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E depois do filmepronto?
Vida & Arte

E depois do filmepronto?

A cadeia produtiva do audiovisual tem várias camadas e uma delas é a distribuição - pouco debatida, mas tão importante e desafiadora como a produção
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Foto: Divulgação/Marieta Rios "Cassimiro e a flor da Dona Flor", série cearense gravada na serra da Palmácia

Esta semana, no dia 15 de outubro, foi comemorado o centenário do audiovisual cearense. O marco vem em um ano em que produções do Estado ultrapassam fronteiras, chegando a outras regiões do País e mundo, como em maio, quando Karim Aïnouz levou o filme “Motel Destino” para Cannes, chegando a concorrer na categoria “Palma de Ouro”, a principal. A cadeia produtiva que leva até esse momento de holofotes, no entanto, não é decorada de flores ou aplausos.

Imagine-se como um diretor ou produtor audiovisual. Por meses, você trabalhou em um filme ou série, acompanhando de perto cada etapa, como roteirização, elaboração de cronograma, criação de figurinos e cenografia, filmagens e edição do material. Após horas de dedicação, sua obra está pronta. O que acontece agora? Para onde ela vai?

Uma produção original da Netflix, por exemplo, já tem um destino certo: o catálogo da plataforma de streaming. Ela será veiculada e disponibilizada para milhares de assinantes assistirem quantas vezes desejarem, em qualquer lugar do mundo. Além, é claro, da divulgação que acontece antes e depois da veiculação da obra, seja nas redes sociais, canais de televisão e até cartazes em algumas cidades.

Mas, como dito, este é um cenário imaginado para uma produção original de uma grande plataforma de streaming. A realidade tende a tomar um rumo diferente para muitos diretores e produtores independentes no Brasil.

Vamos utilizar outro exemplo, dessa vez de uma cearense. A série “Cassimiro e a flor da Dona Flor” é escrita e co-produzida por Ângela Escudeiro, que também participa da obra como atriz. Para ser realizada, ela participou em 2018 do edital do Programa de Apoio ao Desenvolvimento do Audiovisual Brasileiro (Prodav), que teve seu resultado divulgado apenas em 2020 e verba liberada em 2021. O projeto foi filmado em 2022.

Como previsto no edital, a distribuição da obra fica a cargo da EBC (Empresa Brasileira de Comunicação), que por dois anos disponibiliza as obras em um catálogo no seu site. Ele pode ser acessado por canais públicos, universitários e comunitários, que escolhem se desejam exibir uma obra. Caso se interessem, entram com um pedido formal de veiculação, sem a necessidade de pagamento de taxa.

Com o desejo de ter a série assistida no Ceará, Ângela procurou a EBC para entender como uma emissora local poderia ter acesso a produção. “Eles disseram que a TVC deveria procurá-los diretamente, e não eu enquanto produtora. Então, procurei a emissora e falei que a série estava disponível, caso se interessassem”, relembra.

O canal aprovou a ideia e, com toda a documentação aprovada, receberam um link que continha o material a ser exibido.Com a estreia na TV marcada para o dia 16 de abril de 2024, Ângela teve uma ideia para a divulgação do programa: uma pré-estreia com dois episódios no Cineteatro São Luiz quatro dias antes — pauta que foi aceita pelo equipamento.

“Mas para fazer o pré-lançamento, teria que ir a TVC com um HD próprio e copiar os episódios. Porém, como a série foi gravada em um sistema para televisão, tive que contratar um técnico para colocar no formato DCP, para cinema. Fui ao Cine São Luiz um dia antes da pré-estreia testar o som e, obviamente, não saiu em todas as caixas, pois foi gravado para TV”, detalha o processo.

Notaram algo? Ângela desde o início trilhou uma caminhada para garantir a exibição da série no Estado, procurando a EBC, depois a TVC e o Cineteatro São Luiz. Um processo complicado e cansativo para alguém que já esteve ligado a outros processos da obra.

Iris Sodré, diretora executiva da Gavulino Filmes, aponta que a distribuição “sempre foi um ponto problemático no elo da cadeia de produção do audiovisual”. Entre os pontos citados por ela, destaca que filmes produzidos no Ceará com editais locais, se deparam com a seguinte questão: encontrar uma distribuidora “que acredite que essas obras são viáveis no cinema”.

“Como são poucas distribuidoras no Brasil, elas vão procurar filmes com diretores premiados, com algum reconhecimento ou com temáticas mais nacionais. Fora do eixo Rio - São Paulo, ou das grandes distribuidoras, falando do universo das pequenas, elas vão buscar aquilo que sobrou, mas com temáticas e linguagens mais nacionais, e grande parte do nosso filme fica de fora delas”, elabora.

Outro tópico pontuado por Iris é a presença de muitas obras documentais no Estado, que não atraem o interesse de exibição da maioria das salas de cinema e, por tabela, também “inviabilizam o interesse das distribuidoras em assumir a distribuição dessa obra”.

“Os produtores ficam sozinhos tentando ganhar algum prêmio ou emplacar essa obra em algum festival, sem apoio de distribuidora, (apenas) o desejo de ver sua obra exibida. E depois essa obra fica meio parada, não consegue entrar em um cinema, ou quando entra, é em cinema de amigos ou locais”, arremata.

Olhando para as séries, o problema muda — a diretora executiva afirma que não há distribuidora de séries no País. As produzidas são, primeiramente, exibidas “no primeiro canal que ela foi destinada”, mas depois “fica parada sem uma sequência”.

“Acredito que na cadeia de produção do audiovisual brasileiro temos vários pontos a serem trabalhados e melhorados. Mas digo que a distribuição é um problema maior até que a produção”, sustenta.

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