Ao recontar em entrevista ao Vida&Arte um momento de virada na própria trajetória, o artista cearense Neto Holanda pontua: "Foi um marco para mim como palhaço e como pessoa — o que não tem muita diferença (risos)". Com quase 15 anos de atuação na arte e cultura do Estado, ele tem percursos em plena conexão como palhaço e professor. Em ambos os caminhos — que também são, de certa forma, um só —, o artista comprova a importância do contato com diversas experiências formativas.
O "marco" especial referido anteriormente ocorreu em 2016, quando Neto viajou para Campinas e passou por uma formação com o ator, palhaço e pesquisador Ricardo Puccetti, da companhia Lume Teatro. O cearense define o momento como um "reinício" na palhaçaria. O início da história, porém, data de 2009, quando, ainda estudante de licenciatura em Educação Física da Universidade Estadual do Ceará, Neto se aproximou do projeto de extensão Humanização com Artes na Saúde (Humanartes).
"Me inscrevi sem saber muito bem do que se tratava. Sabia que era com arte e com palhaços, mas nunca tinha feito isso. Foi um chamado. A partir desse chamado, me apaixonei", rememora. Após uma capacitação inicial, teve a primeira "intervenção" como palhaço. "Percebi o meu coração esquentar, se encher de muita realização. Me deixei guiar pela intuição desde então", considera.
Neto concluiu o curso universitário, mas a partir do contato inicial seguiu acumulando outras experiências formativas na palhaçaria com nomes importantes a nível local, nacional e internacional, como Samia Bittencourt, Cláudio Ivo, Fred Raposo e Chacovachi. Chegar a Campinas e Puccetti, porém, teve peso especial pelo contexto.
Então concursado da prefeitura de Maracanaú, onde mora até hoje, Neto pediu exoneração para fazer o curso. "Percebi que muitas coisas que eu compreendia como "corretas" talvez não fossem exatamente o caminho. Tive que zerar a vida — profissionalmente, pessoalmente e também como profissional palhaço", considera.
"Foi renascimento, reinício. Percebi o quanto não sabia de muita coisa, me frustrei e entendi que, no meu caso, esse foi um caminho importante para ser palhaço: assumir o fracasso e enxergar poesia nele, transformando a situação a partir de um estado de ludicidade que trouxesse outro significado àquela frustração. De lá para cá, transformei e sigo transformando essa e quaisquer outras frustrações em trabalho", compartilha.
Não por acaso, foi em 2017, pouco depois da experiência formativa transformadora, que Neto concretizou um sonho que descreve como "um projeto de vida": a criação da Academia do Riso. Primeira escola extensiva de palhaçaria do Norte-Nordeste, a iniciativa é, hoje, referência na região e está na 10ª turma.
"Depois de uma busca — que, claro, ainda segue — muito sedenta por mim mesmo e por me encontrar profissional e pessoalmente, a Academia me entregou isso. É um projeto onde posso colocar todas as minhas habilidades e desejos. Além da intuição e de querer dar aula, o que me fez gestá-lo foi um fato muito prático: a pouca disponibilidade de cursos na área em Fortaleza e no Nordeste em geral", explica.
"Via muita gente fazendo grande esforço para ir ao Sudeste, Sul ou Centro-Oeste para poder estudar, sendo que aqui, como terra do humor, havia grande potencial e gente boa para isso", segue Neto. A primeira turma teve formação de três meses. Hoje, são seis.
Avaliando o cenário de formações em palhaçaria, Neto vê melhorias com o tempo. "Elas eram pontuais, de poucas horas, demoravam para acontecer de novo e, não raro, eram ofertadas de maneira independente", relembra. Entre iniciativas atuais, Neto cita, entre inúmeros outros exemplos, a Escola Pública do Circo da Vila das Artes, de formação técnica e profissionalizante; a Universidade das Artes, do K'Os Coletivo; e o Colaboratório de Arte Circense do Galpão da Vila.
O artista reconhece o fortalecimento do circo e da palhaçaria, o que considera fruto de movimentos anteriores que cobraram a inclusão da linguagem em editais e mais espaço de formação e fruição em gestões e instituições, sejam públicas ou privadas. Entre caminhos profissionais possíveis, há a presença em programações, circulação em eventos locais e nacionais e pesquisa acadêmica.
Apesar das melhorias, a centralização de oferta na Capital segue comum. "Moro numa cidade tida como uma das mais ricas do Ceará (Maracanaú), mas pouquíssimo do dinheiro é direcionado para políticas culturais eficientes e eficazes", critica.
Neste contexto, a Academia do Riso desponta como elemento motivador para Neto seguir na luta por mais espaço e oportunidades para o circo e a palhaçaria. "O que me fez continuar é a manutenção do desejo interno, alimentado pela quantidade de alunos que puderam dar outro direcionamento aos próprios projetos — seja para serem palhaços ou aplicarem a palhaçaria de outra forma nos trabalhos ou vida cotidiana. Isso me move muito", celebra.
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