No dia 23 de janeiro deste 2021, a charge do jornal O POVO trazia a ilustração da bandeira nacional, com desenho de um grupo de bois atravessando a faixa no espaço que originalmente diz ‘ordem e progresso’. Acima da bandeira havia escrito ‘passando a boiada’. A charge, como de costume, foi publicada nas redes sociais do jornal. Mas neste dia, polemizou mais do que em todos os outros do ano - até agora. No Instagram, repercutiu com mais de 31 mil curtidas, mais de 3 mil compartilhamentos e 6.421 comentários. Grande parte desses comentários acusava o jornal de desrespeitar a bandeira do Brasil e alguns até continham ameaça de processo judicial.
Veja especial | Humor e crítica: a charge sob ataque
Os traços das charges veiculadas todos os dias no jornal em suas edições impressa e online vêm carregados de conteúdos socialmente relevantes. Da política ao esporte, do regional ao mundial, mas todas atuais, nas leitura de cenários presentes, da factualidade. Trazem temas que agregam a discussão acerca de determinado assunto e dizem muito, sem necessariamente usar sequer uma palavra. De origem francesa (charger), a palavra significa carga, no sentido de carregar ou exagerar.
“A charge é um texto opinativo artístico autoral que tem a função de representar graficamente determinado fato político social, onde o chargista pode supor, ousar, metaforizar, ridicularizar certas situações”, explica o jornalista e chargista Clayton Rebouças. Hoje com 61 anos, Clayton, como assina nas charges, trabalha profissionalmente desde os 15 anos de idade e, em 1996, passou a desenhar diariamente a charge do O POVO, onde atua até hoje.
Por trás do humor revestido de crítica social, a ilustração tem ainda toda a seriedade e objetividade características do jornalismo. Esse gênero textual é opinativo e apesar de não ser apenas sobre política, esse é o tema majoritariamente encontrado nas charges. “Geralmente procuro abordar aqueles fatos mais relevantes. Assuntos políticos, econômicos, futebol, problemas sociais, notícias em destaque no dia, que geralmente estão nas primeiras páginas dos grandes jornais. Mas na grande maioria das vezes a charge tem como enfoque principal a política”, observa Clayton.
Clayton foi o autor da charge da boiada na bandeira do Brasil, que repercutiu no Instagram do O POVO. Alguns comentários alegaram, inclusive, que a ilustração era crime contra o símbolo nacional. O chargista explica que o tema abordado naquele dia 23 de janeiro, veio de uma notícia do Observatório do Clima, que informava que o orçamento do Meio Ambiente era o menor em 21 anos.
“Usei a bandeira com o gado passando, fazendo uma analogia com a frase dita na famosa reunião ministerial pelo ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles defendendo: ‘passar a boiada e mudar regras enquanto a mídia estava com atenção voltada para a pandemia’. A maioria das queixas sobre a publicação da charge alegava falta de respeito com a bandeira nacional. No meu entendimento, meras desculpas, na verdade o incômodo era pelo uso do símbolo ‘gado’ onde muitos dos reclamantes se identificaram e não ficaram satisfeitos com a comparação na visão deles. Quando na charge o 'gado' se referia a frase do ministro Ricardo Salles”, lembra Clayton. E conclui: “Já publiquei diversas charges com a bandeira nacional e nunca houve incômodo por parte dos leitores”.
A charge é um gênero textual comumente presente em jornais e revistas, que teve origem antes mesmo do surgimento da imprensa e ganhou outra proporção ao se tornar parte de narrativas jornalísticas. “As charges são mais do que gracejos gráficos permeados pelo humor e por uma fina ironia. São representações que podem ser usadas para denunciar e criticar as mais diversas situações do cotidiano relacionadas com a política e a sociedade, onde se busca através do gancho de humor provocar não só o riso, mas também a reflexão do leitor”, conta o chargista do O POVO.