O canto da patativa, ave presente em território brasileiro, é considerado um dos mais melodiosos entre os pássaros. O nome do animal foi dado como apelido ao jovem Antônio Gonçalves da Silva porque, falava-se, a poesia expressiva, fluida e terna que ele performava pelo interior cearense se assemelhava ao cantar da ave. À alcunha, o rapaz adicionou o nome da cidade natal: Patativa do Assaré. Um dos principais nomes da cultura brasileira, o poeta faleceu em 8 de julho de 2002, aos 93 anos, deixando de herança legados imensuráveis. O Vida&Arte esquadrinha a relevância da poética de Patativa a partir de especialistas e artistas que compartilham referências e reverências ao "poeta pássaro".
No livro "Patativa do Assaré: Uma Biografia", o professor e pesquisador Gilmar de Carvalho (1949-2021) conta que o poeta, ao falar do canto da patativa, dizia: "Você escuta, você pensa que ali dentro daquela moita tem vários passarinhos cantando". Quando o artista assume o nome da ave, Gilmar vê na metáfora "camaleônica" uma "explicação para os múltiplos cantares" que ele trazia consigo. "Da dicção nos moldes da norma culta à poesia matuta, do telúrico ao social, do gracejo à sua desconhecida e renegada produção erótica", elenca.
As referências e influências da trajetória artística de Patativa são tão diversas quanto a própria obra do artista. "Por meio de diferentes temas de sua poética, vê-se a influência dele na música, na cantoria, na poesia e na literatura", aponta Socorro Pinheiro, professora de Letras e do Mestrado Interdisciplinar em História e Letras da Universidade Estadual do Ceará.
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"Observa-se ecos da sua poesia, por exemplo, na obra de Moreira de Acopiara, Dalinha Catunda, Josenir Lacerda, Bráulio Bessa, entre outros. O poeta continua vivo nos desafios da viola, na poesia feita de repente, no cordel, na performance poética, no imaginário de tanta gente que se sente representada numa poesia que canta a vida e seus contrastes, sem, contudo, perder a paixão e a força", avalia a pesquisadora, co-autora, com Antonio Iraildo, do livro "Um Sertão Encantado: Homenagem aos 110 anos de Patativa do Assaré.
O cantador, violeiro, escritor e Mestre da Cultura do Ceará Geraldo Amâncio ressalta a importância do artista para a própria trajetória. "Há um lado na história do poeta Patativa do Assaré que a mídia não fala: ele foi cantador, fez cantoria por mais de quarenta anos", ressalta. "Nas cantorias do meu tempo, não havia declamações de poesia. Tudo começou depois do lançamento do livro 'Inspiração Nordestina' (primeiro livro que reúne a obra poética de Patativa, lançado em 1956). O primeiro poema que declamei foi 'Chiquita e mãe veia', que está no livro referido", segue Geraldo.
A referência direta a Patativa tornou-se depois uma relação de proximidade e parceria, já que os dois chegaram a circular em viagens por mais de 20 anos — memória que Geraldo cita como uma "honra e felicidade". "Particularmente, devo a ele muito do reconhecimento a mim atribuído. Por várias vezes, quando perguntavam a ele quem era o melhor cantador do Brasil, ele citava o meu nome", relembra.
Conterrâneo de Patativa, o cantor e sanfoneiro Caninana destaca a contemporaneidade da obra do poeta. "Ele já falava tudo aquilo que nós vivemos hoje, é o marco de um século por suas obras escritas justamente na defesa da natureza, no combate à fome, à miséria, no grito de liberdade do seu povo", desvela.
Para o artista, Patativa foi uma referência intransponível. "Ele, na sua grandeza e na genialidade poética dos versos, me inspirou a fazer versos de cordéis. A maioria das minhas composições é sempre em formato de soneto ou sextilhas", exemplifica o cantor.
Em "Pássaro Liberto", livro de 2011 também escrito por Gilmar de Carvalho, o professor escreve: "Por que em meio a tantos poetas violeiros e poetas populares Patativa do Assaré se destacou e se tornou referência? Por que tantos passaram e ele ficou?". A resposta do próprio pesquisador, precisa, ajuda a decifrar: "Por que Patativa vai ficar? Por ter trabalhado com afinco e determinação, não para construir uma carreira, mas pela necessidade de dizer o mundo".
Confira seleção de páginas do caderno especial publicada em 9/7/2002 no O POVO: