Partir de Vitória da Conquista a São Paulo para "poder nascer" como Assucena. "Renascer" ao deixar a trajetória exitosa com a banda As Bahias e a Cozinha Mineira para arriscar vôo solo. O nascimento se revela uma metáfora importante para a cantora e compositora baiana, que parece ligá-lo a processos de descoberta e redescoberta, de reconhecimento de si. Dando os primeiros passos de nova fase na carreira, Assucena vem a Fortaleza neste domingo, 10, para apresentar o show "Minha Voz e Eu" — e reapresentar a si mesma — no Cineteatro São Luiz.
Assucena despontou nacionalmente com a banda As Bahias e a Cozinha Mineira, capitaneada por duas travestis — a própria Assucena e a também vocalista Raquel Virgínia — e com o instrumentista Rafael Acerbi. O disco de estreia, "Mulher", veio em 2015, mas o grupo se conheceu anos antes, em 2011, no curso de História da Universidade de São Paulo.
"Tive muita sorte de entrar com muitos artistas na minha turma, o que possibilitou essa reflexão sobre cultura, arte e música", celebra. "Eu não tinha transicionado ainda e a universidade me fez refletir melhor sobre quem eu era e sobre o tipo de papel e de movimento que eu poderia exercer no mundo com a minha verdade", segue.
As primeiras composições de "Mulher", conta Assucena, foram sendo feitas "em todo esse processo de transição que vou enfrentando e onde vou me entendendo". A afirmação diz respeito especificamente à transição de gênero, mas o discurso da artista aproxima o percurso íntimo do contexto de País da época.
"A banda já surge em um processo de crise política institucional — por exemplo, a gente não experimenta o Ministério da Cultura a pleno vapor — e de enfrentamento político. Ao mesmo tempo, a gente surge na cena cultural brasileira depois de anos de um governo progressista, então, apesar da crise, havia o fortalecimento de movimentos negros, indígenas, LGBTs, feministas, que apregoam a liberdade como princípio", elabora.
Depois de três discos, vitórias em premiações como o Grammy Latino e o Prêmio da Música Brasileira, o grupo se separou em 2021. "A pandemia produziu uma série de intensidades e reflexões muito profundas acerca da vida, foi um tempo de reflexão a respeito de qual sentido a gente queria dar para tudo", aponta Assucena.
"A gente saiu de um Ministério da Cultura para uma secretaria mequetrefe que nem dá conta de um milésimo da exuberância da cultura brasileira. São muitas questões que a gente teve que enfrentar no Brasil e que me colocaram diante de escolhas fundamentais para a minha carreira, para a minha vida, para o que eu quero cantar", avança a artista.
Entre as escolhas, veio o "renascimento" de Assucena através da arte e da busca de se afirmar e reafirmar, simbolizadas no percurso solo. Mas sem jamais esquecer, como ela diz, de quem a "pariu enquanto artista", uma vez que os primeiros passos do caminho conectam reverências e referências à história da música brasileira com composições autorais.
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Em "Rio e também posso chorar", a cantora promove releitura do disco "Fa-Tal - Gal a Todo Vapor (1971), de Gal Costa. Já em "Minha voz e eu", que traz a Fortaleza, o repertório é dividido entre autorais e versões. A apresentação terá presença da cantora Mona Gadelha, a quem a baiana credita como dona de uma "obra monumental" e "chique", e contará ainda com referências a outros artistas do Estado.
Como "cartão de visitas" dos futuros movimentos da carreira, ela lançou duas músicas inéditas: "Parti do alto", composição própria que referencia do estilo de samba à canção "A Menina Dança", e "Ela", versão da composição de Aldir Blanc e César Costa Filho cantada por Elis Regina. Os exercícios reforçam as faces distintas, mas irmanadas, da artista: a intérprete e a cantora-compositora.
Movida por reflexões de memória e ressignificação, Assucena se equilibra entre elas para elaborar discussões sobre o conteúdo de canções clássicas e a forma com que são apresentadas. "O Brasil é um país que carece de uma institucionalização política, afetiva, social, urbanística, educacional sobre a memória. A gente precisa se relacionar melhor com ela", inicia.
Citando "Com açúcar, com afeto", escrita por Chico Buarque e que chegou a ter o machismo da letra questionado ao próprio compositor, e "Vale Tudo", de Tim Maia, que canta que "só não vale dançar homem com homem / e nem mulher com mulher", Assucena convida à reflexão.
"Existe um autoritarismo que sempre tenta matar essa memória, que é tão importante para a nossa luta, inclusive até para a gente repensar e elaborar melhor o que canta ou não. Você cancela a canção? Qual o tipo de reflexão que se faz acerca dela?", instiga.
"Eu cantaria 'Com açúcar, com afeto' como uma crônica de um homem machista onde eu possa usá-la de forma irônica, assim como posso usar 'Vale Tudo', por ser uma pessoa LGBT cantando. A gente precisa repensar onde realoca as canções, porque não é sobre cancelamento, é sobre reflexão", argumenta.
O podcast Vida&Arte é destinado a falar sobre temas de cultura. O conteúdo está disponível nas plataformas Spotify, Deezer, iTunes, Google Podcasts e Spreaker. Confira o podcast clicando aqui
Show "Minha Voz e Eu", de Assucena
Quando: domingo, 10, às 18 horas
Onde: Cineteatro São Luiz (rua Major Facundo, 500, Centro)
Quanto: R$ 40 (inteira)
Ingressos à venda na bilheteria até 17 horas deste sábado, 9, ou na plataforma Sympla (site.bileto.sympla.com.br/cineteatrosaoluiz/)
Mais informações: @assucenaassucena