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Desmonte na Cultura: governo Bolsonaro reduz orçamento e sufoca setor
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Desmonte na Cultura: governo Bolsonaro reduz orçamento e sufoca setor

Ao rebaixar a pasta de Cultura e paralisá-la por meio de péssimas gestões, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) prejudica setor econômico estratégico para o desenvolvimento sustentável do País
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capa Bolsonaro  (Foto: FOTOS DE DIVULGAÇÃO COM COLAGEM DE ISAC BERNARDO)
Foto: FOTOS DE DIVULGAÇÃO COM COLAGEM DE ISAC BERNARDO capa Bolsonaro

Em apenas 17 meses do primeiro mandato, a Secretaria Especial de Cultura teve cinco secretários diferentes - o último sendo o ator Mário Frias, no comando da pasta desde 19 de junho de 2020. A mudança constante de gestores, incluindo os órgãos vinculados, virou marca da Cultura no governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

A prática, unida aos cortes paulatinos de recursos, caracteriza um projeto de desmonte da Cultura pelo atual governo. "Nós temos ausências e autoritarismos [na tradição cultural brasileira]. Esse governo atual já destruiu o Ministério da Cultura, criando-se uma Secretaria Especial de Cultura, subordinada. Primeiro, ao Ministério da Cidadania, depois o Ministério do Turismo e nós já tivemos cinco secretários de cultura desses dois anos de Governo. É a nova tradição na instabilidade. Então nós retrocedemos imensamente, essas tristes tradições voltaram com todo vigor", analisa Antônio Albino Rubim, professor e doutor em Políticas Culturais.

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"Está muito claro que o desenvolvimento do Brasil, a partir da cultura, não é uma das prioridades desse atual Governo. E as pessoas que hoje fazem a gestão da Cultura também não têm protagonismo dentro do Governo, não conhecem a área, não a defendem", analisa Henilton Menezes, ex-secretário de Fomento e Incentivo à Cultura do Ministério da Cultura (2010-2013).

Segundo Henilton, o rebaixamento da Cultura de ministério para secretaria inviabiliza a captação de recursos para o setor. Afinal, a participação dela em reuniões ministeriais passa a depender da vontade política do Ministério do Turismo. Além disso, a coadjuvância dos secretários impede que as demandas culturais sejam defendidas e postas em posição de urgência.

De acordo com o Atlas Econômico da Cultura Brasileira (2017), o setor cultural representava cerca de 4% do Produto Interno Bruno (PIB) anual brasileiro em 2010. Em 2008, o Banco Mundial já tinha indicado a cadeia produtiva da cultura como responsável por 7% do PIB mundial. Até 2018, os indicadores eram similares: no Brasil, a Cultura representava de 1% a 4% do PIB.

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O setor empregava mais de 5 milhões de pessoas, formais e informais em 2018 - o equivalente a 5,7% dos ocupados no País. Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua).

Tudo apontava a Cultura como ponto estratégico para o desenvolvimento sustentável do País, gerando emprego e renda em diversos setores, especialmente o turístico e o comercial.

Enquanto a queda orçamentária ocorre paulatinamente, a fragilidade das gestões toma as rédeas do desmonte. "Para desmantelar uma política de cultura, você desmantela o coração das suas grandes instituições. Você não consegue retirar os profissionais concursados, mas aí você pode tirar as cabeças", descreve Cláudia Leitão, ex-secretária de Cultura do Ceará (2003-2006) e consultora em Economia Criativa.

Na Secretaria Nacional de Fomento e Incentivo à Cultura, por exemplo, colocou-se como gestor o capitão da Polícia Militar da Bahia André Porciuncula Alay Esteves. Uma das responsabilidades da pasta é a aprovação de projetos para captação de recursos pela Lei Rouanet (nº 8.313/1991), principal lei federal de incentivo à cultura. Até 2020, a seleção dos projetos passava pelo aval técnico da Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC).

No entanto, o CNIC foi descontinuado em 2021, colocando nas mãos do PM André Porciuncula todo o peso da escolha. "Essas pessoas, na verdade, vão servir aos interesses das bancadas que seguram o Governo Bolsonaro, como a bancada da bala", frisa Leitão.

Os processos administrativos dentro dos órgãos vinculados à Secretaria Especial de Cultura também são prejudicados. Em meados de 2020, associações de servidores públicos da Cultura lançaram um relatório sobre o assédio institucional nas instituições culturais federais, que aponta a prática como "sistemática" do Governo Bolsonaro. Na definição do documento: "Assédio institucional é um conjunto de discursos e posicionamentos públicos, bem como imposições normativas e administrativas, diretas ou indiretas, por dirigentes e gestores públicos em posições hierárquicas superiores". Implicam em recorrentes ameaças, cerceamentos, constrangimentos, desautorizações, desqualificações e deslegitimações acerca de organizações públicas e suas missões institucionais e funções precípuas".

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O parecer traz relatos anônimos de alguns servidores. Neles, os funcionários comentam como a mudança constante de gestores, a impossibilidade de diálogo com eles, o corte abrupto de recursos e a censura prejudicam o fluxo operacional dos órgãos.

Outra consequência é o enfraquecimento das iniciativas de desenvolvimento sustentável do País. Exemplo é a Secretaria da Economia Criativa, criada no governo de Dilma Rousseff, e agora chamada de Secretaria Nacional da Economia Criativa e Diversidade Cultural (Secdec).

A função da pasta é estimular a elaboração de políticas públicas para o desenvolvimento da economia criativa brasileira, retratada em todo negócio que gere valor econômico por meio de capital intelectual, cultural e criativo. "Era hora de o Brasil ter uma política de economia criativa para empreendedores, para os micro, pequenos e médios empreendedores. O Brasil é um país de serviço e é um país de pequenos empreendedores. Essa é a realidade", diz Cláudia Leitão, primeira secretária de Economia Criativa do Brasil.

Já o Iphan e a Agência Nacional de Cinema (Ancine) são dois institutos inviabilizados pelo Governo Bolsonaro, assim como a Fundação Palmares. Enquanto os dois primeiros mal conseguem mudar o quadro de funcionários ou captar recursos, o terceiro foi subjugado ao comando de Sérgio Camargo - que define o movimento negro como "escória maldita".

O POVO entrou em contato com a Secretaria Especial de Cultura três vezes para entrevistar o secretário especial Mario Frias, mas não obteve retorno. (Colaborou Thays Lavor)

 

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