Emanuele Santana guarda com carinho os amigos que fez na noite fortalezense. As passagens por espaços como Ritz Café, Mocó Studio, Barraca Biruta e Órbita Bar renderam, além de shows inesquecíveis, amizades que duram até hoje. “Existe a nostalgia desse tempo”, pontua.
O “tempo” ao qual se refere remonta a décadas atrás, quando estava em alta a cena do rock na noite da capital cearense por meio de casas variadas. Entre os anos 1990 - e até antes disso - e 2010, estabelecimentos ficaram marcados pelo espaço a um gênero em efervescência e a bandas e artistas consagrados ou iniciantes.
Praia de Iracema, Centro, Antônio Bezerra, Praia do Futuro ou Parque Araxá são apenas algumas das regiões que abrigaram casas históricas como Hey Ho Rock Bar, Noise 3D Club, Órbita Bar e Barraca Biruta. Mesmo anos após encerrarem as atividades - fosse por especulação imobiliária ou por mudança de consumo -, elas são lembradas com nostalgia e carinho.
Para além de abrigarem shows icônicos, elas foram importantes para formação de público e estímulo a artistas locais, que encontraram espaços para divulgarem suas produções. Não apenas no rock, tais casas seguem no imaginário da Cidade. Assim, O POVO lança série de reportagens sobre as memórias da noite fortalezense. Nos próximos episódios, você relembrará espaços importantes para o forró e para a música pop. Hoje, o destaque é o rock.
Foi por volta dos 18 anos que o produtor cultural e diretor na Rocks Produtora, Denor Sousa, 41, começou a frequentar a noite de Fortaleza. Influenciado pelo boom da MTV e do universo dos CDs, teve contato com diferentes casas de rock e a partir delas conheceu diferentes bandas.
“Ia muito para o Acervo Imaginário, Hey Ho, Órbita Bar, lembro de ter visto bandas que eu não esperava naquela época, como o Forgotten Boys. Sair de casa para esses lugares era sinal de que você encontraria bandas boas”, recorda. Nesses ambientes também fez amigos que o acompanham até hoje.
“Foi uma época bacana. Conseguia curtir muito. Era esperar o fim de semana e olhar para qual casa ir, onde estava a festa mais legal, se teria algo no anfiteatro do Dragão do Mar. Época boa de ficar à noite nessas casas e esperar amanhecer no Dragão”, acrescenta.
As lembranças da cena noturna do rock em Fortaleza também atravessam responsáveis por casas marcantes, como é o caso de Rafael Bandeira, um dos proprietários do Hey Ho Rock Bar, no Centro. O espaço foi aberto em 2003 e realizou shows independentes dos mais variados estilos.
O Hey Ho surgiu para “dar espaço para qualquer tipo de artista que não tivesse tantas oportunidades”, sendo, assim, um local alternativo que recebesse as bandas daquele período. Segundo Rafael, esse foi o objetivo principal durante os sete anos em que a casa ficou aberta.
Daquela época, lembra que as bandas tinham mais espaço para tocar e as pessoas saíam de casa para ver as bandas dos amigos. “Acho que hoje a cena tem uma resistência um pouco maior. As pessoas não buscam mais esse lance de conhecer coisas novas. O show é oportunidade de conhecer novos trabalhos”, opina.
Entre os artistas que já passaram pelo Hey Ho destacam-se Matanza (RJ), Ratos de Porão (SP), Dead Fish (ES), Sugar Kane (PR), Viper (SP), Fresno (RS) e Cidadão Instigado (CE). O estabelecimento também promovia outras atrações, como desfiles de moda, enfatizando a “pluralidade de manifestações artísticas” da época.
Os fatores que levaram ao fechamento do Hey Ho passam pela especulação imobiliária na região e também mudança de consumo do público no mercado fonográfico. Mas, para Rafael, o fim “não foi traumático”. No contraponto entre passado e presente, sua compreensão é de que Fortaleza continua com bons espaços para o rock.
“O mais importante é compreendermos que não adianta ter 30 casas de show se o público não frequenta as 30. O grande lance não é a quantidade. É reorganizar essa cadeia, essa forma de consumir música, porque continuamos com lugares, bandas e eventos legais na Cidade”, pondera.
