Eis que a noite findou. A voz de Maria Bethânia cantando "Onde Estará o meu amor?" ganhou um novo sentido desde novembro de 2019, quando passou a embalar a busca de Lurdes (Regina Casé) pelo seu filho, o quase mítico Domênico. Nesta última semana da novela "Amor de Mãe", que chega ao fim hoje após ser interrompida pela pandemia de Covid-19 em março de 2020, os espectadores puderam, enfim, assistir ao reencontro da empregada doméstica com o filho. O menino havia sido comprado por Thelma (Adriana Esteves) e passou a atender por Danilo (Chay Suede).
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A cena do reencontro foi carregada de emoção e de atuações excelentes, numa sintonia de construção de personagem até rara dentro da estrutura da televisão brasileira. Diferentemente de séries com longas temporadas, nas quais os atores encarnam seus personagens por anos, as novelas costumam durar até oito meses na atual conjuntura da TV Globo, chefiada por Silvio de Abreu. Por conta da pandemia (tema incorporado na trama de Manuela Dias), os atores puderam "marinar" suas personas por muito tempo. Regina conhece Lurdes como ninguém, ambas estão juntas desde 2019. E, na cena do reencontro, o corpo da atriz, em cada movimento vacilante de alegria, revelava essa compreensão da personagem.
A história definitivamente não foi linear. O público pôde acompanhar uma verdadeira montanha-russa de momentos marcantes seguidos por cenas nada críveis. Especialmente na reta final, muitas ações dos personagens quebraram o pacto construído com o espectador. A morte do advogado Lucas (Nando Brandão) é um exemplo. O personagem praticamente se jogou para ser atingido pela pistoleira Penha (Clarissa Pinheiro). Outra cena difícil de engolir foi a inteligentíssima Vitória Amorim (Taís Araújo) invadindo sozinha o cativeiro do vilão Álvaro (Irandhir Santos).
Falando do Álvaro, no início do folhetim, o diretor artístico José Luiz Villamarim chegou a dizer que a narrativa não teria vilões. O que, na verdade, era uma grande pegadinha. A novela tem violões, sim, e dos bons. Os antagonistas fizeram importante frente à narrativa principal da mãe procurando o filho. Destaco aqui, além da já citada Penha, a Leila (Arieta Corrêa), as duas personagens más e carismáticas. Elas terem formado casal no fim da história foi um acerto enorme para a trajetória vivida por essas duas atrizes pouco conhecidas na TV. A trajetória da Penha é uma das mais ricas da novela: de empregada doméstica de dondoca à chefe do crime no bairro do Passeio.
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Uma baixa nessa reta final também foi o desenvolvimento apressado de alguns romances, com o do Davi (Vladimir Brichta) e Érica (Nanda Costa). A novela, inclusive, se consolidou como um grande troca-troca de casais, que, em alguns momentos, misturou os parentescos entre os apaixonados.
Apesar dos tropeços narrativos da fase final, a trama entra para a história da teledramaturgia como uma novela cheia de emoção em enredos que não subestimaram o público. Manuela sabe construir um universo central muito coeso em torno dos seus personagens - como fez na série "Justiça" (2016) - e, assim, criou boas viradas no horário nobre. Na contramão de histórias que possuem um núcleo cômico apartado do andamento do todo, a autora colocou o cômico mesclado ao drama, à aventura e às importantes pautas tratadas (educação e meio ambiente). Entre subidas e descidas, "Amor de Mãe" definitivamente mexeu com o público.