Série cearense "Meninas do Benfica" estreia no Canal Brasil
João Gabriel Tréz é repórter de cultura do O POVO e filiado à Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine). É presidente do júri do Troféu Samburá, concedido pelo Vida&Arte e Fundação Demócrito Rocha no Cine Ceará. Em 2019, participou do Júri da Crítica do 13° For Rainbow.
Criada pela realizadora Roberta Marques, a série "Meninas do Benfica" acompanha a história de quatro amigas estudantes universitárias que passam por processos de amadurecimento pessoal e coletivo a partir do intenso e confuso contexto das manifestações de junho de 2013. Ao Vida&Arte, Roberta — que assina ainda a direção geral e de episódios, roteiro e produção — e a também diretora e roteirista Luciana Vieira compartilham processos da série e reflexões sobre protagonismo feminino, descentralização audiovisual e política. A produção estreia nesta quarta-feira, 2, às 19h45, no Canal Brasil.
A gênese do que viria a ser "Meninas do Benfica", divide Roberta, está no momento em que, de Nova York — onde apresentava o longa "Rânia" em um festival —, a cineasta acompanhou por mídiasalternativas as manifestações ocorridas em 2013. "Mexeu muito comigo ver como eram potentes aquelas imagens, como era um trabalho diferente, novo", lembra.
Juntando a inspiração em séries que acompanhava na época, da estadunidense "Girls" à dinamarquesa "Borgen", a realizadora optou por escrever o projeto no formato seriado, tendo sido concretizado após aprovação em editais públicos de desenvolvimento e produção a partir de 2016. As gravações ocorreram em 2019.
Apesar da trama partir das "jornadas de junho", a criadora ressalta que a série não foca nelas, mas as utiliza como ponto de partida para as trajetórias das protagonistas, Keyla (Lua Martins), Iara (Amanda Freire), Andrea (Ariza Torquato) e Sandra (Larissa Goes).
"A gente coloca as quatro dentro da confusão, sem entender o que são as manifestações. Elas não têm a distância do tempo para entender que os movimentos seriam cooptados, que viriam um monte de bandeiras depois", explica Roberta, referindo-se aos impactos políticos posteriores à ocupação das ruas. "Elas estão vivendo o turbilhão. A confusão do momento aparece, é paradoxal. Existe um espírito de 2013 que está ali, mas não a interpretação, da qual tivemos inclusive que nos distanciar, porque a gente sabia que certo aspecto havia se desdobrado em outro anos depois, mas não era possível falar dele ali", dialoga Luciana.
O impacto nas personagens se refere, especificamente, às descobertas das amigas das próprias consciênciaspolíticas. "São as bandeiras que essas meninas vão passar a levantar nas vidas delas, como da anti-LGBTQIA fobia, do antirracismo, do feminismo", aponta Roberta.
Tal aspecto da ficção se reflete no processo da própria produção, que foi concretizada a partir de uma equipe formada majoritariamente por mulheres. "Era muito claro para mim no começo que eu queria, no mínimo, 51% de mulheres na equipe. Quando fomos chamando as pessoas, era tanto talento que esse percentual era pouco. Temos uma equipe 64%feminina. Foi muito natural, porque tem muita mulher fazendo trabalhos bons em todos os setores", comemora a criadora.
Ressalta-se, ainda, o forte DNA cearense, das locações à equipe, um dado também natural no processo de criação e gravações. "Há a fetichização do Nordeste, quando falam 'produção nordestina' é como se ela tivesse que ter características específicas. Em 'Meninas', a gente é muito Fortaleza, mas sem 'querer ser'", reflete Luciana. "É porque somos, porque faz parte da nossa experiência. O olhar que a gente jogou sobre esse ambiente é muito sincero e parte da nossa experiência, desconstruindo esse lugar de fetiche", segue.
Para Roberta, a relação com Fortaleza é atravessada, ainda, por elementos íntimos. Nascida em Maranguape, ela se mudou para a Capital cearense ainda jovem e, pelo desejo de estudar cinema em uma época na qual a Cidade não tinha formação ainda estabelecida, acabou saindo do País nos anos 1990.
"Saí, mas fiquei indo e vindo. Hoje, moro em Amsterdã, mas minhas ideias para filmar são sempre em Fortaleza. É um jeito de estar presente", reconhece, aprofundando: "'Meninas do Benfica' é, em algum lugar dentro de mim, a minha vontade de não ter saído, de ter 20 e poucos anos e ter conseguido estudar aqui".
A série acaba sendo, também, um encontro de gerações, simbolizado em especial por Roberta e Luciana, profissionais formadas por contextos distintos: se a primeira teve que sair de Fortaleza e viu a carreira impactada por desmontes de políticas públicas, a segunda se formou em Cinema pela UFC em 2014, momento no qual as políticas se fortaleciam.
"Nossas experiências, sendo de diferentes gerações, com diferentes histórias e formações, foram muito ricas para as trocas", aponta Roberta. "Somos duas mulheres cearenses de gerações diferentes que resistimos em fazer audiovisual dentro do respeito, da generosidade e da crença no olhar de cada uma. Isso é um encontro muito relevante", finaliza Luciana.
Meninas do Benfica
Quando: estreia nesta quarta, 2, a partir das 19h45, com exibição especial dos dois primeiros episódios
Onde: Canal Brasil (consulte disponibilidade)
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