Quem chegou a ser “vizinho” do Hey Ho foi o Noise 3D Club. O espaço surgiu em 2004 a partir de um projeto de festa itinerante e se tornou referência na cena alternativa e roqueira da Capital cearense. Um dos criadores do projeto, o produtor e DJ Dado Pinheiro lembra que o intuito era abrigar o público do indie rock que estava em alta na época.
Pelo Noise 3D Club passaram bandas como o Forgotten Boys - “lembrança inesquecível” e primeira apresentação do grupo em Fortaleza -, Moptop, Plastique Noir em seu início e Montage, com vocais do cantor cearense Daniel Peixoto.
“O primeiro show do Montage deu 30 pessoas. No segundo, não conseguimos segurar. Ele já estava virando o nome que foi. Vendíamos ingressos antecipados antes mesmo de quando a casa estava abrindo e segurávamos uma carga de 30 a 40 ingressos para quando chegasse a hora do show, porque sabíamos que teria mais gente”, relembra.
A casa encerrou as atividades em 2007, mas o projeto segue na ativa com festas itinerantes. Entre os maiores desafios para o espaço estiveram a falta de segurança no entorno do Dragão do Mar e o alastramento de “barracas clandestinas”, que vendiam bebidas e alimentos por preços muito menores, o que gerava uma concorrência desleal.
Outra casa que fez história no entorno do Dragão do Mar foi o Órbita Bar, idealizado em 1999 pelo artista plástico irlandês Sean Bolger e pela paulista Patrícia Carvalhedo. Após longa viagem de kombi pela Europa, decidiram “estacionar” e “criar raízes no Brasil”, para fundar um “espaço que fosse um ponto de convergência entre cultura, arte e música”.
O espaço já foi palco de shows de nomes internacionais como a banda francesa Nouvelle Vague e a americana Au Revoir Simone, além de artistas como Marcelo D2, Linn da Quebrada, Scalene e Supercombo. A casa também deu oportunidade para quem estava iniciando carreira, como a banda Selvagens À Procura de Lei e os cantores Matuê e Camila Marieta.
A mistura de shows autorais e covers, artistas consagrados e iniciantes, locais e nacionais colocou o Órbita em um ponto de referência em uma época em que a cena estava em plena efervescência, mas “que ainda carecia de espaços que oferecessem estrutura de qualidade e programação contínua”, na avaliação de Patrícia Carvalhedo.
Fechado em 2020, o Órbita Bar enfrentou vários desafios na sua trajetória, mas um dos mais marcantes “foi a mudança no comportamento do público e a degradação do entorno do Dragão do Mar”, com a “falta de resolução” do poder público para manter a área vibrante e segura. Assim, o negócio ficou “insustentável”. A pandemia “acelerou um processo que já estava em curso”.
Diante disso, Patrícia ressalta o legado das casas de rock: “Em um cenário onde a cultura nem sempre recebe o apoio necessário, essas casas eram uma prova viva de que é possível criar movimentos vibrantes e transformadores. O Órbita, em particular, não apenas refletiu a cena cultural de Fortaleza, mas também a moldou, deixando um legado que ainda ecoa na cidade e nos enche de orgulho”.
Vale ressaltar, porém, que os eventos do rock não se restringiam às casas. Como lembra o sociólogo e produtor cultural Amaudson Ximenes, eram destaques clubes sociais como Santa Cruz e Clube do América, no Centro, Internacional (Monte Castelo), Clube Tiradentes (Parque Araxá) e “outros clubes suburbanos”, como Memphis e Kelps Clube, no Antônio Bezerra.
Havia também espaços como o Duques e Barões — esse, por sua vez, frequentado pelo público LGBTQIA+ e pelo público do rock, punk e metal. Amaudson também é diretor presidente do Sindicato dos Músicos Profissionais do Ceará (Sindimuce) e fundador e guitarrista da banda Obskure. Sua ligação com o rock remonta ao início da década de 1980.
Assim, ao fazer uma “retrospectiva” de espaços marcantes para o rock em Fortaleza, passeia também pelos anos 1990, com barracas na Praia do Futuro como Loko Maluco e Tailândia, bem como a Igrejinha. Além disso, cita o Anima Café Concerto (gerido pelos irmãos de Ednardo) como local importante antes da ocupação da Praia de Iracema.
