Com imagens de diferentes épocas, "Antena da Raça" se afina com seus tempos
João Gabriel Tréz é repórter de cultura do O POVO e filiado à Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine). É presidente do júri do Troféu Samburá, concedido pelo Vida&Arte e Fundação Demócrito Rocha no Cine Ceará. Em 2019, participou do Júri da Crítica do 13° For Rainbow.
Com imagens de diferentes épocas, "Antena da Raça" se afina com seus tempos
| V&A VIU | "Antena da Raça" costura arquivos de programa de TV apresentado por Glauber Rocha nos anos de 1979 e 1980 com aspectos da história recente do Brasil
Numa colagem intensa, variam entre si imagens dos rostos de intérpretes brasileiros como Sonia dos Humildes, Antônio Pitanga e Paulo Autran e registros jornalísticos ou amadores sobre temas como conflitos sociais e religião, bem como vozes em português e outras línguas que também dão conta de uma multiplicidade de temas. Uma voz desponta em meio aos ruídos e, finda a colagem, descobrimos que ela pertence ao cineasta baiano Glauber Rocha, que surge no plano segurando uma máscara de carnaval contra o rosto e atesta: "Boa noite, Brasil, aqui é o desmascaramento histórico. Eu queria, dentro de um tempo calmo e tranquilo, colocar um pouco de história didática dentro da televisão". É este o extravasante prólogo, por assim chamar, do longa documentário "Antena da Raça", de Paloma Rocha e Luis Abramo, que costura arquivos do programa de TV "Abertura", apresentado pelo cineasta em 1979 e 1980, filmes dirigidos por ele e reflexões sócio-políticas da história recente do Brasil.
Partindo dessa aproximação de tempos e imagens distintas, "Antena da Raça" propõe cruzamentos entre questões e provocações infladas pelo cineasta baiano em pleno contexto da Lei da Anistia, cenas de obras dirigidas por ele entre 1959 e 1980 e questões que perpassam a realidade brasileira recente, como o papel da resistência das esquerdas e a eleição do presidente Jair Bolsonaro. Termos e frases como "terrorismo cultural", "o que permitiu tudo isso foi o golpe", "qualquer censuraintelectual é extremamente nociva" e "como é que a gente poderia organizar uma resistência maior?" estão no filme e chega a ser difícil discernir o que é de então e o que é de agora.
Neste cerzimento temporal, o filme opta por construir-se de maneira pouco afeita à cronologias ou outros elementos mais tradicionais do gênero. Ainda que o que a obra elabore não seja exatamente inovador em termos formais, a tendência ao exercícioensaístico promove interessantes rimas entre os diferentes retalhos de períodos que constróem a colcha que é "Antena da Raça". Este trabalho estabelece relações de tempo circular quando o longa, além do apoio importante das imagens de arquivo, retoma no presente questõesepessoas registradas há 40 anos.
Desta feita, fica tanto evidente que muita coisa mudou quanto que muitas outras seguem as mesmas; história repetida como tragédia, farsa ou o que quer que exista entre elas. Essas interseções, vale ressaltar, se dão dentro da produção em si - a partir das decisões de montagem que ordenam imagens e discursos desconectados no tempo e estabelecem as rimas entre camadas distintas -, mas também a extrapolam, já que desenrolares posteriores à finalização da produção encontram "correspondentes" no que ela oferece.
Reflexões importantes disparadas pelo longa estão nas imagens em si e suas organizações e elaborações. É possível pensar do papel da televisão nas construções de imaginários sociais e políticos ao longo da história do País - e, aqui, é bastante revelador o equilíbrio de ironia e seriedade com que Glauber professa que "Abertura" seria "um pouco de história didática" na TV - ao próprio fato de que o filme só é possível por conta de um trabalho de preservação e restauro audiovisual - o que se liga profundamente ao atual momento de descaso e desmonte do Governo Federal em relação (e não somente) ao patrimônio audiovisual. Na fricção entre elementos internos e entre estes e os externos ao filme, "Antena da Raça" ressoa e se afina intensamente com seus tempos.
Antena da Raça
Quando: disponível hoje, 15, a partir das 20 horas
Onde: na programação da 9ª edição do festival Olhar de Cinema
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