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"Lembrem-Sy": multiartista movimenta a Cidade com seus processos criativos
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"Lembrem-Sy": multiartista movimenta a Cidade com seus processos criativos

Conheça Sy Gomes, artista visual, performer, cantora, compositora, produtora cultural e historiadora
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FORTALEZA, CE, BRASIL, 30.12.2020: V&A - multiartista Sy Gomes, artista visual, cantora, compositora, performer e produtora cultural. (Foto: Thais Mesquita/OPOVO) (Foto: Thais Mesquita)
Foto: Thais Mesquita FORTALEZA, CE, BRASIL, 30.12.2020: V&A - multiartista Sy Gomes, artista visual, cantora, compositora, performer e produtora cultural. (Foto: Thais Mesquita/OPOVO)

Suas narrativas nascem da compreensão estética por múltiplas lacunas. Ela é artista visual, performer, cantora, compositora, produtora cultural, historiadora... As reticências sugerem que há sempre um porvir. A palavra, talvez, não dê conta de todos os atravessamentos de Sy Gomes Barbosa, 21. Na tentativa de explicar, pode-se dizer que sua arte parte da conexão com as tramas da vida - vegetal, humana, espiritual, tecnológica. A essência está num processo contínuo: a elaboração de novos mundos. Numa dessas reinvenções, ela exclamou em outdoors pela Capital: "Procura-Sy", com referência ao próprio nome. Dando continuidade ao grito, o título propõe: "Lembrem-Sy".

Sy Gomes assim se define: "travesti, negra, cearense e aficionada por criar mundos". Com seus processos criativos, tem movimentado a Cidade. O projeto "Me Vejam de Longe - Outdoor Travesti" reverberou, a céu aberto, a memória travesti no Estado do Ceará. Cada um dos cinco outdoors cor de rosa carregava frases (diagramadas pela artista Ella Monstra). Dentre elas: "Procura-sy travestis vivas no estado do Ceará"; "Procura-sy homem trans que abra as portas de um novo mundo"; "Procura-sy travesti viva que com sementes crie um jardim"; e "A cada travesti viva, cria-sy um novo mundo".

Em dezembro de 2020, quem passou pelas avenidas Washington Soares, Godofredo Maciel, Bernardo Miguel, Visconde do Rio Branco e pela rua Dr. José Lourenço pôde contemplar as obras. Trata-se da terceira fase do "Panfletário Sy" (2019), em que a artista propõe um diálogo entre a técnica do lambe-lambe e o espaço público. Num momento em que a instrução é ficar em casa devido à pandemia, Sy escolheu os outdoors, por serem "o que há de mais efêmero e urbano". Tais painéis são trocados rapidamente e, na velocidade do cotidiano, têm um tempo curto de percepção. De certa forma, a potência da reflexão continua na lembrança de quem os viu.

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A multiartista apresenta a obra "Centro de Gravidade" no 71º Salão de Abril, principal salão de artes do Ceará. O trabalho, em exposição no Centro Cultural Casa do Barão de Camocim, consiste numa videoarte performativa. Em isolamento, ela indagou a algumas pessoas por meios virtuais: "quantas vezes o seu centro de gravidade mudou? Em números". Sy cria um ritual de perguntas em língua portuguesa e respostas em dados numéricos.

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Formada em História pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e integrante do Laboratório de Artes Visuais do Porto Iracema das Artes, Sy dedica-se à pesquisa e à produção por meio da afirmação "travestis são como plantas". "Exploro a ideia de cultivar lugares de vida e existência", diz. Nesta caminhada, desbrava "ecossistemas potentes". A artista quer "fazer brotar", com narrativas que misturam ancestralidade e um novo futuro.

FORTALEZA, CE, BRASIL, 30.12.2020: V&A - multiartista Sy Gomes, artista visual, cantora, compositora, performer e produtora cultural. (Foto: Thais Mesquita/OPOVO)
FORTALEZA, CE, BRASIL, 30.12.2020: V&A - multiartista Sy Gomes, artista visual, cantora, compositora, performer e produtora cultural. (Foto: Thais Mesquita/OPOVO) (Foto: Thais Mesquita)

Ela dialoga com estéticas macumbeiras, pois sua arte está ligada à reelaboração da vida. A observação da natureza está intrínseca à sua existência. Nasceu e cresceu ao lado do rio Rio Coaçu, no Eusébio, encontrando arte em tudo quanto era lugar. Um dos primeiros territórios foi a igreja do seu bairro, o Cauassu. Com a sua comunidade, participou de peças de teatro e do ministério de música. Aos poucos, Sy percorreu outros processos, como a entrada na universidade e a vivência travesti, para se entender enquanto artista e sujeita no mundo.

Sua avó Joana, curandeira, também faz parte dessa relação com um movimento de vida. Ela ensinou à Sy sobre o tempo, as plantas e as pedras. Contou histórias passadas por gerações. Por isso, para a artista, é preciso restabelecer a conexão interespécies. "Se essa interação quebra por algum fator, afeta todo o ecossistema. Para mim, existe uma conexão profunda entre as travestis e as plantas. A possibilidade de se conectar com as raízes do invisível… Ambas são constantemente levadas ao campo da morte… Esse retorno pode conter a resposta da vida nos próximos anos", anuncia Sy.

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Para a instalação "Cultivarei um lugar" (2019), por exemplo, Sy utilizou terra, estrume, água e solução hidropônica (técnica de nutrição) para germinar sementes de feijão em um aquário. No objeto de vidro, rabiscos com tinta acrílica vermelha. O que se via no espaço do Porto Dragão eram plantas nascendo e rasgando aplicações de um laudo de "transtorno de identidade de gênero", desenhos e receitas médicas em papel manteiga.

A inspiração advém da performance “O Jardim” (2015), na qual a mineira Rubiane Maia cultiva feijões - oito horas por dia em silêncio - até se tornarem plantas com flores e vagens. A obra integrou a exposição “Terra Comunal – Marina Abramovi + MAI”, realizada no Sesc Pompeia.

Em “Como fazer essa semente brotar?” (2020), ação performativa realizada na Vila das Artes, Sy transmutou seu corpo em semente. Com o pilão da sua avó, incorporou uma germinação entre folhas de erva cidreira, pó de feijão pilado e óleo de coco. Áudio com dons de cachoeira, pássaros e outros elementos acompanham a performance. A voz de Sy também pôde ser ouvida, com reflexões sobre a identidade travesti e o sagrado. Confira registro em vídeo:

Dentre tantos outros trabalhos, a multiartista criou o projeto "Synestesya", instalação artística multimídia de música, vibrações e vídeo mapping (projeções). Integrou a banda Noodles, co-criou e produziu a Festa Gárgula (de performances e exposições). Hoje, vê a música como parte do seu processo em artes visuais. Nesse desenvolvimento artístico, destaca a força de Exu, os saberes dos povos de santo e os originários, a vivência com pessoas trans e a própria formação em História.

De acordo com Sy, é preciso pensar a arte enquanto profissão. "Se não tivermos acesso à remuneração para nos tirar da precariedade, nunca chegaremos num local de crédito do nosso processo". E afirma: "A arte anda junto comigo enquanto travesti".

 

Acompanhe Sy Gomes

Instagram: @synestesyaa

Mais info: www.linktree.com.br/synestesya

 

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