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Jorge Helder mergulha nas raízes do Nordeste no álbum autoral "Caroá"
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Jorge Helder mergulha nas raízes do Nordeste no álbum autoral "Caroá"

Músico cearense Jorge Helder retorna às suas origens nordestinas em novo álbum autoral de músicas instrumentais
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Jorge Helder é parceiro de longa data de Chico Buarque e lança em 2022 seu segundo disco de músicas autorais (Foto: Gabriela Perez/Divulgação)
Foto: Gabriela Perez/Divulgação Jorge Helder é parceiro de longa data de Chico Buarque e lança em 2022 seu segundo disco de músicas autorais

“Achar um nome para uma música que não tem letra é muito difícil”. Quando o baixista cearense Jorge Helder repercute os processos de construção de seu novo álbum autoral, não deixa de falar sobre o cuidado que deve seguir ao nomear suas músicas. Instrumentais, elas carregam consigo caminhos sonoros sem o uso da voz. Por isso, precisam transmitir suas mensagens “apenas” por suas linhas não escritas.

Isso não bloqueia, porém, a necessidade de uma pesquisa mais profunda para adequar o título da música à proposta imaginada. Diante disso, nasceu o disco “Caroá”, cujo nome remete a uma planta típica de áreas de Caatinga, traços fortes vistos no Nordeste. Resgatando suas origens, o músico lançou o trabalho nas plataformas de streaming na última sexta-feira, 21.

O álbum conta com oito canções e reforçam o lado compositor do músico parceiro de artistas como Caetano Veloso e Chico Buarque. Helder estará nos shows do cantor e compositor carioca em Fortaleza neste fim de semana. Hoje com 60 anos, Jorge se dedica há mais de quatro décadas à música, se consagrando como um dos maiores da música brasileira.

Ao comparar o atual lançamento com o seu álbum de estreia, intitulado “Samba Doce” e lançado há dois anos, Jorge lembra do caráter de “festejo” da primeira produção em meio aos seus 40 anos de carreira. A obra inteiramente autoral passeia pelo campo do samba-jazz.

“Foi um projeto muito audacioso, que levou por volta de três a quatro anos. Como primeiro álbum, queria fazer exatamente isso, algo mais comemorativo. Esse novo disco, não. Eu queria trabalhar algo mais voltado para a música instrumental mesmo”, avalia.

Para desenvolver este novo disco, Jorge deixou a inspiração fluir a partir de seu trabalho com o arranjador e compositor baiano Letieres Leite, que faleceu por Covid-19 em 2021. A parceria já havia aparecido em dois discos de Maria Bethânia, e a admiração pelo artista era grande.

“Além de um grande músico, ele era um historiador da origem da música brasileira, de onde veio toda a nossa história desde a chegada dos africanos com todas as influências rítmicas que nós adquirimos aqui. Então, esse músico me inspirou muito a compor e a fazer um novo projeto. A minha intenção, a princípio, era gravar algo com ele”, relata Jorge.

Ao longo do período mais crítico da pandemia, em que foi necessário se isolar dentro de casa, Jorge compôs as oito canções que formam “Caroá”. Foi pesquisando sobre suas origens nordestinas que Jorge teve a ideia de “Caroá”. Observando em seu horizonte “a maior referência do baião”, o pernambucano Luiz Gonzaga, o cearense mergulhou em buscas sobre suas raízes. “Comecei a ler bastante sobre a vida do Luiz Gonzaga e aí veio essa flor do caroá, uma flor rosa que achei linda. Decidi ler mais sobre essa planta e vi a respeito da vida das pessoas que trabalham com caroá. Então, fiquei muito motivado e emocionado com essa história, e aí dei esse nome à música”, revela.

