Em meio à correria do Centro, a criação artística encontra um espaço para fluir. Esse é o Palácio Progresso, o primeiro grande edifício comercial da Cidade. Idealizado pelo arquiteto e urbanista José Liberal de Castro e inaugurado no começo dos anos 1970, o prédio é um marco da arquitetura modernista cearense.
Desde 2017, o número 33 da Rua do Pocinho abriga vários ateliês de artistas visuais, que promovem semestralmente um evento aberto de visitação aos estúdios.
Uma das artistas que marcava presença nos Ateliês do Pocinho era Azuhli (1995-2024), a homenageada da quarta edição do evento "Ateliês do Pocinho - Abertos", que acontece no sábado, 27.
Este ano, os artistas buscam aprofundar o contato entre eles e o público, ampliando a conexão dos visitantes com as diversas formas de arte produzidas nas salas do edifício.
Sérgio Gurgel, o primeiro artista a chegar na rua do Pocinho, relembra que foi a convite dele que Azuhli chegou ao Palácio Progresso. Para ele, o ambiente favorece a troca e, ao dividir o edifício com profissionais liberais, o caráter da arte enquanto trabalho e meio de vida é fortalecido.
"Aqui a gente se ajuda, se visita, fala sobre materiais e o trabalho um do outro", destaca. Na primeira edição do evento, em 2022, Azuhli falou ao Vida&Arte sobre o papel dos Ateliês do Pocinho e a importância de apresentá-los ao público.
"É sobre chegar em um local e deixar as portas todas abertas para as pessoas irem passando e galgando seus próprios lugares, decidirem para si", declarou. Neste último ano, a artista atuou também como participante do Conselho de Leitores do O POVO.
A artista revelou ainda que tinha o sonho de que, um dia, o Palácio Progresso fosse aberto para outros artistas de Fortaleza.
A aspiração é compartilhada por Diego de Santos, que também ocupa um dos ateliês. Para ele, a expectativa para o evento é das melhores.
"Na última edição, contávamos com sete ateliês, agora quase dobrou, somos treze espaços de criação. E dessa vez o evento contou com a produção da Birô, produtora que também funciona nos Ateliês do Pocinho. Então, estamos mais estruturados, portanto, mais preparados para receber o público", afirma Diego.
A realização do evento já é um desejo antigo dos artistas que ocupam o Palácio Progresso. Abrir o ateliê ao público e integrar as diversas linguagens e pesquisas artísticas veio como um movimento natural, assim como o próprio equipamento.
Pioneiro, Sérgio Gurgel destaca que o movimento dos artistas não foi um projeto "escrito, desejado ou pensado". "Nós nos encontramos e resolvemos ficar próximos, justamente com essa ideia dessa rede de apoio, esse lugar seguro que a gente pode produzir", explica.
Diego ressalta que o projeto ganhou corpo quando mais artistas passaram a fazer parte dele. "Estávamos elaborando a primeira edição, com data marcada, quando Azhuli chegou somando e empenhando mais energia", relembra.
Ramon Alexandre reforça o empenho que a artista colocou na iniciativa de democratizar o acesso à arte. "O ateliê é o espaço onde acontecem todas as fases do nosso processo de criação. É o espaço mais íntimo do artista, e abrir as portas desse lugar é uma forma de trazer o público para conhecer o que está por trás do nosso trabalho", pontua.
Conhecida por seus traços fortes e uso de cores marcantes, a artista cearense estampou páginas do Vida&Arte desde a sua estreia, em 2018, chegando a ganhar uma capa especial em 2021.
Na ocasião, o caderno de cultura do O POVO apresentava obras de 14 artistas cearenses nas capas do jornal impresso. Entre os nomes selecionados, Azuhli compartilhou a imagem da tela "enquanto o sonho durar" para o projeto "Nosso Papel É Arte".
Suas últimas obras foram produzidas em uma das salas comerciais convertidas em espaços de realização artística. Ramon Alexandre dividiu o ateliê com a artista e diz que o processo foi "de muito crescimento". No local, além de pinturas, escritos e peças ainda inacabadas produzidas por ele, o público encontrará um espaço dedicado à memória de Azuhli.
Os outros artistas apresentam ainda instalações, esculturas, desenhos e fotografias, além dos trabalhos em tattoo-art e body piercing. Ramon destaca que os diversos espaços têm se expandido e chegado a outros profissionais, como Sara Costa, que participa do evento como artista convidada.
"Enxergo tudo isso como uma forma de crescimento da área e do nosso movimento, que só é possível graças a artistas como a Azuhli, que acreditam nele", finaliza Ramon.
Em cada processo de criação, os artistas imprimem assinaturas e características diferentes. Azuhli era a pintora do amor, das cores vibrantes, da multiplicidade de identidades e da liberdade.
"Nós seremos nós mesmos, continuaremos firmes e fortes aqui, em nome dela também, com a nossa linguagem, com a nossa força e o espírito de artista, de cada ateliê daqui, que transborda e continua transbordando", afirma Sérgio Gurgel.
Azuhli era um anagrama para Luiza, o nome de registro da artista. A semelhança com o nome da cor não é coincidência, afinal, as cores eram seu material de trabalho. Em outros idiomas, como no inglês, a palavra que designa o azul, "blue", é frequentemente associada a um estado melancólico e pouco alegre.
No entanto, na língua portuguesa, não é incomum encontrar referências artísticas que encaram o azul como a cor da imensidão, especialmente relacionada ao céu e ao mar. Tim Maia, uma das vozes mais conhecidas da música brasileira, fez essa associação e cantava que ainda tinha muito para contar.
Em sua arte e nas relações que cultivou com os colegas e com o público, depositou seu motivo para sonhar. Com a primeira edição dos Ateliês abertos sem sua presença física, seus companheiros de arte ainda compartilham do sonho "Azuhli da cor do amar".
Ação "Ateliês do Pocinho - Abertos"