Um dos projetos aprovados no edital Prêmio Fomento Cultura e Arte do Ceará - Lei Aldir Blanc tem como instituição responsável a ONG Beatos - Base Educultural de Ação, Trabalho e Organização Social, que existe desde 2003. A ONG tem como uma das sócias-fundadoras Dane de Jade, coordenadora do Escritório Regional da Secretaria da Cultura do Ceará no Cariri e da Vila da Música, equipamento cultural no Crato. Desde 2012 fora do quadro da ONG, que é presidida por sua irmã, Teresa Cristina Bezerra de Oliveira, Dane nega irregularidades no processo. Secult analisará aspectos técnicos e jurídicos do caso.
Este edital é um dos instrumentos de execução do inciso III da Lei Aldir Blanc, voltado ao fomento da produção artístico-cultural no Estado, cujo texto prevê série de vedações e indeferimentos de participação de pessoas físicas e jurídicas que sejam ou tenham parentesco com "servidor público estadual e/ou terceirizado vinculado à Secult e a seus equipamentos culturais" ou "dirigentes de órgão ou entidade da Administração Pública de qualquer esfera governamental".
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As informações sobre os vínculos de Dane com a Secult e a ONG estão disponíveis na própria página da gestora no Mapa Cultural do Ceará, plataforma que reúne dados e informações sobre espaços, agentes e projetos do setor. O Vida&Arte contactou Dane de Jade na busca por explicações sobre as ligações e a aprovação do projeto. Ela afirma não compor o quadro da ONG desde 2012 e não ter vínculo de servidora estadual.
Segundo a gestora, a saída da ONG Beatos aconteceu quando ela entrou na vida pública como Secretária de Cultura do Crato entre 2013 a 2016. "Eu fundei, realmente, mas desde que assumi cargo público eu saí", afirmou. A ligação com a Beatos é "familiar"; o local que a organização ocupa é um sítio dos avós de Dane, como ela informa, e pela relação de proximidade afirma já ter prestado consultoria para a ONG, mas que isso não ocorreu no edital da Lei Aldir Blanc. "Eu não prestei consultoria nesse momento. Sempre faço, moro vizinha à Beatos, é um trabalho que eu estou sempre participando, mas não prestei consultoria dessa vez", atesta.
Dane afirma, ainda, não ser servidora pública de carreira ligada à Secult, mas sim contratada do Instituto Dragão do Mar (IDM). "Tenho um contrato com o Instituto Dragão do Mar, não é com a Secretaria da Cultura do Estado", disse. O IDM é uma organização social vinculada à Secult que gerencia equipamentos culturais do Estado. Sobre possíveis conflitos de interesse, ela afirmou que, de sua parte, não havia. "Agora, cabe ao Estado avaliar e dizer se sim ou se não, não sou eu que vou dizer isso", complementou, ressaltando que a ONG nunca pediu recursos ou fez convênios com o ente estadual.
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O V&A levou a situação à atenção da Secult em entrevista com o secretário Fabiano dos Santos Piúba e a secretária-adjunta Luisa Cela. O titular afirmou que o fato será analisado pelas áreas técnica e jurídica da secretaria e, "se houver qualquer irregularidade, (o projeto) pode vir a ser desclassificado". Piúba informou ainda que na última quinta, 10, o Conselho Estadual de Política Cultural do Ceará (CEPC) reconheceu em reunião uma disparidade de recursos que deveriam ser investidos entre Capital e Interior no edital e, por isso, já está prevista uma revisão dos resultados - que levará em conta agora, também, as apurações referentes do possível conflito de interesses estabelecido, incluindo análise do processo, de quem assina como responsável pela inscrição e de quem é o responsável legal da instituição. A corrigenda, segundo o secretário, sairia até segunda, 14. Até o fechamento dessa edição, ela não havia sido publicada.
Os representantes da pasta reforçaram a importância da formalização de denúncias do tipo na ouvidoria ou durante o período de recursos do edital. Questionados sobre as condições de recurso desta chamada específica - que teve o resultado preliminar divulgado na noite do dia 4, uma sexta-feira, fazendo com que o período de recursos, de dois dias corridos, se desenrolasse em pleno fim de semana -, reconheceram que a publicação às sextas "não é uma prática que a gente faz", como afirmou Luisa.
O contexto da "corrida contra o tempo" para executar a lei - a data estabelecida é 31 de dezembro, se não houver prorrogação - levou não só a este fato, mas à diminuição no tempo de recurso, que geralmente é de cinco dias. "É uma verdadeira corrida contra o tempo e a gente tendo que dar vazão a mil processos tramitando, para além da renda básica e de todas as outras questões que a secretaria tem", afirmou Luisa Cela. "Vamos checar e, se for o caso, tomar as medidas que são cabíveis para a gente não cometer nem algo que fere o edital, nem nenhum tipo de injustiça, porque precisamos aplicar a regra de forma equânime", reforçou.