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Residência teatral para pessoas trans e travestis estreia espetáculo
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Residência teatral para pessoas trans e travestis estreia espetáculo

Fruto da residência teatral para pessoas trans e travestis da dramaturga Noá Bonoba, espetáculo "TextoTrúqui" estreia no Porto Dragão
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Artistas trans e travestis protagonizam enredo transfuturista no espetáculo
Foto: Levi Nolí/Divulgação Artistas trans e travestis protagonizam enredo transfuturista no espetáculo "TextoTrúqui", da diretora Noá Bonoba, que estreia no Centro Cultural Porto Dragão

Alienígenas aterrissam na Terra e selecionam nativos para encaminhar mensagens à população do planeta azul. Os seres de outra galáxia têm, como objetivo, encerrar uma farsa perpetuada por aqui há tempos. Para divulgar o comunicado da legião de extraterrestres, os terráqueos aliados resolvem ocupar um teatro. Essa trama, com elementos de ficção científica, integra o espetáculo "TextoTrúqui". A montagem é fruto da residência teatral exclusiva para pessoas trans e travestis da atriz, diretora e dramaturga cearense Noá Bonoba.

Após três meses de construção cênica coletiva entre 16 artistas, "TextoTrúqui" estreia nesta quarta-feira, 18, às 19h30min, no Teatro B. de Paiva do Centro Cultural Porto Dragão. O espetáculo segue em cartaz nos dias 18, 20, 21, 25, 27 e 28 de maio, no mesmo horário. Os ingressos podem ser adquiridos pela plataforma Sympla. As sessões contam com dez cortesias para pessoas trans e travestis (basta verificar a disponibilidade no Instagram). Noá Bonoba, que assina texto e direção da montagem, repercute os processos do trabalho.

O título "TextoTrúqui" nasce da junção das palavras "texto" e "truque". Noá explica: "A formação foi voltada para o texto, as dramaturgias, as formas de dizer. A palavra truque vem da travestilidade, das nossas gírias, formas de expressão. O truque vem da resistência trans, de reinventar a possibilidade de existir. Se a gente fosse esperar pela cisgeneridade, não conseguiria agir, porque essa "normalidade" nos lança para fora. É do truque, desse jogo de cintura, que nós, pessoas trans e travestis, pensamos estratégias de sobrevivência".

"TextoTrúqui" seria, então, um novo termo, para falar "do texto dentro do truque". "Uma grande brincadeira que também é muito séria", pontua Noá. Para a diretora, a ficção científica e especulativa convida à "possibilidade de romper com o realismo", criando "mundos e novas formas de existir". "Brincar com o fantástico. A ficção vem imposta desde o nosso nascimento. A realidade é construída, ficcional. Nasce dentro do projeto colonial de designação das nossas vidas, dentro das expectativas que a cisgeneridade lança sobre nossos corpos".

Noá revela como a figura do alienígena compõe o jogo cênico. "Surge da vontade de criar registros de interpretação antinaturalistas, a possibilidade do estranho ser potência poética. Podemos dizer que é um espetáculo transfuturista, assim como podemos dizer que, para além do termo, o espetáculo é muitas outras coisas". Nos filmes "O mundo sem nós" e "Terra Ausente", a diretora também trabalha com o imaginário coletivo sobre aliens.

Como surgiu a residência

A residência teatral nasceu do entendimento sobre como corpos de pessoas trans e travestis "são lançados para fora das instituições e dos espaços de cultura", diz Noá. A partir de conversa com o artista Lui Foito (que integra o elenco do espetáculo), ela idealizou o projeto. A formação considera os princípios de "distribuição de acessos" e "políticas afirmativas radicais".

Em contato com a artista e produtora cultural Ellícia Maria, Noá articulou a parceria do espaço para a residência com o Porto Dragão. O processo seletivo foi realizado por meio de formulário on-line. "Existia a vontade de fazer uma campanha de arrecadação. As vagas tinham que ser limitadas para conseguir oferecer ajuda de custo".

Na campanha, foram apurados R$ 1395 dos R$ 20 mil pretendidos, via plataforma de financiamento coletivo. Mesmo sem angariar os recursos planejados, Noá e os 16 artistas selecionados decidiram realizar a residência. O valor arrecadado custeou parte dos deslocamentos dos participantes para a formação. A diretora pontua: "A gente fala de uma dupla precarização. Nossos corpos trans e travestis já nascem precarizados e a linguagem do teatro, que também é precarizada".

Sobre o processo, Noá acentua: "O texto e a direção são meus, mas a gente trabalha de uma forma coletiva, dialogando sempre. A encenação vem muito dentro de uma direção que se abre para a coletividade".

Guerra planetária declarada

Noá enfatiza: "O espetáculo surge da urgência dessa voz que convoca a uma reparação histórica para corpos dissidentes, para corpos trans e travestis que dentro da história das artes sempre foram excluídos, tiveram acesso negado ao circuito artístico. A gente está há dois anos dentro de um processo pandêmico (da Covid-19), com a paralisação das atividades teatrais e de uma maior precarização da linguagem… É importante não só reerguer essa estrutura, mas pensar como o teatro, uma arte milenar, ancestral, sobrevive às catástrofes e ressurge com essa força".

A artista alerta que o mundo passa por "uma guerra planetária declarada". Esse conflito, segundo Noá, iniciou há milênios. "Desde que foi pensada a matriz antropocêntrica que colocou o homem no centro das atividades planetárias. O humano moderno, colonizador, que colonizou outras espécies e a própria. Processos de genocídio e massacre de tudo o que foi excluído desse termo humano, considerado não humano, permitiu que colonizadores passassem por cima e assassinassem diversas expressões e existências".

O espetáculo "TextoTrúqui" discute essas questões. Noá manifesta: "Pensar essa guerra planetária, dentro de um mundo que o apocalipse já existiu para diversas pessoas. O fim do mundo já é uma realidade para muitos corpos. O novo projeto de colonização é colonizar outros planetas, com pessoas comprando terrenos em Marte e tentando continuar esse projeto fracassado que deu início a tudo isso que a gente está vivendo: catástrofes, desigualdade social, extração de minério, derretimento das calotas polares, guerras, na tentativa de extirpar o que é diverso".

Quem faz

Texto e direção: Noá Bonoba
Fotografias: Linga Acácio e Nolí Levi
Produção: Ellícia Maria, Marin, Noá Bonoba
Elenco: Marin, Luci Ferri, Maria Mathu, Vic Nascimento, Lui, Luz da Guia, Souma Raphael
Trilha sonora: Jean Jirau e Marin
Figurino: Jean Jirau
Iluminação: Carú Faaca
Apoio: Centro Cultural Porto Dragão, Roberta Kaya, Teatro Máquina, Rede de Mulheres Negras, Sy Gomes e Mumutante
Agradecimentos: Ewa Niara, Pretha Patricya, Miguel Yiara, Romã e Rodrigo Alencar

TextoTrúqui

Quando: 18, 20, 21, 25, 27 e 28, às 19h30min
Onde: Teatro B. de Paiva do Centro Cultural Porto Dragão (rua Bóris, 90 - Centro)
Quanto: R$ 15 (meia); R$ 30 (inteira), em sympla.com.br
Mais info: @textotruqui
Entrada sujeita à apresentação do Certificado Nacional de Vacinação Covid-19

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