Órgão consultivo da Agência de Desenvolvimento Econômico do Estado do Ceará (Adece), a Câmara Setorial do Audiovisual (CSA) ganha nova diretoria a partir de 2021: o roteirista e produtor George Frota assume a presidência no lugar da produtora Suzana Costa, que na nova composição assume a secretaria-geral, cargo ocupado anteriormente por ele. Já a vice-presidência, que hoje é de Doug de Paula, será ocupada pelo gerente-geral da Fundação Demócrito Rocha, do Canal FDR e âncora da rádio O POVO/CBN Marcos Tardin. Em entrevista ao V&A, Tardin aborda desafios para setor no atual contexto.
O POVO - Qual a relevância do papel da Câmara Setorial do Audiovisual para os processos do setor? De que formas você já tinha contato e acompanhamento das ações da CSA anteriormente?
Marcos Tardin - Acompanho o trabalho da Câmara Setorial do Audiovisual já há vários anos, inicialmente como representante da Associação Cearense de Emissoras de Rádio e TV (Acert). O convite para ingressar foi feito pelo então presidente da CSA Glauber Filho. Desde então já passaram pela presidência Marcelo Ikeda, Doug de Paula, Suzana Costa e, agora, George Frota. A CSA tem um papel importantíssimo e estratégico para um setor econômico de enorme capilaridade e impacto, mas ainda, infelizmente, pouco potencializado no Ceará. Como instrumento consultivo da Adece, e sendo composta por instituições públicas e privadas do setor audiovisual, a CSA tem como objetivo primordial a consolidação da sua função estratégica do ponto de vista da economia, principalmente na economia do século XXI. É a primeira câmara setorial no Brasil e há oito anos contribui para a consolidação das políticas públicas junto ao estado e município. A nova gestão, que sucede os dois mandatos da presidenta Suzana Costa, se propõe a dar continuidade a um trabalho em prol de centenas de empresas cearenses e milhares de empregos. A iniciativa privada, portanto. Um mercado tão rico, importante e variado não pode depender só das políticas públicas, embora elas sejam fundamentais.
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OP - A pandemia, naturalmente, impactou o setor do audiovisual, o que se somou à série de esvaziamentos de investimento e apoio à área pelo Governo Federal. Nessa conjuntura, que ações você vê como mais relevantes para o setor no momento?
Marcos Tardin - Um estudo divulgado na semana passada apontou que o audiovisual brasileiro gerou R$ 26,7 bilhões à economia do país em 2018. Foi um estudo da Agência Nacional do Cinema (Ancine) publicado no Observatório do Cinema e do Audiovisual, com dados relativos ao Valor Adicionado pelo Setor Audiovisual, entre 2015 e 2018. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o valor adicionado "refere-se ao valor que a atividade acrescenta aos bens e serviços consumidos no seu processo produtivo". O período entre 2015 e 2018 foi marcado por sucessivas quedas reais no produto gerado pelo Setor Audiovisual, acumulando uma queda de 23% no período. Mesmo assim, o audiovisual supera indústrias relevantes, como a farmacêutica, têxtil e de equipamentos eletrônicos. Apesar dos imensos desafios que a Cultura de um modo geral vem enfrentando desde o início do atual governo federal, ignorar a potência econômica da indústria criativa e em especial do audiovisual é inadmissível, obtuso. Sendo assim, a atual gestão da CSA tem como pautas prioritárias a efetiva implantação da Empresa de Cinema do Ceará - Ceará Filmes, a criação do Sindicato da Indústria Audiovisual e do Fórum de Produtoras Independentes, tornar realidade a Film Comission de Fortaleza (um bureau de negócios com o intuito de atrair produções audiovisuais para o município) e dar a devida dimensão à iniciativa Soul Ceará, focada na expansão de mercado da economia cearense e tendo o audiovisual como vetor prioritário. A Soul Ceará, especificamente, quer reunir diferentes setores da economia cearense em apoio a um programa voltado para a produção e difusão de conteúdo audiovisual (sejam série, filme, reality, documentário...) em diálogo e sinergia com diversos setores e produtos cearenses, a exemplo de moda, turismo, gastronomia, fruticultura, energia, tecnologia... Há muito o que ser feito.
OP - Um dos principais projetos referentes ao setor é a Ceará Filmes. De que formas a concretização dele pode impactar no setor?
