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Prof. Humberto Cunha reflete sobre cultura de forma acessível em novo livro
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Prof. Humberto Cunha reflete sobre cultura de forma acessível em novo livro

Professor Humberto Cunha revisita histórico recente do País em "(F)atos, Política(s) e Direitos Culturais", que reúne artigos escritos pelo especialista entre 2004 e 2019
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Humberto Cunha é Professor Titular do Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional da Universidade de Fortaleza (UNIFOR) (Foto: Joana d'Arc Saraiva Cunha / divulgação)
Foto: Joana d'Arc Saraiva Cunha / divulgação Humberto Cunha é Professor Titular do Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional da Universidade de Fortaleza (UNIFOR)

Por mais transversal, relevante e presente que seja a cultura na vida individual e social, ela se encontra, contraditoriamente, em um espaço pouco ou mal compreendido nacionalmente. Apesar de estar no alimento servido, na música ouvida e no carnaval brincado, entre vários outros exemplos, o setor cultural é desvalorizado política e socialmente no Brasil. Mesmo com histórico de descontinuidades em níveis institucionais, a cultura foi e é estopim de discussões centrais para a compreensão do País, do papel do Estado à censura, passando por precarização do trabalho e direitos humanos. Buscando refletir sobre a trajetória recente do setor, o professor e pesquisador em Direitos Culturais da Universidade de Fortaleza (Unifor) Humberto Cunha oferece ao público o livro "(F)atos, Política(s) e Direitos Culturais", obra que reúne artigos escritos pelo especialista entre 2004 e 2019 — período que vai do ano do doutoramento em direito do autor à "antessala da pandemia" — e divulgados em publicações acadêmicas e jornalísticas, como O POVO.

Os escritos de Humberto destacados no livro são marcados por diversidade não somente de tema, mas também de público-leitor e, por isso, um dos aspectos de maior relevância da obra é comunicar reflexões sobre cultura de forma acessível, até coloquial. Uma das motivações do professor para editar a publicação foi a inspiração ao ter sido presenteado, em um "aniversário pré-pandêmico", com um livro de crônicas de Rachel de Queiroz. "Mesmo sabendo da distância astronômica entre a minha literatura e a dela, fiquei com vontade de fazer o mesmo", compartilha Humberto em entrevista ao Vida&Arte.

"Frequentemente ministro cursos de direitos culturais para pessoas não formadas em direito, como artistas, gestores e produtores culturais. E como material didático meus artigos jornalísticos costumam funcionar muito bem para esse público, pelo foco temático, pela concisão, pela simplicidade da linguagem, sem descuidar da exatidão do conteúdo jurídico", avança.

A acessibilidade na abordagem surge como forma de aproximar da população leiga a reflexão cultural. Citando o Plano Nacional de Cultura (PNC) — documento de diretrizes para criado em 2010 e que teria validade até 2020, tendo sido estendida até 2022 pelo governo Bolsonaro —, Humberto ressalta que ele "deveria nos ter legado uma situação oposta" à desvalorização do setor.

"Isso não aconteceu porque nem o PNC, nem as políticas culturais de uma maneira geral, conseguiram engajar a população", avalia o professor, lembrando que nem o plenário da Câmara dos Deputados e do Senado Federal debateu o documento à época.

"Historicamente, continuamos muito deficitários em relação à democracia cultural: o máximo que fizemos foi trocar a gestão cultural das oligarquias para pequenas e sonoras militâncias", segue, atentando: "Ainda não conseguimos conquistar a cumplicidade da população, este, sim, o remédio mais eficaz contra essas constantes crises do setor cultural".

Um maior entendimento por parte da população dos fluxos da cultura pode incorrer, na avaliação de Humberto, em uma assimilação maior da importância das políticas para o setor. "Nos municípios em que são socialmente muito importantes as quadrilhas juninas, o carnaval, e até festas que mesclam o encontro do sagrado com o profano, por exemplo, se não houver apoio público para essas manifestações, os políticos que os negam geralmente não são reeleitos", aponta.

"Políticas culturais que falam a linguagem da população pressupõem o diálogo com ela, bem como ofertar canais para que ela se sinta protagonista, como aconteceu em Guaramiranga, em que o povo local não é apenas público em potencial, mas protagonista de cena cultural, e não necessariamente como artista, mas como alguém que tem consciência de um papel no processo, que pode ser como motoboy ou bodegueiro que ajudam no desenvolvimento das atividades culturais", exemplifica, citando o município cearense que tem eventos como os festivais de Teatro e Jazz & Blues no calendário anual.

"Não se trata de assembleísmo, mas de respeito, que é o melhor canal educativo para que se compreenda que também existem direitos culturais individuais e de grupos específicos, estes sim com baixo poder de barganha e que precisam do apoio de todos", avança o professor.

Reflexões do tipo compõem os textos do livro, o que chama atenção uma vez que eles foram escritos em momentos distintos do País. O caráter atual dos pensamentos ressalta, então, o caráter cíclico de altos e baixos na cultura brasileira. "Infelizmente, continuamos, sim, a ter uma sensação de déjà vu ('já vi isso') com relação aos problemas culturais, e penso que as causas são muitas. Lamento a atemporalidade da minha obra, nestes aspectos, e torço para que ela passe a ser o registro de uma época difícil que foi superada", almeja.

De forma curiosa, o recorte temporal da publicação do professor se encerra no último ano anterior à pandemia, que chegou em 2020 para remexer com certas e aprofundar fissuras em todos os setores, incluindo a cultura. Em ligação com o exercício histórico que o livro traça, Humberto arrisca um exercício de pensar que pautas, daqui a 15 ou 20 anos, deverão marcar a cultura de hoje. A resposta está, justamente, no que passou.

"Na passagem de 2020 para 2021, o jornal O POVO me convidou a escrever um texto sobre o futuro das políticas culturais. Reconhecendo a minha incompetência de oráculo ou adivinho, mandei um artigo no qual sustentei que os bons profetas sabem do futuro olhando para o passado. Se queremos um futuro melhor devemos evitar os erros cometidos e insistir nos acertos. Assim, tomara que daqui a 20 anos possamos ler o meu livro e ver que a nossa população incorporou às suas preocupações as políticas culturais. Se isso acontecer, certamente estaremos livres de problemas que eu só conhecia pelos livros de história da antiguidade ou da idade média, como o terraplanismo e os movimentos antivacinação", finaliza.

Temas abordados

No total, o livro reúne 46 textos escritos pelo professor Humberto Cunha, sejam artigos para jornais como O POVO ou publicações acadêmicas, sejam prefácios ou capítulos para livros sobre temas diversos da cultura.

Entre os textos que foram originalmente publicados no O POVO, figuram debates sobre o Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, as vaquejadas e regulamentação da internet, por exemplo.

Há ainda na lista de assuntos tratados pelo especialista na obra elementos como legislação cultural, editais públicos para o setor, garantia de direitos culturais, leis de fomento, regulamentação de profissões artísticas, economia da cultura, formação, patrimônio cultural, biografias, turismo, censura... A diversidade de abordagens e de temáticas aponta para a complexidade do debate cultural, para além de visões limitadoras.

É possível adquirir "(F)atos, política(s) e direitos culturais" direto no site da Editora Dialética que, conforme explica Humberto, adota o modelo de impressão sob demanda como forma de contribuir com a sustentabilidade ambiental.

(F)atos, política(s) e direitos culturais

Onde encontrar: site da Editora Dialética (bit.ly/3rOQgga) ou na Amazon (amzn.to/3oMRve3)

 

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