir das decisões de montagem que ordenam imagens e discursos desconectados no tempo e estabelecem as rimas entre camadas distintas -, mas também a extrapolam, já que desenrolares posteriores à finalização da produção encontram "correspondentes" no que ela oferece.

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Reflexões importantes disparadas pelo longa estão nas imagens em si e suas organizações e elaborações. É possível pensar do papel da televisão nas construções de imaginários sociais e políticos ao longo da história do País - e, aqui, é bastante revelador o equilíbrio de ironia e seriedade com que Glauber professa que "Abertura" seria "um pouco de história didática" na TV - ao próprio fato de que o filme só é possível por conta de um trabalho de preservação e restauro audiovisual - o que se liga profundamente ao atual momento de descaso e desmonte do Governo Federal em relação (e não somente) ao patrimônio audiovisual. Na fricção entre elementos internos e entre estes e os externos ao filme, "Antena da Raça" ressoa e se afina intensamente com seus tempos.

Antena da Raça

Quando: disponível hoje, 15, a partir das 20 horas

Onde: na programação da 9ª edição do festival Olhar de Cinema

Quanto: R$ 5

Mais informações: www.olhardecinema.com.br/film/antena-da-raca/

 

Foto do João Gabriel Tréz

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