Depois, relata como “a cena e os grupos migraram para a Praia de Iracema”, como o Centro Massapeense, Padang Padang, Jokerman, El Bodegon e o Pirata. Na segunda metade dos anos 2000, destaca o Hey Ho, Noise 3D e Mocó Estúdio, além do Qualquer Coisa Bar e o Cidadão do Mundo, localizados no Benfica.
Ele aponta como motivos para a redução de casas nesse estilo “o crescimento das cenas musicais nos bairros, a especulação imobiliária, o zoneamento e a demarcação desses espaços por facções”, mas ressalta espaços públicos como o Centro Cultural Banco do Nordeste (CCBNB), que “passaram a acolher os grupos e o público”.
Amaudson também é criador da Associação Cultural Cearense do Rock (ACR), que surgiu para fomentar e organizar ações no campo do rock. A iniciativa formalizou o espírito coletivo de bandas e produtores locais e foi dessa experiência que nasceram o festival ForCaos e o projeto Sexta Rock, voltado à formação de plateias.
Assim, o músico defende a relevância das casas de rock nesse período: “A importância delas está ligada à formação de plateias voltadas para o trabalho autoral, a revelação de novos grupos musicais, bem como o fortalecimento do trabalho e da trajetória dessas bandas e da nossa cena musical”.
Para demarcar a trajetória e a importância do rock em Fortaleza, está sendo organizado o livro “Fortaleza Sônica”, que reúne 50 anos do gênero na Capital a partir da perspectiva dos músicos, produtores, jornalistas e radialistas que fizeram e fazem parte dela. Dos festivais dos anos 1970 com o rock progressivo às primeiras bandas indies nos anos 1990 e 2000, a obra demarca “como todas essas décadas têm em comum a resiliência dos músicos de abrir espaço onde não tem para conseguir tocar”.
A afirmação é de Alinne Rodrigues, jornalista e vocalista do grupo Telerama (que tocou no SXSW, um dos maiores festivais de música independente do mundo). Ela participa da organização do livro, que tem cerca de 500 páginas e deve ser lançado em 2025.
Ela destaca a importância das casas de shows para dar oportunidades a novos artistas: “Uma boa banda precisa ter frequência, não só de ensaio, mas de show. E como se faz isso quando não se tem palcos? O show grande, bem estruturado e com verba pública para pagar custos e cachê é excelente e sempre muito bem-vindo, mas o show pequeno e frequente é fundamental para o amadurecimento de toda a cadeia”.
Idealizador do “Fortaleza Sônica”, o músico e sociólogo George Frizzo, da banda Siege Of Hate (S.O.H), enfatiza que as casas de rock sempre abriram espaço para vários artistas e jogaram holofotes para uma “produção musical que muitas vezes passa batida por não ter onde mostrar sua produção”. Mesmo com eventos em praças e centros culturais, o público era formado nas casas de shows, que, por sua vez, fomentava ainda mais a cena.
“Essas casas são muito importantes para o fomento da cultura do Rock, tanto em Fortaleza assim como em todo o mundo. É só ver o papel que a The Cavern Club teve para os Beatles, ou a The Vogue para o Nirvana. São lugares que servem como link condutor de uma geração de artistas com seu público e com outros artistas”, explica.
Cynthia Pettrus lembra bem de quando ingressou no rock. Foi aos 12 anos, no início dos anos 2000, que começou sua trajetória musical. Inicialmente, se apresentava em casas em diferentes bairros, mas depois passou a tocar em estabelecimentos mais centrais, como na Praia de Iracema. Noise 3D e Órbita foram alguns dos espaços. As casas de rock também marcaram gerações de músicos.
Hoje com 35 anos, a cantora recorda o período: “Tinha um namoradinho e sempre íamos para a Sexta do Rock no Órbita. Ele me pediu em casamento lá. Foi bem legal. Não estamos mais juntos (risos), mas era um ambiente muito diferente e muito legal. Eu me senti bastante acolhida pela comunidade roqueira de Fortaleza. Éramos muito unidos”.
Para Cynthia, antigamente as casas eram marcadas pela informalidade e até pela “precariedade” em alguns momentos. Ela relata qualidade inferior dos equipamentos de som, diferentemente de hoje, em que percebe um cuidado maior. Entretanto, compreende a cena do rock “menos aquecida” do que quando começou.