Jorge garante que esse resgate à sua terra foi “muito importante”. Aliás, também é possível dizer isso sobre as parcerias presentes neste trabalho. O baixista convidou o saxofonista Zé Nogueira, o músico, cantor e compositor Sérgio Santos, a cantora Mônica Salmaso (que se apresenta no show de Chico Buarque neste fim de semana) e o cantor e compositor Zé Renato. Os três últimos contribuíram com vocalizes nas músicas inéditas.

“Sou muito fã de todos esses músicos que participaram do meu disco, são também grandes amigos meus. É importante para dar movimento ao disco, é interessante que existam novidades nesse projeto”, pontua.

Para além de reforçar uma parceria construída desde 1993, o show de Chico Buarque neste fim de semana em Fortaleza será importante para Jorge por poder voltar à sua terra natal. “Muito feliz de poder voltar a tocar em Fortaleza com esse grande artista brasileiro que é o Chico Buarque, principalmente agora que estamos vivendo um momento de definição para o nosso futuro. Espero que tudo fique bem e que não voltemos a ter medo de uma ditadura”, afirma.

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Faixa a Faixa, por Jorge Helder

Caroá: É um baião muito influenciado por Luiz Gonzaga, mas no qual continuo com a minha característica harmônica.

Santos de Casa (Part. Sérgio Santos): é uma homenagem a Moacir Santos e Letieres Leite. Quem interpreta é o Sérgio Santos. Achei um nome bem apropriado para a música. Influência direta de Moacir Santos interpretada pelo Sérgio Santos.

Tutty: Homenagem ao Tutty Moreno, baterista e marido da Joyce Moreno. Um músico com o qual fiz muitas turnês mundiais. Uma pessoa maravilhosa e um ser humano incrível. Essa é a minha homenagem a ele.

Lugar Sem Tempo (Part. Mônica Salmaso): Foi o título mais difícil de achar, porque é uma canção em forma de samba lento. Conversando com minha filha, ela concordava que tinha um certo romantismo associado a uma nostalgia, e aí eu comecei a ler sobre esses temas. Eu pesquisei a definição de romantismo, que envolve lugares e épocas diferentes. Como a música é uma coisa atemporal, você pode ouvi-la no século 17 ou no século 21, eu conciliei essa definição de romantismo e chamei de "Lugar Sem Tempo".

Impressão Perfume (Part. Zé Nogueira): Mostra a minha admiração pelo impressionismo na música, um estilo muito baseado no intervalo de tons inteiros, ou seja, em vez de você ter uma escala "Dó, Ré, Mi, Fá, Sol, Lá, Si, Dó", você tem sempre "Dó-Ré", um tom de diferença, "Ré-Mi", um tom de diferença… Essa é uma das características do impressionismo, e essa música começa exatamente com esses tons inteiros no piano.

Confluências: É uma comparação com a confluência de rios. Chega um ponto que eles se encontram. Essa música tem esse lado de caminhos diferentes na música. O piano faz uma pergunta e a guitarra responde ou o contrário, e vão andando em paralelo. Depois, vem um contrabaixo fazendo uma outra coisa, questionando o que eles estão conversando. Mas, no final da música, todos tocam a mesma coisa. O nome veio exatamente inspirado na música e nos rios brasileiros.

Miguilim (Part. Zé Renato): Um dia eu peguei o livro "Manuelzão e Miguilim", de Guimarães Rosa, e comecei a ler. O nome "Miguilim" ficou muito na minha cabeça. Eu comecei a tocar no violão, com ele na minha cabeça, e isso soou como música (a partir da repetição do nome). Acabei fazendo uma música com essa métrica.

À Margem: Uma balada brasileira em forma de samba-canção, um estilo de música que as pessoas não escutam nem produzem tanto - ou, se fazem, não têm oportunidade de mostrar em um veículo de comunicação. Parece que a canção brasileira não tem mais lugar, e aí ela está à margem. 

Capa do álbum
Capa do álbum "Caroá", do cearense Jorge Helder

Caroá

Onde escutar: 
orcd.co/caroa

 

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