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MC Niel Santos usa rap para ajudar jovens de Iparana
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MC Niel Santos usa rap para ajudar jovens de Iparana

Inspirado em Sabotage, Marechal e Djonga, o rapper MC Niel Santos leva sua mensagem pela música e atua pela juventude de Iparana
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MC Niel, rapper da Iparana (Caucaia), que realiza batalhas de rimas na região para estimular a juventude local (Foto: Thais Mesquita)
Foto: Thais Mesquita MC Niel, rapper da Iparana (Caucaia), que realiza batalhas de rimas na região para estimular a juventude local

O rapper Sabotage vivia o auge da carreira depois de encarar anos de crime e tráfico de drogas. Salvo pela arte, se tornou porta-voz da juventude periférica com letras que falavam da realidade das favelas da capital paulista. Até o dia 23 de janeiro de 2003, quando deixou a esposa no trabalho, foi surpreendido com tiros e não resistiu.

Morto aos 29 anos, a curta carreira não o impediu de marcar gerações e inspirar jovens por meio da música. Um deles é Daniel Santos, o MC Niel Santos, que nasceu em Fortaleza, em fevereiro do mesmo ano, menos de um mês depois do crime contra aquele que se tornaria seu grande ídolo.

As letras dos rappers Sabotage, Marechal e Djonga inspiraram Daniel a pensar seu entorno. O jovem vive em Iparana, Caucaia, desde que deixou a capital ainda bebê. "As músicas deles me inspiram. Eu escrevo de acordo com o que acontece aqui na comunidade e com meus sentimentos", diz.

O amor pela música vem de berço. "Sou bisneto de repentista e de pescador. Comecei no Repente aos dez anos, através do meu bisavô e após ele falecer procurei manter a tradição, mas aí eu conheci o rap. Então aos 13 anos comecei a escutar", relembra Niel.

Os seis anos no gênero musical o fizeram se apresentar na cidade em que mora e em Fortaleza em espaços públicos, eventos, escolas e até mesmo em igrejas. Ele conta sobre a apresentação inusitada: "Aconteceu uma gincana na Universal que seria uma batalha de rap, mas os pessoal gostou tanto que cantei uma das minhas músicas [autorais] lá", explica. As batalhas de rima fizeram o jovem descobrir um papel além de artista, o de atuar como articulador cultural na cena de Caucaia.

A fala tímida, típica de quem se despede da adolescência, esconde o pensamento articulado e maduro, fruto de quem desde sempre observou ao seu redor e quis modificá-lo. Crítico à ausência de políticas públicas na sua comunidade, decidiu que deveria agir. "Entra gestão e sai gestão política e o bairro continua esquecido", aponta Niel.

Em Iparana, é um dos fundadores da "Batalha da Areninha", iniciativa que já reuniu mais de 30 MC's, dando espaço para uma maioria de jovens, mas que também acolhe artistas experientes. "A ideia veio através de uma conversa com um amigo, encontrei ele no ônibus e chamei para a gente idealizar a Batalha, pois na Caucaia acontecia batalhas de rimas, mas não na região praiana. Hoje somos uma das maiores", se orgulha.

A realização na Areninha de Iparana desafia o histórico de marginalização do gênero musical. Desde a criação, na Jamaica, e a difusão nos subúrbios das grandes cidades dos Estados Unidos, o Rap e o universo do hip hop já resistiram à repressão policial e à criminalização. Apesar da perseguição, o ritmo conquistou o mundo conservando a característica de denunciar questões sociais como o racismo e a violência.

Em Iparana, os encontros são verdadeiras celebrações artísticas da periferia e é uma forma de ocupar os jovens e evitar ambientes prejudiciais. "Criamos a Batalha para tirar os jovens do crime e de dentro de casa, pois sabemos que o número de jovens com depressão cresceu bastante na pandemia", explica Niel.

Entre os muitos sonhos que rondam a cabeça e o coração, representar o Ceará no duelo nacional de Mc's e viver do Rap estão no topo. Os mais modestos vêm sendo realizados, como o de lançar sua primeira música e ser reconhecido pela comunidade. "Tive um momento marcante quando os Mc's me agradeceram por trazer as batalhas pra cá, agradeceram por ser inspiração para eles. Isso foi muito importante, afinal minha música fala em se tornar referência para a quebrada", se emociona. Em um mês na plataforma Youtube, o hit ultrapassou mil visualizações, fato que lhe é motivo de muito orgulho.

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A carreira que está no início é promissora e, por enquanto, Daniel está no "corre" entre Fortaleza e a Região Metropolitana, atento a cada promoção de produtoras da capital para profissionalizar seu som. Nessas idas e vindas, lançou sua primeira composição autoral, a música "Referência". Na letra, o jovem fala da relação com seu bairro e o desejo por mudanças sociais.

Desde os primeiros versos demonstra personalidade: "Nesse som não vim falar de mulher/ e nem de corrente/ eu vim passar a visão de uma forma diferente/ porque a missão que eu tenho é salvar gente da minha gente", canta.

E é para ver a quebrada vencer que ele conta com apoio da família e concilia suas atividades artísticas com os estudos, em uma rotina atarefada. "Na semana eu estudo, fico livre no final de semana, porém no sábado à noite organizo a batalha de rima", lista. Para Sabotage e MC Niel, a meta é ser referência, logo, o Rap e as comunidades são compromissos. 

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