“Tínhamos shows toda semana. A juventude ansiava por isso. Ela gostava de estar em ambientes com boas músicas. O diferencial que vejo da programação era a possibilidade de ter infinitas bandas tocando, porque eram realizados muitos festivais, existiam bandas diferenciadas por ritmos dentro do rock, não havia uma ‘panela’ de grupos que tocavam, era bem aberto… Qualquer pessoa podia entrar e tocar. Hoje, a cena é um pouco mais restrita”, analisa.
A cantora afirma que dos anos 2000 até aproximadamente 2010 viveu um “período de descoberta”: “Me descobri como cantora e como pessoa. O rock me permitiu ter experiências incríveis com pessoas maravilhosas, que trago para minha vida até hoje”.
Frequentador da “multifacetada cena fortalezense” desde 1995 e músico desde 1997, o guitarrista cearense Márcio Benevides tem “ótimas lembranças” dessa época. Ele ia a casas como Jokerman, Padang Padang, Domínio Público, Gaia, El Bodegon, Casarão, Clube Santa Cruz, Brom’s, Acervo Imaginário e 369.
Com passagens por “várias bandas e diversos estilos”, foi um dos fundadores da banda Plastique Noir. Quando começou a se apresentar com o grupo em 2006, “tocou o terror” na Noise 3D e no Hey Ho. Em pouco tempo, passou a tocar em toda a Cidade e rodou pelo País - “uma época intensa e muito louca”.
“Tudo era feito na raça, com recursos quase sempre escassos. A tosqueira era suplantada pela vontade da gente se expressar e curtir o momento. Apesar do grande número de bandas, quase não havia o profissionalismo ao qual hoje chegamos (que se fortaleceu ali por 2007), fora a tecnologia, que foi se popularizando e facilitando a produção”, destaca.
Para Márcio, houve uma “gourmetização” dos espaços, que investiram mais em infraestrutura (ar-condicionado, decoração e mobília) e redes sociais. Com isso, ficaram mais confortáveis, mas o movimento também refletiu “certa elitização”, em que “a periferia não se mistura mais tanto com a Aldeota”.
Por outro lado, percebe “reterritorialização”, pois se antes a maioria das casas de rock se concentrava na Praia de Iracema, hoje o “burburinho rocker underground” anima sobretudo o bairro Benfica, a exemplo de locais como Barbarians Pub, Covil, Esconderijo e Snake Bar.
O ex-guitarrista do Plastique Noir também pesquisa sobre a cena de rock underground em Fortaleza, resultando tanto na sua dissertação de mestrado (2008) quanto na sua tese de doutorado (2019). Como afirma, a “Idade de Ouro” — ou seja, o ápice — da cena na Capital ocorreu entre 2006 e 2016, com a massificação da internet, emissora voltada ao público jovem (TV União), surgimento de voos espaços e com a Cidade como sede de eventos nacionais e internacionais.
Segundo o sociólogo, “A Idade da Ferrugem” do rock em Fortaleza se deu entre 2017 - quando “o rock parecia ter deixado de ser a música jovem” - e a pandemia - “que impossibilitou shows, mas teve explosão de lives”. Para ele, porém, o rock vem recuperando espaço desde 2022.
“Em Fortaleza, a cena gótica, por exemplo, cresceu de uma forma que eu nunca imaginei quando desbravamos a mata semivirgem das trevas em 2005”, acrescenta. Ele enfatiza a importância do funcionamento de casas de rock para serem palcos de bandas que querem se expressar, mesmo com adversidades como alto preço dos equipamentos: “Ainda perdura a chama da paixão pelo rock, que mobiliza centenas de adeptos em Fortaleza, enriquecendo a paisagem sonora da capital alencarina”.
As memórias das noites de rock em Fortaleza nas últimas décadas são colecionadas aos montes pelos proprietários das casas, por músicos e, claro, pelos frequentadores. Os estabelecimentos fizeram parte da adolescência e início da vida adulta de diferentes pessoas, contribuindo para novas amizades, diversão e fomento da música.
“Tenho lembranças muito fortes ali na região do Dragão do Mar, da Praia de Iracema, principalmente do Órbita Bar. Era um local mais a cara de ser livre, rock n’ roll e hip hop aqui em Fortaleza. Mas outros dois lugares que me marcaram muito foram o Domínio Público (alternativo, mas tocava rock, música eletrônica, pop, era muito diferente) e o Café Creme”, destaca a gerente de marketing Larissa Maia, 41.
