"Minha história com o reisado é comprida", anuncia Mestre Nena, olhos vagando pelas fotos e fitas coloridas que colorem as paredes brancas de seu Museu Orgânico em Juazeiro do Norte, Cariri cearense. Nascido no Sítio Malhada, município do Crato, o pequeno Francisco Gomes Novaes começou a brincar no reisado de congo do Mestre Moisés Ricardo ainda aos 12 anos. "Daí não parei mais", contextualiza, aos 70 anos. À frente do Grupo Bacamarteiros da Paz há mais de uma década, o brincante promete: "A agricultura e a cultura são as duas coisas que eu faço na vida. Enquanto eu for vivo, enquanto eu puder participar tanto da agricultura quanto da cultura, eu não deixo. Eu só posso deixar por morte".
Apesar de não ser titulado pela Secretaria de Cultura como Tesouro Vivo, Mestre Nena carrega nas mãos a história do Cariri. "O reisado, na minha vida, é de família de tradição. Toda semana a gente brincava reisado um pedacinho...", relembra. Ainda jovem, visitou terreiros como o de Mestre Aldenir e se quedou na Folia de Reis: com 18 anos, criou seu próprio reisado no Sítio Altos junto com os amigos Chicô e Decir. Já em Juazeiro, brincou com Mestra Margarida, Mestre Bigode, Luís, Mestre Sebastião e com o Carroça de Mamulengo. "Me deram esse nome de Mestre, mas eu não sou mestre, não. Eu dou muito valor a todos os grupos... Para mim, todos somos iguais", comenta, modesto.
Criado em 2006, o Bacamarteiros da Paz inicialmente se chamava Bacamarteiros Beato José Lourenço. O grupo reconta o legado do cangaço de Lampião por meio das cantorias e transforma arma em arte. A espingarda do bacamarte, utilizada no movimento entre o final do século XIX e começo do XX, hoje integra as manifestações culturais dos 18 membros do grupo. "Nós pegamos um pouco do cangaço, um pouco do bacamarte e mantemos a brincadeira", explica o Mestre.
Repousando na entrada do Museu Casa de Mestre Nena, sob as bênçãos de Padre Cícero, a placa dá boas-vindas ao número 524 da rua Senhor do Bonfim: "Nesta casa as armas do cangaço se fizeram arte e levam ao mundo a cultura da paz". O espaço abriga fotos, banners, repertórios grafados em azul, o chapéu de Mateu do reisado, fantasias de bacamarte, instrumentos e uma imagem do Padim. "Eu me sinto feliz, eu me sinto feliz demais com esse Museu Orgânico", sorri Mestre Nena, que recebe generosamente os visitantes. "Quanto mais gente, melhor".
(A repórter viajou ao Cariri a convite do Sesc-Ceará)
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