"Como dançarino, poeta, artista e rapper, é muito importante sempre estar em mutação, se inovando, buscando fazer a coisa certa, seguindo o caminho do bem", ensina Eduardo Africano. O jovem de 26 anos, morador do bairro Mondubim, em Fortaleza, traz consigo uma grandiosa história de vida baseada na troca, na escuta e na arte. Bboy e educador social do Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo, passou a escrever poesias inspirado nas vivências dos adolescentes com quem conviveu nos centros. Reunindo reflexões, histórias e pensamentos das trajetórias deles e também da própria, escreveu o livro "Ultrapassando as grades e vendo além dos muros".
O contato inicial com a arte, relata, veio na adolescência, através da capoeira. Foi ela que o levou ao hip hop. "Me apaixonei e tô até hoje praticando", divide em entrevista ao Vida&Arte. Foi justamente a dança que teve papel essencial numa fase delicada para Eduardo.
Em um ambiente familiar complexo, acabou saindo de casa, deixou de estudar e passou a viver nas ruas. Foi pela dança que conseguiu sobreviver. "Quando saí de casa, já estava viajando pra outros estados pra competir. Com esse contato que tive com a dança e as pessoas que dançavam, absorvia os ensinamentos que elas me passavam", relata.
Entre os aprendizados, descobriu que dançar nos semáforos e apresentar-se na orla poderiam ser possibilidades para conseguir se manter. Além da subsistência, a arte teve papel mais subjetivo, também. "A dança era a única coisa que me mantinha com autoestima pra continuar caminhando mesmo sem força", divide.
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O próximo passo da vida de Eduardo também veio pela dança: foi numa performance de break na orla da Beira Mar que conheceu o então coordenador do Centro Socioeducativo do Canindezinho, Roberto Bassan. Foi ele que veio a convidar Eduardo para atuar como educador social do centro, dando aulas de hip hop.
O convite foi aceito e as trocas com os adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas, conta Eduardo, foram essenciais para ele. "Eles foram a minha salvação. A partir do momento que comecei a trocar ideia e a conviver com eles, via que a gente tem muito o que falar, mas ninguém quer escutar", atesta.
Na época do início do trabalho no sistema, o artista não havia concluído o ensino médio e isso acabou impossibilitando a permanência. O entrave, então, o motivou a retomar os estudos. "Naquele momento de dificuldade eu poderia ter desistido de tudo, mas não, fui atrás. Eu precisava dos adolescentes e eles precisavam de mim".
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Com a formação concluída, retomou o trabalho, indo para o Centro Socioeducativo São Francisco. Lá, encampou com mais três amigos a criação do coletivo "Bota a Mente Pra Pensar" e, depois, foi promovido para trabalhar diretamente na Superintendência do Sistema Estadual de Aten
dimento Socioeducativo (Seas).
"Eles (adolescentes em medidas socioeducativas) se viram e dizem 'professor, posso ser que nem o senhor? Dançar break e viajar o mundo?'. Falo 'sim, mano, você pode, pode ser o que você quiser!'", estimula, avisando: "Mas nada vai ser fácil. Nada foi fácil pra mim. A gente sabe que é um caminho muito árduo pra quem não tem outros horizontes apresentados, outros caminhos", reflete Eduardo.
Ser espelho para os jovens dos centros, o artista define, é "um papel desafiador, mas também muito importante e significativo". A recíproca é também verdadeira, uma vez que o artista começou a escrever poesia a partir da relação com eles.
"Quando você tá lá dentro, eles contam muita história. A partir do momento que comecei a escutar aquilo tudo, absorvendo muita coisa, comecei a escrever poesia. Porque eles me motivaram. Sou poeta e escritor por conta deles", sustenta. O livro que lançou é fruto dessa troca. "Assumi a responsabilidade de ser o porta-voz deles", define Eduardo.
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Entre outras referências, cita o poeta Sérgio Vaz, o humorista Thiago Ventura, Emicida, Dexter, MV Bill, Racionais, Facção Central e o grupo de dança do qual faz parte, Sul Clan. Eduardo lista as inspirações sem titubear: "A vida, a realidade, o que a gente passa, o que a gente vive".
Destaca como inspiração, ainda, a mãe e também Iver Pinheiro, companheira, "grande mentora" e parceira na concretização da marca de roupas Onijo, criada pelo casal na intenção de ofertar moda autoral e acessível.
Cada caminho e cada ação trilhadas por Eduardo testemunham sobre o processo de transformação experimentado pelo jovem, que credita a trajetória à influência da arte. "Ela é apresentada pra gente como algo negativo, mas quando comecei a absorver e desfrutar dela, falei: 'Como é negativa se é isso que me dá força pra continuar vivo?'. Falo que não acreditava em transformações até ser uma, porque antigamente não me via como um espelho pra outra pessoa. A partir do momento que consegui ser espelho, primeiramente, pra mim, fui transformado", destrincha.
Ultrapassando as grades e vendo além dos muros
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Siga o artista: @eduardo.africano
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