Tendo as crianças cearenses como seu grande incentivo, uma professora da cidade de Sobral começou a desenhar o plano que acabou por se tornar uma das maiores políticas de educação pública no Brasil, o que fez com que a cidade passasse a ser referência nacional e o modelo que prioriza a alfabetização fosse replicado em diversos estados.
Quando criança, Izolda Cela podia não sonhar com isso, mas hoje ela é a primeira mulher governadora efetiva do Ceará — e uma das principais responsáveis por colocar o Estado nas primeiras posições de qualidade de ensino no País, o que a faz favorita a ministra da Educação no próximo governo Lula.
Maria Izolda Cela de Arruda Coelho nasceu em 9 de maio de 1960 no município de Sobral, a 230 quilômetros de Fortaleza, na região Norte do Ceará. É a segunda de uma família de cinco irmãos, frutos da união entre Maria Helena Cela (1928-2001), professora de ensino fundamental natural de Camocim, e Afonso Walter Magalhães Pinto (1916-1969), médico cardiologista de Santa Quitéria.
Reservada quanto à vida pessoal, possui poucos registros públicos sobre a infância e adolescência. Sabe-se, contudo, que a política está na veia: seu pai, que faleceu depois de nove meses enfrentando uma doença, disputou a prefeitura de sua cidade-natal e foi prefeito entre 1945 e 1946.
O avô, João Rodrigues Pinto, por sua vez, foi prefeito quiteriense por dois mandatos (1918 a 1920 e 1928 a 1930). Na família tem ainda o pintor Raimundo Cela, de quem é sobrinha-neta.
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Da mãe, Helena, puxou a paixão pelo magistério que fez com que se aprimorasse na área da educação e iniciasse, assim, sua bem-sucedida experiência como gestora.
Psicóloga por formação, graduou-se pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e especializou-se em Educação Infantil pela Universidade Estadual do Ceará (Uece).
Também possui especialização em Gestão Pública pela Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA), com o trabalho intitulado “A fé na escola que (não) ensina um recorte da experiência na gestão municipal de ensino em Sobral-CE”. Tornou-se professora do curso de pedagogia da instituição anos depois.
Izolda alcançou o título de Mestre em Gestão e Avaliação da Educação Pública pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), em Minas Gerais, com a dissertação “Rede de cooperação entre escolas: uma ação no âmbito do Programa Alfabetização na Idade Certa - Paic”.
Nos agradecimentos do trabalho, escreveu: “Ao Veveu – que sempre acredita que sou capaz e mobiliza condições para facilitar a minha vida –, aos meus filhos Hilda, Luiza, Clara e Pedro, e aos queridinhos Ernesto e Bernardo, de quem subtraio tempo e atenção, mas que me fortalecem pela inestimável experiência do amor incondicional”.
Casada há mais de 30 anos com o advogado e ex-prefeito de Sobral, José Clodoveu de Arruda Coelho Neto (PT), conhecido como Veveu Arruda, Izolda tem quatro filhos.
Atuou como psicóloga escolar no Colégio Sobralense (1986 e 1988), integrou a diretoria pedagógica da Escola Arco-íris (1989), e adquiriu experiência clínica no atendimento a crianças ao fazer parte da Clínica de Desenvolvimento Integrado (1991 e 1995).
Na universidade, exerceu o cargo de pró-reitora adjunta de extensão e coordenou o Programa Alfabetização Solidária desde a implantação, em 1997, até dezembro de 2000.
Entre 1995 e 1997, integrou a equipe de apoio pedagógico do Caic, escola municipal de ensino infantil e fundamental vinculada ao curso de pedagogia. Lá, trabalhou como orientadora de professoras de primeira série na área da Psicogênese da Língua Escrita.
A professora e psicóloga Izolda Cela iniciou sua trajetória política em 2001, ao assumir o cargo de Subsecretária de Desenvolvimento da Educação na gestão municipal de Sobral. O então prefeito era Cid Gomes (PDT) e o titular da Secretaria era seu irmão, Ivo Gomes.
Na ausência de Ivo, que saiu para concorrer a deputado estadual, Izolda desenhou e colocou em prática um plano com estratégias traçadas para alfabetizar as crianças sobralenses na idade certa — na época, cerca de metade dos alunos da terceira série (2º ano do fundamental) terminavam o ano sem saber ler ou escrever.
No livro “País mal educado: Por que se aprende tão pouco nas escolas brasileiras?”, Daniel Barros ilustra a situação com um exemplo: “a sala do ex-prefeito Veveu Arruda tinha um contracheque do salário de um ex-diretor que colocava a impressão digital no lugar da assinatura porque era analfabeto — uma lembrança de como a educação já foi horrível em Sobral”. Veja o que escreve o autor:
Com o diagnóstico em mãos, a partir dali a alfabetização passava a ser prioridade. Cela trabalhou baseada nos principais pilares do projeto: crianças em séries avançadas e com defasagem no aprendizado tinham uma atenção especial, enquanto educadores cumpriam rotina comum a todos e recebiam bonificações se atingissem as metas, dentre outras políticas.