Ela também aponta “festas icônicas” na Barraca Biruta, além de shows de peso como Cidade Negra, Sepultura e Racionais MC’s, e experiências “incríveis” no Hey Ho. Naquela época, “você convivia com as mesmas pessoas o tempo inteiro, não tinha violência e era todo mundo muito de boa”.
Larissa destaca a importância do Órbita, por exemplo, em sua vida, e revela ter ficado “muito arrasada e triste” com o encerramento da casa. “Pude curtir isso, de sair andando na Ponte Metálica e ir até o Domínio Público, por exemplo, ir até o Dragão do Mar, viver a cidade de Fortaleza e a própria Praia de Iracema de uma forma muito segura, muito tranquila. Era um período especial demais. Essas casas fazem muita falta”, lamenta.
O autônomo Leandro Cavalcante Nunomura, 48, recorda como “ótimas” as experiências na cena do rock de Fortaleza décadas atrás. Para ele, foi um período de “descobertas”. Ficou feliz em “perceber que aqui não era apenas a ‘terra do forró”.
Leco, como também é chamado, marcou presença em locais como a Barraca Biruta (onde assistiu “aos melhores shows de rock da época”), Jokerman, Órbita, Domínio Público, Qualquer Coisa Bar e o Bar Woodstock.
Para ele, a música e o público eram os destaques dessas casas. “Esses lugares moldaram, através da atitude e da música, grande parte do meu caráter. Foram onde conheci grande parte dos meus amigos - que até hoje mantenho”, pontua.
Quem revela situação parecida é a administradora de condomínio Emanuele Santana, 42: “O melhor foram os amigos que fiz durante esse período. Alguns até hoje permanecem em minha vida”. Manu compara os dias atuais com essa época. Em sua avaliação, foi um tempo mais feliz, com muito menos violência e insegurança.
Ela até lembra os rituais pós-festas: era tradição comer em algum outro lugar e chegar em casa quando o dia estava amanhecendo, às vezes até de ônibus. “O melhor era o estilo das roupas. O som era de qualidade e os ambientes eram mais agradáveis”, elenca.
Os points mais visitados pela administradora foram o Órbita Bar (“lugar ótimo para curtir e paquerar”), a Barraca Biruta (“beira da praia com som massa, bandas e DJs que sempre agradavam e festas temáticas”), Ritz Café (“ambiente pequeno e aconchegante”) e Mocó Studio (“sempre levava meus pais para curtir as festas que costumavam rolar por lá”)
“A importância dessa época na minha vida são os bons amigos, a tranquilidade que tínhamos de nos sentir mais seguros nesses lugares, as boas músicas, as paqueras saudáveis. Existe a nostalgia desse tempo, tem também uma certa tristeza em saber que com toda essa insegurança o meu filho provavelmente não terá uma experiência tão massa e livre como tínhamos”, afirma.
Fundador e ex-proprietário do Praxedes Bar, que funcionou na Barra do Ceará de 2016 a 2023, o mecatrônico industrial Cristiano Praxedes frequentava espaços como o Canto das Tribos (para ouvir bandas covers), o Hey Ho, Point Rock (no bairro Antônio Bezerra), a rua do Fafi e outros bares que surgiram ao longo do tempo.
“O grande diferencial, na minha opinião, era o cenário do rock que estava bem aquecido na época, muitos jovens, as casas também incentivavam e apoiavam as bandas autorais, com isso surgiu várias bandas que existem até hoje. Além de bebida barata, é claro”, avalia.
Questionado sobre o que poderia ser aplicado atualmente dos pontos positivos que as casas de décadas atrás tinham, Cristiano indica: “Acredito que programações com estilos em específico de música no gênero rock, festivais tanto covers como com bandas autorais, festivais de cerveja, com banquinhas de roupas e acessórios, DJ para agitar o público antes, entre e pós-bandas, sinucas... Algo mais interativo, até porque, no fim, todos gostamos de gente e de fazer novas amizades e o ambiente ajuda muito nisso. Ninguém quer ir para um lugar só para beber e ver uma banda tocando”.
