Cuca, Iara, Saci-pererê, Boto-cor-de-rosa… E se os seres fantásticos do folclore brasileiro estão entre nós? A partir dessa questão, o diretor Carlos Saldanha apresenta "Cidade Invisível", nova série brasileira da Netflix. Na trama, essas imagens e narrativas folclóricas encontram-se por aí, permeando o real, entre humanos no Rio de Janeiro. Ao descobrir as entidades, um policial ambiental se dá conta de diversos conflitos. Em sete episódios, a obra rememora a cultura popular do Brasil e aborda preservação do meio ambiente, investigação policial, drama familiar e autoconhecimento numa mistura de mistério e fantasia. Com Marco Pigossi, Alessandra Negrini e Jéssica Córes no elenco, a produção estreia dia 5 de fevereiro.
"Se você parar de contar essas histórias, elas morrem", disse Carlos Saldanha, criador e coprodutor executivo da série, ao O POVO durante coletiva de imprensa virtual realizada na última terça-feira, 26. A ideia é trazer a brasilidade de uma forma contemporânea. Tais histórias, parte da identidade do País, integram o imaginário coletivo da cultura nacional. "Cidade Invisível" seria a sua interpretação dessas narrativas. Trata-se do primeiro projeto em live-action completamente brasileiro do diretor, conhecido por "A Era do Gelo", "Rio" e o indicado ao Oscar de melhor animação "O Touro Ferdinando".
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Segundo Carlos Saldanha, a extensão territorial do País faz com que essas histórias sejam inúmeras. Não existe apenas um saci ou um boto, mas, sim, vários - "E tudo tem uma questão ambiental, emocional", afirma. Por ser um projeto tão diferente, o diretor não consegue pensar nas expectativas, mas considera: "Quis fazer algo que eu gostasse de ver". Gravada em 2019, a produção é inspirada numa história de Carolina Munhóz e Raphael Draccon - autores conhecidos pela literatura de fantasia -, que já trabalharam com a Netflix na série "O Escolhido".
O projeto foi desenvolvido em cada detalhe por Saldanha, que viu na série algo novo e único. Com "a roupagem diferente", sentiu ter "um trunfo na mão". "A Netflix comprou a ideia", comenta. Esses personagens da cultura popular brasileira serão apresentados, portanto, aos mais de 190 países em que o serviço de transmissão atua. Com Mirna Nogueira como roteirista-chefe, a direção ficou por conta de Júlia Jordão e Luis Carone.
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Sobre processos
O processo de realização da série foi pautado pela coletividade, num "set mágico", afirmam as atrizes Alessandra Negrini e Jéssica Córes e o ator Marco Pigossi, que participaram da coletiva virtual da série. Além deles, "Cidade Invisível" tem Julia Konrad, Manu Diegues, Fábio Lago, Wesley Guimarães, José Dumont, Victor Sparapane e Áurea Maranhão no elenco.
"Apesar de a gente já ter as referências do folclore, é um universo novo, porque tá num ambiente urbano. Essas entidades estão meio perdidas, meio marginais na Cidade. Eu acho sensacional essa releitura", afirma Alessandra Negrini, a Inês, misteriosa dona de um bar e uma das entidades mais poderosas da série: a Cuca. "Estou acreditando que é uma história universal, que nosso íntimo possa ser reconhecido universalmente", completa.
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"Eu acho genial o Saldanha trazer esses elementos novos e repaginar, principalmente. No caso, a sereia, que é a minha personagem Camila, a Iara, essa figura das águas. É uma sereia preta e a gente não está acostumado a ter uma entidade como essa uma mulher preta", aponta Jéssica Córes, que interpreta a figura mítica da sereia Iara.
"Meu personagem não está no mundo místico, então a pesquisa foi muito mais envolta do que é ser um policial ambiental, da relação com a natureza, a esposa e a filha. O Eric é o que liga o cotidiano ao místico", completa Marco Pigossi, que dá vida ao policial ambiental Eric.
Os seres fantásticos
As narrativas dos seres folclóricos foram apropriadas para obras de diversas linguagens, como a série de livros "Sítio do Picapau Amarelo", publicada pelo escritor Monteiro Lobato entre 1920 e 1947. Com enredos do Saci e de seus amigos, a coleção foi adaptada para a televisão em 2001. Ao O POVO, o escritor, jornalista, geógrafo e contador de causos Mouzar Benedito comenta sobre alguns personagens do folclore brasileiro. Sócio-fundador da Sociedade dos Observadores de Saci (Sosaci), Mouzar escreveu diversos livros sobre o tema. Dentre as obras, a coleção infantojuvenil "Mitologia Brasílica", com histórias brasileiras e as ressignificadas de outros países.
Cuca
Da Península Ibérica, região do Sudoeste da Europa, a Cuca é retratada originalmente como uma bruxa que assusta pessoas, especialmente crianças. Em alguns lugares de Portugal, no entanto, ela aparece como um dragão. Aqui, a Cuca foi explorada nos programas de televisão como um Jacaré. Muito disso se dá porque, no livro "O Saci" (1921), Lobato a descreve como uma velha com aparência desse réptil.
Saci
Mito mais conhecido do Brasil, o Saci pode ser assim assimilado: um menino negro, travesso, que tem uma perna só, fuma cachimbo e usa um gorro vermelho - mágico - na cabeça. De acordo com os povos indígenas guarani, o personagem era um curumim, um deus menor que ajudava pessoas perdidas a saírem da mata.
Ao explorarem o Brasil, os portugueses o transformaram em "demônio" como parte da dominação cultural. Quando milhares de pessoas foram trazidas à força da África, o menino passou a ser preto, atrelando uma demarcação de inferioridade - na visão dos colonizadores - pela cor da pele. Quando encurralados pelos senhores por algum erro ou rebelião, passaram a dizer: "foi o Saci". A lenda perdeu a perna, ganhou um cachimbo e, posteriormente, um gorro (típico da cultura europeia).
Iara
Por aqui, existia o Ipupiara (do tupi), criatura que vivia na água e atacava homens. Ao chegarem no Brasil, os portugueses identificaram o mito como se fosse uma sereia. Entretanto, na cultura indígena, não existe palácio, por exemplo. A partir desse encontro, surgiu a sedutora Iara, uma mulher com calda de peixe, descrita em muitas versões com o cabelo verde. Encanta homens com seu canto hipnotizante e os leva para o fundo do mar.
Boto-cor-de-rosa
Na região da Amazônia, as lendas narram que o boto tucuxi - espécie de golfinho - se transforma à noite em um homem sedutor, que dança bem e encanta qualquer mulher. Apresentado em muitas histórias também como o boto-cor-de-rosa, mantém seu respirador - o espiráculo, um buraco no topo da cabeça - na sua versão humana. Por isso, está sempre de chapéu. Quando mulheres solteiras engravidavam, contam-se as histórias que era o encantamento com o boto.
Estreia da série "Cidade Invisível"
Quando: sexta-feira, 5
Onde: Netflix