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Nosso Papel é Arte: Cecilia Bichucher apresenta obra "À sombra do cajueiro"
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Nosso Papel é Arte: Cecilia Bichucher apresenta obra "À sombra do cajueiro"

Obra da artista visual estampa a sobrecapa da edição de hoje do O POVO para o projeto Nosso Papel é Arte
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"Desenvolvo uma poética tanto com imagens como com  palavras", descreve-se a artista visual Cecilia Bichucher
 (Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação "Desenvolvo uma poética tanto com imagens como com palavras", descreve-se a artista visual Cecilia Bichucher

À beira de um cajueiro, em plena luz do dia, Cecilia Castellini Bichucher repousa atenta ao tempo, ao mundo porvir que se anuncia agora. Entre os dedos finos e ágeis, enlaça o pincel para compor afluentes de águas e tintas; borda uma letra na outra e escreve poemas; costura com as linhas da vida. Destino, coisa feita, encanto — quem conhece os mistérios da criação? —, Cecilia rebentou ao mundo com asa no pé e corpo afeito à arte. Artista visual nascida na São Paulo de 1967, aportou em Fortaleza em 1989 e no Ceará criou filhos, raízes, trabalhos, pesquisas. Na sombra farta da árvore que mora em seu jardim, Cecilia encontra formas de voltar para casa.

Cecilia Bichucher é bacharel em Artes Plásticas com especialização em pintura pela Parsons School of Design de Nova York (1985 a 1989) e em licenciatura em Artes Plásticas (1986 a 1989) no Bank Street College. Desde 1991, a artista realiza exposições individuais e coletivas — entre elas, em salões e mostras como Bienal Internacional de Grabado y Arte Impresso en Pequeño Formato, Ceará Pinta Paris e Salão de Abril. Aquarela, colagem, gravura, bordado e poesia são técnicas e linguagens que integram a criação artística da paulista radicada na capital cearense.

"Não me lembro do tempo em que a arte não fazia parte da minha vida", compartilha Cecília. Filha de pai italiano nascido em Milão e de mãe descendente de turinenses, a artista visual cresceu numa família apaixonada por múltiplas culturas. "Nós éramos os netos brasileiros do meu avô, então quando nós o visitávamos, ele nos mostrava as coisas belas da Itália quase como uma educação. Pequenininha, visitava museus e achava tudo aquilo maravilhoso. Não era uma educação direta, mas era uma família interessada em artes. O papai, certa vez, comprou ingresso para todo mundo ver a "Ópera do Malandro". A gente tinha convívio com arte em casa", rememora.

Obra da artista Cecilia Bichucher estampa sobrecapa do O POVO neste sábado, 2 de outubro
Obra da artista Cecilia Bichucher estampa sobrecapa do O POVO neste sábado, 2 de outubro (Foto: O POVO)

Ainda na escola, Cecilia fugia das aulas de química para fazer estudar desenho e aproveitava o intervalo para deambular por museus na Avenida Paulista. "Quando fui escolher o que estudar, eu sabia tudo que eu não queria. Na família, a gente tinha uma fábrica de tecidos para roupa e eu brincava de desenhar roupas... Acreditava que queria ser estilista, mas não era aquilo. Sou bacharel em Belas Artes". No correr incessante dos dias, a artista envolveu-se em outras atividades: trabalhou em escritório, criou três filhos, construiu amor e lar com um cearense. "Mas a arte esteve sempre comigo. Agora, já em outro estágio, me dedico 24 horas por dia. Acredito que arte não seja só um métier, mas uma maneira de viver", acredita.

"Conto a minha trajetória como uma trajetória interrompida", ressalta Cecilia. "Uma mulher que se dedica à arte, historicamente, sofre uma defasagem muito grande. Ao mesmo que desejamos nos envolver com a arte, tem um outro lado da vida que puxa… O meu caminho percorrido na arte é lento, porque eu não tive a oportunidade de ser aquele artista que para tudo para criar. Uma época, eu trabalhava com aquarela porque aquarela é portátil: eu fazia dentro do carro, enquanto meus filhos saíam da escola; pintava durante os campeonatos que eles participavam… Não existiu o 'para tudo que a mamãe está trabalhando'. O cenário tem mudado, mas a vida da mulher artista ainda é muito permeada pelo privado, pela casa… A minha vida foi assim".

Uma mulher do hoje, Cecília defende a importância da reflexão sobre os lugares que os artistas ocupam e de onde eles produzem. "Tem uma mística que existe no imaginário popular do artista gênio que se isola para estudar e trabalhar. Picasso dizia precisar de silêncio absoluto. A minha vida e o meu trabalho não funcionaram assim. É importante falarmos sobre isso, não nos calarmos". Politicamente engajada, a artista visual lê, pesquisa e tece conversações com outras mulheres sobre a condição feminina nas artes. "Percebi esse meu lugar de fala, a minha voz. Eu noto atualmente em Fortaleza um avanço na pluralidade de vozes, de gêneros, de espaços sociais. Fico muito feliz quando vejo essas outras tantas vozes, a atenção das curadorias. Quem entra agora ainda enfrenta muitas dificuldades, mas se compararmos com a situação há 20 anos, muitas portas foram abertas — e é um trabalho de formiguinha", pontua.

Mãe de Paulo, Vitório e Bernardo, Cecilia precisou unir esfera privada e trabalho artístico para conciliar maternagem e processo de criação. "Uma vez, eu estava numa galeria de arte conversando com o pintor Otto Cavalcanti e falei que precisava ir embora, voltar para casa porque era hora dos meus filhos comerem. O Otto, então, me disse: 'Você já fez três obras de arte, que são seus filhos. Espero que você consiga fazer muitas outras'. Eu amei isso. A vida privada me levou a escolher materiais que pudessem me acompanhar. Muitas das minhas escolhas estão ligadas às possibilidades. Uso bastante aquarela, que requer apenas água, papel e tinta, e isso é fácil de transportar. A ideia é usar materiais que conversem bem com o meu trabalho. Utilizo muito papel, faço colagens, bordo, crio camadas de interferência. Gosto da simplicidade, de combinar materiais. Esse controle descontrolado é muito presente no meu trabalho porque é muito presente na minha vida", explica.

A obra "À sombra do cajueiro" (2019) — aquarela, acrílico e bordado sobre tela — colore a capa do O POVO de hoje. O leitor compartilha com Cecilia a sombra do cajueiro do jardim, o desenho da luz que atravessa as folhagens e se espalha pelo chão. "É um trabalho todo meditativo, um trabalho voltado para a exploração de uma memória afetiva da Cidade, do Ceará, da vida que construí aqui. É um lugar de reflexão, é um lugar geográfico do meu posicionamento". Neste emaranhado de caminhos e cores, Cecilia abre a casa e convida ao encanto: "A arte vale a pena. Hoje estamos tão descrentes, vivendo uma pandemia, muito abalados… Mas a arte vale a pena, é uma maneira de olhar para a vida, o outro. A arte é o outro".

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Conheça a artista

Para conhecer mais obras, mostras e exposições de Cecilia Castellini Bichucher, acompanhe as redes da artista: @ceciliabichucher no Instagram e ceciliabichucher.com.br.

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