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Carroça de Mamulengos lança série, discos e formação em saberes populares
Vida & Arte

Carroça de Mamulengos lança série, discos e formação em saberes populares

Cia Carroça de Mamulengos lança projetos especiais a partir da quinta, 9, incluindo websérie sobre folguedos de Juazeiro do Norte, curso de pós-graduação sobre saberes populares e coleção de discos com cancioneiro de reisado, coco e guerreiro
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A Cia Carroça de Mamulengos, trupe familiar com 45 anos de história, tem base em Juazeiro do Norte 
 (Foto: Carlos Lourenço / divulgação)
Foto: Carlos Lourenço / divulgação A Cia Carroça de Mamulengos, trupe familiar com 45 anos de história, tem base em Juazeiro do Norte

Em entrevista às Páginas Azuis do O POVO em 26/10/2020, o professor Gilmar de Carvalho (1949-2021) ensinou: "Desaconselho o olhar de turista sobre qualquer manifestação". Especialista em cultura popular, o pesquisador atestou sobre o compromisso necessário para se relacionar com saberes tradicionais. A ideia se liga à trajetória da companhia Carroça de Mamulengos, de caráter familiar e que tem três gerações envolvidas no fazer artístico. Criado em 1977, o grupo se desenvolveu pela itinerância, mas criou raízes fortes em Juazeiro do Norte. Prestes a completar 45 anos, em 2022, a Carroça lança a partir desta quinta, 9, série de projetos especiais que destacam a cultura e os saberes da região a partir do audiovisual e da música.

"Desde a origem da Carroça, trabalhamos com mestres e mestras da cultura, a vivência é nossa escola", atesta Maria Gomide, responsável pelos projetos e membro da segunda geração da companhia, filha dos fundadores Carlos Gomide e Schirley França.

Fundada nos encontros e nos movimentos, a Carroça de Mamulengos, assim como outros grupos pelo País, teve que realinhar as coordenadas com a chegada da pandemia, em 2020, "inventando um caminho caminhando", como Maria define. Adaptaram-se ao formato remoto, lançaram webséries e espetáculos virtuais e, finalmente, conseguiram apoio da Lei Aldir Blanc para a concretização dos novos projetos.

Mestre Antônio e Mestre Raimundo participam do Reisado dos Irmãos(Foto: Augusto Pessoa / divulgação)
Foto: Augusto Pessoa / divulgação Mestre Antônio e Mestre Raimundo participam do Reisado dos Irmãos

Ambos trazem aspectos relevantes sobre reflexões quanto à difusão e manutenção dos saberes a partir de registros sonoros e audiovisuais, produzidos "através do nosso olhar, do nosso afeto, do nosso amor", destaca Maria.

A websérie tem 32 episódios e começa a ser lançada nesta quinta, 9, com caráter semanal. A cada dia de lançamento, blocos de episódios ficam disponíveis no YouTube do grupo. Já a coletânea musical, que traz nove discos de mestres e mestras da cultura com direção musical e arranjos de Beto Lemos, tem previsão para chegar às plataformas em janeiro de 2022. Antes, estão previstas audições presenciais com as mestras, mestres e grupos participantes.

"Os discos foram feitos em parceria com os grupos. Tivemos liberdade sonora para criar arranjos explorando as possibilidades. Eles foram feitos para serem ouvidos em alto e bom som, para tocar em festa, em som de paredão, entrar nas playlists e stories, para mostrar as possibilidades que podemos criar e que a cultura popular é terra fertil pra quem tem semente e sabe plantar novidade", destaca Maria.

Entre os nomes que compõem as produções, estão os mestres Antônio e Raimundo, do Reisado dos Irmãos; o Mestre Dodo, do Reisado São Francisco; a Mestra Margarida, do Guerreiro Santa Joana D'arc; e a Mestra Marinez, do Coco Frei Damião, entre outros que fazem "arte viva".