Marcos Tardin - Tive a oportunidade de participar das primeiras conversas em torno da criação da Ceará Filmes, com o envolvimento direto do então secretário de governo Élcio Batista, de Wolney Oliveira, Rosemberg Cariry, Paulo Linhares, Doug de Paula, Bete Jaguaribe, Cyro Thomaz e tantos outros. A inspiração clara era a Spcine e não por acaso Alfredo Manevy foi convidado para essas conversas iniciais. A Spcine é uma empresa, iniciativa da Prefeitura de São Paulo, e atua como escritório de desenvolvimento, financiamento e implementação de programas e políticas para os setores de cinema, TV, games e novas mídias. Quando foi lançada, em maio de 2017, pelo governador Camilo Santana e pelo secretário Fabiano Piúba, a Ceará Filmes já tinha outro perfil, mais eclético, digamos assim. Apresentou-se como uma política pública para o fortalecimento dos arranjos criativos e produtivos do setor, dividido em sete eixos (Produção, Distribuição, Exibição, Preservação, Formação, Rede Institucional e Legislação). Chegou cercada de grande expectativa, com a promessa de investimento de quase R$ 60 milhões. Mas não dá para fugir da verdade de que foi uma decepção e praticamente nada mudou desde então. Não houve os avanços prometidos e esperados. Uma pena, claro, mas não adianta ficarmos nos lamentando. É preciso olhar para frente e construir o possível, dentro da realidade que nos cerca e sem deixar de sonhar com dias melhores. Concretizada, seja nos moldes inicialmente previstos ou da maneira como foi lançada, será um avanço e certamente terá impactos positivos. A questão, me parece, é se esse avanço será de alguns poucos metros ou de muitos quilômetros. Acho que qualquer pessoa dirá que preferiria ser de muitos quilômetros. Ocorre que a maneira de se medir essas distâncias não é exatamente uma unanimidade. Grandes avanços para uns, às vezes não passam de poucos passos para outros. O desafio, me parece, é pensar sempre no todo, no melhor para o mercado, hoje e nas próximas décadas.
OP - Com o tensionamento federal, a ação do Governo do Estado despontou como central para o setor, mas há uma série de questões com essa atuação, seja por falta de diálogo, burocracias dos processos ou a dependência que o ecossistema audiovisual tem da política de editais. Como avalia este cenário?
Marcos Tardin - George Frota me disse outro dia uma frase que achei lapidar. Algo como: "No Ceará, é de dar na canela a quantidade de profissionais e empresas capacitadas para construir uma ótima proposta de participação em edital. Mas vá tentar construir um plano de negócios..." Estamos, inegavelmente, habituados a uma dependência de políticas públicas e, particularmente, de editais. E somos muito bons em reclamar e nos lamentar quando esses editais não são lançados, fracassam ou são de valor muito abaixo do esperado. Editais são importantes sim e, lamentavelmente, o Ceará perdeu uma onda de apoio da Ancine (mais ou menos à época do lançamento da Ceará Filmes) que aportava até R$ 3 a cada R$ 1 que o governo do estado lançasse em editais. Muitas dezenas de milhões de reais poderiam ter irrigado a produção audiovisual independente do Ceará nos últimos anos, até o início do atual governo federal. Ficamos, quando muito, em iniciativas tímidas e inconclusas. Mas são águas passadas. Mais importante do que os editais, acredito, são as políticas públicas de estado e a maneira que o poder público encontra para apoiar e incentivar a iniciativa privada e mesmo o terceiro setor. De novo: há muito o que ser feito.
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OP - Levando em conta a sua atuação na Fundação Demócrito Rocha e no Canal FDR, como avalia a importância do papel que as emissoras públicas educativas e o próprio setor da educação têm junto ao audiovisual?
Marcos Tardin - A Fundação Demócrito Rocha, através do Canal FDR (anteriormente conhecido como TV O POVO), é única no Ceará e pioneira no Nordeste em várias iniciativas de incentivo à produção audiovisual independente. Só através do Fundo Setorial do Audiovisual são quase R$ 10 milhões sendo injetados na produção audiovisual independente, sendo 70% desse valor direcionado para produtoras cearenses. Além disso, valorizamos e damos todo o espaço e visibilidade possíveis à produção independente, porque acreditamos que esse é o caminho mais fértil para um ecossistema audiovisual (para reforçar a expressão que você utilizou há pouco) saudável, pujante e de qualidade técnica e criativa. Ganha o mercado audiovisual e ganham os nossos telespectadores, seguidores, curtidores, internautas... Como emissora pública educativa (um conceito que mereceria outra discussão), o Canal FDR enfrenta limitações na captação de recursos financeiros e arca com obrigações éticas sobre o conteúdo que oferece. São desafios que procuramos encarar como alavancas do nosso posicionamento. O compromisso do Canal FDR é com a educação e com a cultura, com as causas e projetos da Fundação Demócrito Rocha na promoção da transformação do indivíduo e do desenvolvimento social sustentável. Temos também esse compromisso público com a produção audiovisual independente. E estamos em busca de parceiros e apoiadores culturais que acreditem nessas mesmas causas e princípios. Se você, leitor ou leitora, é uma dessas pessoas, por favor nos procure.
OP - Cada um dos pontos abordados tem sua relevância, mas, num contexto geral, quais devem ser priorizados em um primeiro momento pela gestão que assume a partir de 2021?
Marcos Tardin - Se eu tivesse que apontar as duas prioridades máximas para essa nova gestão da Câmara Setorial do Audiovisual, em especial nos primeiros meses de atuação, diria que são a Soul Ceará e a criação do Sindicato da Indústria Audiovisual. Por uma razão de fundamento: são iniciativas com um olhar debruçado sobre o segundo setor e que me parecem perfeitamente identificadas com a própria razão de ser da Agência de Desenvolvimento Econômico do Estado do Ceará (Adece). Ceará Filmes e Film Comission são muito dependentes do primeiro setor (estadual no primeiro caso e municipal, no segundo). Um setor da economia tão forte como alegamos ser precisa caminhar com as próprias pernas, com, sem ou apesar das políticas de governo.