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Raymundo Netto celebra 15 anos como cronista do Vida&Arte
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Raymundo Netto celebra 15 anos como cronista do Vida&Arte

Escritor publica textos quinzenalmente: "A literatura não abre mão de ser livre"
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Raymundo Netto é cronista e gerente editorial e de projetos da Fundação Demócrito Rocha (FDR) (Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS Raymundo Netto é cronista e gerente editorial e de projetos da Fundação Demócrito Rocha (FDR)

Num diálogo vivo entre a memória, a cidade, a cultura e o fantástico, o escritor Raymundo Netto celebra quinze anos de crônicas publicadas no Vida&Arte. Desde 2007, o autor se inspira no cotidiano da capital cearense para a criação de narrativas astuciosas.

Autor de obras premiadas, como “Um Conto no Passado: cadeiras na calçada”, vencedor do edital de incentivo às artes da Secretaria da Cultura do Estado do Ceará (Secult Ceará), Raymundo atuou como jornalista, editor e produtor cultural. Atualmente, desenvolve trabalhos como gerente editorial e de projetos da Fundação Demócrito Rocha (FDR).

Para comemorar a duradoura colaboração, o cronista concedeu uma entrevista em que comenta, entre outros assuntos, sobre o contexto sociocultural do País, o papel da crônica na vida dos brasileiros e seus próximos lançamentos.

O POVO - Você já se autocensurou por achar que não deveria tratar determinado tema em seus textos?

Raymundo Netto - É possível até que em algum momento isso possa ter acontecido, sim, tomando algum arroubo por um motivo diverso, mas geralmente não sou disso. Acredito que essa liberdade que o próprio jornal me permite, deve ser explorada, e que os leitores gostam disso, dessa eloquência, mesmo quando ela chega para eles, no mínimo, trajado de sarcasmo ou ironia.

OP - De que modo a fabulação do real ajuda na construção de textos que abordam o presente palpável?

Raymundo - O fantástico, o absurdo, o estranho, enfim, esses gêneros e subgêneros são muito atrativos e provocadores desde o século XIX. Quando fui convidado a escrever os textos que originaram o Crônicas, tinha uma exigência editorial: o cenário de Fortaleza. O resto era por minha conta. Na primeira crônica, bati um papo com a estátua da Rachel de Queiroz sobre crônicas, depois nos chega um ET no Benfica quando o mundo acabou. Cruzei a cidade com um José de Alencar de tênis e mochila. Assisti à luta de José Alcides Pinto contra o Dragão de Sobral. Deparei-me com um espantalho que tinha a cara do Francisco Carvalho e com uma barata falante que era mesmo que ver o Airton Monte... Daí continuaria a encontrar com cronistas vivos ou mortos do Ceará, nas ruas de Fortaleza, em situações absurdas, mas baseando-me sempre em algo que acontecia na cidade. A verdadeira cidade parecia ser essa aparentemente irreal.


OP - Ao longo dos últimos quinze anos escrevendo para o Vida&Arte, qual texto mais te marcou e por quê?

Raymundo - É uma pergunta extremamente difícil. Nem sei quantos textos escrevi até então nesses 15 anos. Entretanto, posso assegurar que desde a primeira crônica publicada eu tinha um projeto literário. Não é à toa que a maioria delas, após um descanso merecido, enveredaram para enfeixar livros, como é o caso do “Crônicas Absurdas de Segunda” (EDR, 2015), ganhador do edital de incentivo às artes da Secult 2015 e finalista do Prêmio Jabuti de Literatura em 2016, e o “Quando o Amor é de Graça!” (EDD, 2019), ganhador do edital de incentivo às artes da Secult 2017. E nesses 15 anos, mudei aqui e acolá de estratégia, temática, estilo, por necessidade própria de experimentar, de exercitar-me, por curtição mesmo, pois eu curto escrever, não me sinto obrigado a nada. Não tenho pretensão nenhuma, nem carrego a ilusão cor de rosa de que escrever ou publicar é um sonho. Não, mesmo. A única ambição que tenho é ser lido pelo maior número de pessoas possível, desde que não tenha que ser outra pessoa para isso.

OP - Na sua opinião, por que a crônica continua sendo consumida mesmo após o fechamento de vários veículos impressos?

Raymundo - A crônica, apesar de ter surgido, pelo menos se popularizado, no veículo jornal, independe completamente dele. Muitos de nós, leitores de crônicas, as conhecemos já impressos em antologias famosas, por meio de vozes como Rubem Braga, Nelson Rodrigues, Cecília Meireles, Sérgio Porto/Stanislaw Ponte Preta, Rachel de Queiroz, Luís Fernando Veríssimo, Paulo Mendes Campos, entre tantos outros. Claro que muitos desses textos saíram de páginas de periódicos antes de pousar em livros. Sabemos disso. Mas é um gênero muito fácil de ser acolhido, mesmo pelos leitores menos proficientes, por isso muito utilizado em salas de aula, devido às suas características, como a de ser um texto curto, de construção simples, permitindo fluidez na leitura, com vocábulos comuns e termos coloquiais, e geralmente em torno de temas e situações corriqueiras do cotidiano. Além de, boa parte delas, se sustentarem no humor, coisa que o brasileiro gosta demais, e a crônica, como hoje a conhecemos, é mais brasileira do que qualquer outra coisa.

OP - Diante das mudanças no mercado jornalístico, e de um governo que negligenciou a cultura nos últimos anos, qual a importância crítico-social das crônicas?

Raymundo - A literatura, assim como a arte e as baratas, sobreviverá. Como disse, independentemente do jornal ou mesmo do papel, do impresso, a crônica resistirá, continuará a ser escrita e lida. E devido à ausência de limites e hibridismos, ela há de sempre conquistar o mundo, incomodando-o, provocando-o, denunciando-o, fazendo-o pensar ou simplesmente trazendo de volta a cor a corações destintos.


OP - O que os leitores podem esperar de “Fantásticos” e “Coisas Engraçadas de não se rir”?

Raymundo - Voltando ao que afirmei sobre escrever sempre pensando em um projeto literário, esses dois novos títulos, que espero serem lançados em 2023, me chegaram assim. “Fantásticos” é a reunião de contos no gênero, ou bem próximos a ele, com características diversas, empregando alguns dos elementos sobrenaturais, horror, suspense ou mesmo de estranhamento ou fantasia, mas com um tempero nosso, por vezes fugindo do clássico. A literatura não abre mão de ser livre. Já “Coisas Engraçadas de não se rir” é uma reunião de crônicas, também publicadas anteriormente no jornal O POVO, que levanta o tapete da sala de estar e revela o que escondemos por debaixo dele: o ridículo da humanidade. É uma obra mais humorada, às vezes até picante, despudorada, usando da comédia, da ironia e de muito exagero para interpretar o ser esquisitoide que somos. E o que eu espero: que as leitoras e leitores se divirtam, que curtam, e que essas leituras acrescentem algo na forma como eles veem o seu entorno e como se comunicarão com ele depois de. A vida é curta, mas a arte transcende tudo isso.

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