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"Morro do Ouro": peça de Eduardo Campos marcou o teatro cearense
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"Morro do Ouro": peça de Eduardo Campos marcou o teatro cearense

Peça mais premiada de Eduardo Campos, "O Morro do Ouro" marcou a história do teatro cearense com drama que mostra realidade da periferia de Fortaleza
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Jorge Mello e Belchior foram compositores e intérpretes das músicas da peça
Foto: Arquivo Instituto Eduardo Campos/Reprodução Jorge Mello e Belchior foram compositores e intérpretes das músicas da peça "O Morro do Ouro"; foto de 1972

É fato que Eduardo Campos se notabilizou por diferentes trabalhos ao longo de sua trajetória, mas um deles recebe atenção ainda mais especial. Seja pelas discussões propostas, pela quantidade de montagens ou pelos prêmios recebidos, o espetáculo "O Morro do Ouro" é ponto bastante significativo não só na biografia do dramaturgo, mas na história do teatro cearense. Não à toa há, hoje, o Teatro Morro do Ouro, conhecido também como anexo CENA, no Theatro José de Alencar (TJA).

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A primeira versão da peça estreou em 11 de julho de 1963 e foi montada pelo grupo Comédia Cearense, criado pelo ator e dramaturgo Haroldo Serra. Na época, contou com elenco formado por nomes como Afonso Barroso, Tereza Bithencourt, Edilson Soares e Haroldo Serra. Como aponta o livro "Teatro Completo de Eduardo Campos", o espetáculo lotou o TJA ao longo de três meses e foi sucesso absoluto, extrapolando até o campo teatral.

O drama realista que alterna com a comédia retrata a realidade da periferia de Fortaleza. O trabalho busca falar sobre o cotidiano da comunidade do Morro do Ouro, no bairro Jacarecanga. Na trama, é apresentado o conflito de Madalena, prostituta do local, com a chegada repentina de sua mãe, Elvira, beata do Cariri. Enquanto isso, Zé Valentão, seu amante e contrabandista, quer a Madalena "de antes" de volta, mas ela resiste.

Na peça, são apresentados detalhes sobre o dia a dia em uma favela e o contraste entre a periferia e a elite. Além desses personagens, surgem ao longo do enredo o bodegueiro Patrício, o Aleijado e outras pessoas que acabam representando papéis sociais, como assistentes sociais, lavadeiras e policiais. São incorporados também elementos folclóricos, como o bumba meu boi.

Ricardo Guilherme interpretou o cantor na versão de 2017 da peça "O Morro do Ouro", de Eduardo Campos(Foto: Acervo Ricardo Guilherme/Reprodução)
Foto: Acervo Ricardo Guilherme/Reprodução Ricardo Guilherme interpretou o cantor na versão de 2017 da peça "O Morro do Ouro", de Eduardo Campos

Uma das várias montagens de "O Morro do Ouro" aconteceu em 2017, em uma curta temporada na qual foram celebrados os 60 anos da Comédia Cearense. O palco foi o Theatro José de Alencar. A versão teve novamente direção de Haroldo Serra e, apesar de introduzir novos atores para os personagens consagrados, trouxe de volta à cena também nomes importantes para o teatro cearense, como Ricardo Guilherme e Hiramisa Serra.

Quem tem lembranças marcantes sobre a peça em 2017 é o ator e apresentador Amenhotep Rodrigues, que viveu o contrabandista Zé Valentão. Esse foi o primeiro — e, até agora, o único —contato do artista com uma obra de Eduardo Campos. Ele relata as descobertas adquiridas ao longo do processo de montagem — natural de Juazeiro do Norte, diz que "aprendeu muita coisa" sobre Fortaleza com a peça, por exemplo.

"Eu achei bacana nesse texto do Eduardo Campos que ele valorizava essas personas do 'submundo', eram personagens humildes que viviam à margem da sociedade. Então, os textos dele, pelo menos
'O Morro do Ouro', valorizam as pessoas que vivem na periferia, com seus problemas de habitação.
Acho que o grande lance que me chamou a atenção na peça foi a valorização dessas pessoas", diz.

Hiroldo Serra interpreta Benjamin em curta "Eis-me Aqui"
Foto: Divulgação
Hiroldo Serra interpreta Benjamin em curta "Eis-me Aqui"

"O 'Morro do Ouro' é, talvez, a peça contemporânea mais importante da dramaturgia cearense. Acho que foi o grande divisor de águas do teatro cearense, porque vinha em um formato muito mais realista", afirma o ator, professor e diretor teatral Hiroldo Serra, filho de Haroldo Serra.

Se a relação de Amenhotep com o trabalho é marcante, pode-se dizer também que, para Hiroldo, o contato com a peça de Eduardo Campos foi especial. Ainda criança, na década de 1970, participou da obra em uma cena de cortejo de bumba meu boi. Em 2017, deu vida ao bodegueiro Patrício.

"O Eduardo Campos sempre teve uma preocupação social dentro das suas obras", indica. Ele também ressalta a importância do trabalho do dramaturgo. "A gente gosta da dramaturgia dele e vai levando a sua obra para as gerações futuras, porque é importante. Por isso, a gente sempre manteve na Comédia Cearense e nas escolas que eu ensino os trabalhos do Eduardo Campos", alega.

Parte importante da carreira de Ricardo Guilherme foi "O Morro do Ouro". Afinal, foi em 1973, quando estava com 18 anos de idade incompletos, que estreou na Comédia Cearense — onde trabalhou de 1972 a 1978, "não apenas em Fortaleza, mas também em excursões pelo Interior do Ceará e em vários festivais e temporadas nacionais".

Jorge Mello e Belchior foram compositores e intérpretes das músicas da peça "O Morro do Ouro"; foto de 1972(Foto: Arquivo Instituto Eduardo Campos/Reprodução)
Foto: Arquivo Instituto Eduardo Campos/Reprodução Jorge Mello e Belchior foram compositores e intérpretes das músicas da peça "O Morro do Ouro"; foto de 1972

Com o trabalho de Eduardo Campos, inaugurou também o Teatro da Emcetur (atual Teatro Carlos Câmara). "Outra vez estou no elenco, fazendo inclusive a abertura do espetáculo, o que me fez ser, portanto, o primeiro ator a representar naquele teatro", lembra. Dois anos depois, veio a chance de encenar a montagem em São Paulo, oportunidade na qual o ator esteve em cena e também foi assistente de direção.

Em 2017, durante as comemorações dos 60 anos de fundação da Comédia Cearense, Ricardo Guilherme volta a participar do elenco, cantando músicas que compõem a versão musical da peça, com trilha sonora composta por Belchior e Jorge Melo. Sem dúvidas, "O Morro do Ouro" não foi marcante "apenas" para o debate reforçado a partir do espetáculo, mas também para atores e diretores que dele participaram — de 60 anos atrás até hoje, um trabalho forte e inesquecível. 

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