"Com esses registros queremos abrir diálogos com a sociedade e auxiliar a pensar as políticas públicas de salvaguarda dos saberes populares", propõe a artista. "A Carroça está na 3ª geração de brincantes, mas de modo geral vemos crianças e jovens se afastarem das tradições. O que acontece para, na Carroça, estarmos vendo as netas dando continuidade aos saberes? A cultura popular tem uma metodologia de perpetuação", aponta a artista. "Registros são importantes, podem criar referências", reforça.

Os projetos especiais dão, ainda, uma espécie de partida para as comemorações dos 45 anos da Carroça de Mamulengos. "45 anos não são 45 dias, somos hoje três gerações de brincantes e educadores, atuando em diversas áreas como terapias naturais, agrofloresta, panificação, formação de professores, espetáculos", elenca Maria.

Além das atividades culturais, a companhia tem, também, um foco especial para marcar a data: o projeto de construção de sede própria em Juazeiro do Norte. "Estamos em busca de parceria para a construção da sede, que pretendemos inaugurar realizando um festival comunitário como sempre fizemos, só que agora nessa comunidade estamos chegando pra ficar, com fé, saúde, acreditando em dias melhores e plantando a coragem para seguir fazendo o caminho na pisada dos nossos pés", antevê.

“Escola de vida viva”: pós-graduação em saberes populares

A sede física da companhia Carroça de Mamulengos é definida por Maria Gomide como uma “escola de vida viva”, mas mesmo ainda sem o espaço concreto o grupo não deixa de ensinar e aprender nas trocas. Em 2020, em meio à pandemia, ele lançou o curso de pós-graduação virtual “Saberes Populares para a arte e a educação, através das vivências com a Carroça de Mamulengos” e a formação terá uma segunda turma em 2021, estando já com inscrições abertas.

Em parceria com A Casa Tombada, o curso dura 18 meses e é conduzido pelos membros da Carroça de Mamulengos, contando com a presença das mestras e mestres que participam das obras artísticas, bem como os especialistas em Educação Giuliano Terno, ngela Castelo Branco e Luiza Helena da Silva Christov.

“A Carroça sempre foi uma escola, pois desde sua origem os processos de formação e aprendizado são a base do nosso trabalho. Fomos das primeiras companhias do Brasil a entrar nas escolas levando espetáculos e falando de cultura popular, nas universidades ensinando a fazer pamonha, farinhada, andar de perna de pau, entre outros saberes”, contextualiza Maria.

Unindo os conhecimentos de mestres e mestras de Juazeiro aos de professores da academia tradicional, a pós-graduação se alinha aos gestos, por exemplo, do pedagogo Paulo Freire e da lei cearense dos tesouros vivos, na qual mestras e mestres da cultura recebem reconhecimento dos saberes que guardam. “Estamos construindo pontes para aproximar universos, pois o Brasil é plural”, aponta.

“Nesse sentido é fundamental que tenhamos em nosso país uma universidade com a presença de mestres de reisado, rezadeiras, parteiras, capoeiristas, palhaços, caciques, indios, negros que possam trazer seus saberes. É urgente repensar a forma que estamos alfabetizando nossas crianças: sabem ler palavras mas não sabem ler o mundo, a natureza. Temos que aproximar os acadêmicos da enxada, da sanfona e da perna de pau, e os mestres e mestras da caneta e dos livros, para termos a nossa história contada por outros ângulos além do eurocentro”, defende Maria.

Websérie "Folguedos de Juazeiro do Norte"

Quando: estreia quinta, 9, às 18 horas, com a disponibilização dos sete primeiros episódios; o restante será lançado semanalmente

Onde: Youtube da Carroça de Mamulengos

Inscrições para a pós-graduação "Saberes Populares para a arte e a educação, através das vivências com a Carroça de Mamulengos"

Onde: bit.ly/3oeDCEq

Coleção Saberes Sonoros

Quando: nas plataformas em janeiro de 2022

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