O projeto ganhou corpo e críticas contra as ações começaram a surgir entre pedagogos e professores. A principal queixa era de que, ao exigir o cumprimento de aulas previamente planejadas, a iniciativa limitava a criatividade.
Mas o resultado foi expressivo: em quatro anos, o índice de alfabetização na cidade cresceu 140% e, ao final da sua gestão, mais de 90% dos alunos da primeira série sabiam ler e escrever.
A educadora detalha que foi fundamental “alardear aos quatro ventos do município que grande parte das crianças estava analfabeta ou semi-alfabetizada ao longo do ensino fundamental. Os quatro ventos do município representam todos aqueles que precisam conhecer a realidade com mais propriedade, tomar consciência da gravidade e responsabilizar-se pela parte que lhe cabe: gestores públicos, equipe técnica da secretaria, diretores das escolas e a equipe escolhida por eles, professores, pais, a universidade e a comunidade”.
Após o término do mandato de Cid na prefeitura de Sobral, Leônidas Cristino (PDT) foi eleito e convidou a professora para assumir a chefia da Educação do município, função que foi exercida até 2006.
Devido ao bom desempenho das políticas implementadas, Sobral passou a se destacar como exemplo de política educacional de sucesso no Brasil.
Em um artigo publicado em 2005, Izolda registra: “A experiência vivida em Sobral na gestão 2001/2004 nos dá evidências de que a potência que as pessoas mobilizam quando se comprometem verdadeiramente com suas metas está diretamente relacionada à tomada de consciência da realidade”.
“Partir da realidade, por mais indesejável que ela seja e por mais custoso que nos pareça, é a condição imperiosa para que possamos intervir eficientemente e transformá-la. Isso vale até para as coisas da alma e é condição para a saúde. O sistema público de educação do Ceará precisa, portanto, olhar sem medo o reverso dos seus dados”, completa.
Naquela altura, Cid Gomes venceu as eleições para governador e o bom desempenho fez com que Izolda e sua equipe fossem convidados para comandar a Secretaria da Educação do Ceará (Seduc). Ela ocupou o cargo entre 2007 e abril de 2014.
Durante o período, estendeu as experiências com alfabetização de crianças para todo o Ceará e transformou o Paic em política pública do governo, o que ajudou a tornar o estado reconhecido nacionalmente como referência em educação pública de qualidade.
O projeto nasceu como uma cooperação entre estado e municípios com o objetivo de alfabetizar alunos da rede pública de ensino até o fim do 2º ano do ensino fundamental.
Uma pesquisa realizada por pesquisadores brasileiros, chilenos e franceses mostrou, em números, como o projeto reduziu desigualdades como a causada pela distorção idade-série e aumentou o nível de aprendizagem estudantil: quando o programa foi instituído, em 2007, apenas 39,9% dos estudantes terminavam o 2º ano sabendo ler e escrever; em 2019,o índice passou a ser de 92,7%.
A partir disso, o ideia que surgiu em Sobral também serviu como base para a construção do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic), em 2013, pelo Ministério da Educação (Mec).
O programa nacional é um compromisso formal assumido pelos governos estaduais, municipais, do Distrito Federal e a União com a meta de alfabetizar todas as crianças com até os oito anos de idade até o final do 3º ano do ensino fundamental.
Izolda só saiu da função para concorrer à chefia do executivo estadual na chapa com Camilo Santana em 2014. Casada com Veveu Arruda (PT), ex-prefeito de Sobral, Izolda já estava familiarizada com o ambiente político, mas essa foi a primeira vez em que concorreu a um cargo eletivo.
Filiada ao Partido Republicano da Ordem Social (Pros), tornou-se a primeira mulher vice-governadora do Ceará na chapa encabeçada por Camilo Santana (PT) pela coligação Para o Ceará Seguir Mudando.
Alcançando a soma de 2.039.233 votos no 1° turno, 47,81% dos votos válidos, e 2.417.668 votos no 2° turno, 53,35% dos votos válidos, a chapa venceu a eleição estadual. Desde então, atua no acompanhamento e no apoio às políticas sociais implementadas pelo governo.
No ano de 2015, Izolda passou também a ser a primeira mulher a assumir o executivo do Estado, em virtude de viagem de Camilo durante uma semana. Nesse período, os resultados na alfabetização no Ceará alçaram Cid Gomes ao posto de ministro da Educação no governo de Dilma Rousseff (PT).