Nos primeiros acordes de “Take me out”, da banda escocesa Franz Ferdinand, a música consegue levar os ouvintes para tempos não tão distantes e momentos ainda nítidos na memória. A experiência nostálgica pode ser rememorada com o riff de guitarra na introdução de “Mr. Brightside”, do The Killers, ou na batida energética de “What you know”, do grupo Two Door Cinema Club.
O indie rock que dominou as paradas musicais durante a década de 2000 fez sua passagem pelo Brasil e deixou marcada diversas gerações de jovens que encontravam no estilo musical um momento para ouvir, cantar, dançar e se divertir junto a amigos. O gênero democrático abria espaço para outros ritmos, similares ou não – como pop, emo, punk, folk e o metal alternativo –, a se apresentarem em uma mesma noite e fez a alegria da juventude que viveu em Fortaleza entre os anos 2006 e 2018, sendo destaque em casas noturnas e baladas pela cidade.
“Para além da música boa, [o Órbita Bar] era um local onde as pessoas estavam sempre mais abertas a trocar uma ideia sobre música, a cena rock na Cidade, os rolês… Enfim, era uma ambiente onde podíamos ser quem queríamos ser sem julgamentos. Você era emo? Tudo bem! Era aquele roqueiro trevoso? Massa! Era uma paty rocker? Irado, lá também tocava Avril Lavigne e Paramore”, recorda Christian Rodrigues.
Frequentador assíduo do espaço localizado na avenida Almirante Jaceguai, na Praia de Iracema, o desenvolvedor de projetos de energias renováveis conta que a preferência pela casa se deu pela dedicação à “cena alternativa em geral, mas tendo o rock como protagonista”.
Na década passada, os jovens “alternativos” da Capital podiam escolher pelos estabelecimentos das proximidades do Centro Dragão do Mar (entre o Órbita Bar e Amici’s Bar) ou na Aldeota e região – abrangendo o At Home Hostel & Pub, 5inco Shot Bar, Hey Ho Rock Bar, Boozers Pub e o antigo Fafi. Quando ainda estavam em funcionamento, esses espaços levavam inúmeros grupos a ocupar as ruas e calçadas, energizando e dando vitalidade à noite de Fortaleza.
“Não consigo nem listar quantas noites memoráveis passei no Hey Ho, Fafi e no Órbita Bar, que eram meus bares favoritos naquela época. Também havia outras casas como At Home, Boozers, The Pub, Maria Bonita, 5inco Shot, etc. que sempre tinham noites dedicadas ao estilo. Que saudades!”, acrescenta.
Atualmente com 35 anos de idade, o cearense explica que a noite na Capital “respirava a música alternativa” e era uma das melhores experiências para os jovens de todas as idades que desejavam viver novas histórias. “O que vivemos naquela época de jovens adolescentes, cheios de vigor e com aquela raiva típica que só era extravasada quando tocava aquela do System of a Down ou Linkin Park, foi lindo. Mas hoje essa geração cresceu, mudou a mentalidade e só quer um lugar para ouvir música boa sentado com os amigos”, afirma Christian.
Como a maioria das grandes amizades feitas naquela época, a parceria entre Christian Rodrigues e Andreza Sá iniciou na famosa “fila dos pobres” do Órbita, que permitia a entrada franca no estabelecimento nas primeiras horas da abertura da casa. Médica veterinária, Andreza descreve que o estabelecimento podia ser comparado à “Malhação”, no qual os diversos núcleos se entrelaçavam e eram conectados por um denominador comum.
“O que eu mais curtia era por lá tocar o estilo de música que eu gostava de escutar, que era rock. Então, acabava sendo uma grande ‘Malhação’, todo mundo se conhecia e se alinhavam principalmente no Órbita. No dia de domingo, então… Eram as mesmas figurinhas carimbadas e era bem legal. Eu gostava bastante, eu conhecia os bartenders, conhecia a galera que tocava nas bandas e a galera que frequentava”, recorda.
Dos estabelecimentos atuais que tentam manter a cena do rock alternativo na Capital, a cearense de 33 anos lista, com prós e contras, o Bulls Beer House, Hoots Gastropub, 5 Elementos Pub, Vibe 085 e House Garden. (Colaborou Lillian Santos)
Imagens>> a maioria das fotos desta reportagem estão em baixa resolução, publicamos pelo caráter de registro documental importante na descrição dessa memória