Discreta e de fala mansa, Izolda Cela raramente dava entrevistas e sequer estava nas redes sociais. O primeiro post de seu perfil do Instagram é de março de 2021.
Quando seu nome começava a se tornar conhecido, uma divertida coincidência: viralizou na internet a gravação de uma suposta ligação entre uma cliente da Coelce (antiga companhia de energia) e uma atendente, que tem crise de riso quando a usuária diz seu nome. O “que diabo é Izolda?” se tornou um bordão local.
Nas eleições estaduais de 2018, Izolda concorreu novamente ao cargo de vice-governadora do Estado do Ceará na chapa do governador Camilo Santana. Concorrendo agora no Partido Democrático Trabalhista (PDT) pela coligação Por um Ceará cada vez mais forte, foi reeleita já no primeiro turno das eleições.
Desde então coordena programas importantes como o Pacto por um Ceará Pacífico, onde virou símbolo de como as políticas integrais de prevenção substituíram a política de segurança pública de contenção que marca o governo Camilo Santana. No programa, ela tenta repetir o êxito do Pacto pela Vida pernambucano, que tem foco em combater a violência por meio de ações preventivas e de cuidado com as populações mais vulneráveis, garantindo a elas o direito à proteção, ao amparo, à defesa e à justiça.
Em 2021, o Governo do Estado aprovou um projeto que poderia dar novo impulso ao Ceará Pacífico, sob a forma do Programa Integrado de Prevenção e Redução da Violência (PReVio). O programa visa a qualificação da prevenção social e segurança pública com foco em públicos específicos e quase sempre esquecidos pelos governantes, como crianças, jovens, adolescentes gestantes, egressos do sistema socioeducativo, população LGBT e mulheres em situação de violência.
No mesmo ano, depois de ter seu carro roubado por três adolescentes, Izolda fez um relato sobre o ocorrido nas redes sociais e aproveitou o momento para compartilhar uma reflexão acerca da importância das pautas sociais e políticas de prevenção para que jovens não sigam para a criminalidade. “Infelizmente os desafiadores contextos sociais nos sujeitam a estas tristes situações, a despeito de toda a luta e dedicação de tantos bons profissionais. A nota triste da história é verificar o envolvimento de pessoas jovens, tão jovens…”, escreveu.
A então vice-governadora, que estava acompanhada do filho durante o assalto, continuou: “a Segurança Pública do Ceará está em constante movimento de aprimoramento de seus serviços. Mas essa problemática não se reduz a um ‘caso de polícia’. Os cuidados com a primeira infância, a boa escola, as oportunidades para a juventude, a identificação daqueles mais vulneráveis… a nossa agenda precisa continuar sempre firme. Para além disso, seguir melhorando o sistema de medidas sócio-educativas para que eles possam responder pelos praticados (sim, eles não são coitadinhos, e devem ser chamados à responsabilidade); mas que façam isso com chance de reorganizar os seus projetos de vida”.
A política reforça que, afim de evitar tais atitudes na população mais vulnerável, é necessário investir em cuidados com a primeira infância, na boa escola, oferecer oportunidades para a juventude e identificar a população que vive nesta situação.
Em 2022, Izolda Cela se torna a primeira mulher governadora efetiva do Ceará em 489 anos depois de Camilo Santana renunciar ao cargo de governador para concorrer ao Senado Federal.
A expectativa era de que ela disputasse a reeleição nas eleições estaduais de 2022, mas Roberto Cláudio foi escolhido pelo PDT. Ela declarou que respeitava a decisão, mas terminou desfiliando-se do partido. O ex-governador Camilo Santana, agora Senador, se manifestou horas depois do anúncio: “Lamento muito que a primeira mulher governadora do Ceará não poderá concorrer à reeleição, após decisão do PDT. Siga firme, Izolda”.
Nas redes sociais, deputadas, vereadores e até a filha da governadora, Luísa Cela, classificaram o ato como violência política de gênero. O episódio marcou o racha entre PT e PDT, partidos que foram aliados durante décadas. Izolda declarou apoio a Elmano de Freitas (PT), que foi o candidato vitorioso no mesmo pleito que fez de Lula presidente mais uma vez.
O nome da governadora, então, passou a ser cotado como um dos principais para titular do Ministério da Educação (Mec).
Essa não seria a primeira vez que Izolda é convidada para integrar o Mec: em 2012, foi chamada para assumir a Secretaria Nacional de Educação Básica do Ministério, mas recusou para continuar o trabalho desenvolvido no Estado.
Se a perspectiva se concretizar, Izolda passa a ser a segunda ministra da Educação na história da República. Esther de Figueiredo Ferraz foi a primeira mulher a ocupar o cargo em ministérios, durante a Ditadura Militar, na gestão do general João Batista Figueiredo.
Veja a trajetória política de Izolda Cela nesta linha do tempo:
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