O Ginásio Paulo Sarasate, em Fortaleza, foi cenário de avanço e sentimento de conquista para familiares de pessoas autistas, na manhã deste sábado, 31. O local recebeu a entrega de 785 carteiras de identificação, além do lançamento de um portal para emissão da versão digital do documento.
Na solenidade, o prefeito de Fortaleza, Evandro Leitão (PT), anunciou o mês de entrega da primeira unidade do Espaço Girassol, promessa de campanha eleitoral. A unidade de acolhimento e atendimento a pessoas com deficiência e familiares, deverá começar a funcionar em julho, com ambientes sensoriais e equipe especializada.
“Nos comprometemos a entregar 12 espaços. Até o final do ano, entregaremos três”, prometeu Evandro. Parafraseando o deputado estadual Guilherme Sampaio (PT), o chefe do Executivo municipal afirmou que a gestão vai “seguir à risca todos os compromissos que fizemos na campanha”. No discurso o prefeito explicou que uma das unidades será um centro de diagnóstico, com equipe multidisciplinar.
Evandro acrescentou que a entrega de carteirinhas é “simbólica” e “faz tornar visíveis aqueles que não estavam sendo vistos pelo poder público”. Em sua fala, o prefeito recebeu uma criança e um homem de 62 anos, ambos autistas, e entregou à criança, chamada Bianca, uma carteirinha de identificação.
A Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (Ciptea) é um direito garantido pela lei Romeo Mion, de 2020, além de legislação municipal de setembro de 2022. Com ela, é garantido atendimento prioritário em serviços de saúde, educação e assistência social.
Com o novo portal, a emissão do documento é agilizada. Segundo a Prefeitura, as carteiras entregues hoje são remanescentes de cadastros feitos ainda na gestão municipal anterior e que apresentavam erros e inconsistências.
“A gente teve que fazer esse trabalho de reconstituição”, criticou Gabriella Aguiar, vice-prefeita da Capital e secretária dos Direitos Humanos e Desenvolvimento Social (SDHDS), que aponta que havia dados ausentes nos cadastros das Ciptea quando a gestão atual assumiu a Prefeitura. “Existia facilidade de falsificação das carteiras. Foi preciso revisitar e checar os dados”.
“Fizemos o portal para facilitar o acesso”, complementou a secretária, “para que aquela pessoa com desejo de adquirir rapidamente [a carteira] já coloque os dados e receba em cinco dias a versão digital”.
Mães e pais presentes no evento elogiaram a iniciativa, especialmente por terem recebido as carteiras dos filhos atrasadas. É o caso de Eliane Ferreira, moradora do Vicente Pinzón que solicitou o documento para o filho, João Vitor, ainda em 2024. Na visão dela, famílias ficarão “muito felizes” com a celeridade da solicitação por meio do portal.
Para a secretária Márcia Castro, o portal “faz a diferença, porque ele vai colocar as crianças às vistas, vai permitir que os pais tenham acesso à informação. É um avanço. Fazer uma plataforma faz a diferença na vida de uma família”.
Mãe de Fernando Benício, de 15 anos, a fortalezense acrescentou que uma ação como o portal da Ciptea “demorou, mas chegou. É uma felicidade para nós, que vivemos e viveremos essa realidade”. Isso porque “no mundo da tecnologia, há muitas plataformas que ajudam no dia a dia. É o mesmo com essa”.
Márcia e o marido tentam obter a carteira do filho há quatro anos, em meio a atrasos e erros. “Mas hoje estamos aqui por isso, com coração feliz. Hoje posso dizer para você que vamos precisar parar de andar por aí com o laudo”.
A vivência é compartilhada por Edilmara Barroso, de 40 anos, que também solicitou a carteira do filho, Theo, no ano passado. “É maravilhoso [receber]. Para a gente não precisar andar com laudo, poder andar mais à vontade, porque tem locais que precisam. Assim, a gente já anda despreocupada”.
“Uma vez no hospital, ele estava bem agitado. Aí tive que chegar, falar para uma moça que ele é autista. Mas se eu tivesse a carteirinha, de longe isso seria possível de identificar”, comentou Edilmara.
Outra pessoa que queria ter recebido a carteirinha do filho antes é Kelvia Maria, 26, mãe do Otto, moradores do Genibaú. “É gratificante ter em mãos”, contou ela, pois “tinha até perdido as esperanças”.
“Quando recebi a ligação, fiquei feliz, porque esperei muito. Achei que seria entregue em menos de mês”. A Prefeitura de Fortaleza telefonou para os pais das 785 crianças cujas carteiras foram entregues neste sábado.
"No dia a dia é muito difícil, andar com ele sem a identificação. Os olhares, principalmente. Na vinda do ônibus, tinha outra criança autista fazendo barulho, aí ele se incomoda. Falou, 'mãe, tô estressado'. Aí uma mulher, outra pessoa, olhou meio assim. Com a carteirinha, seria diferente"
Kelvia Maria, 26, mãe do Otto
A maioria dos pais e mães presentes do Ginásio enfatizou a importância de ter mais terapia disponível na Capital para as pessoas autistas. Segundo Kelvia Maria, “a Ciptea é um grande começo, mas seria bom mais terapia”.
Ela está na fila de espera por terapia para Otto há três anos. “Eu já paguei terapia até onde pude. Só a medicação é 500 e poucos reais”.
Na visão de Edilmara, falta terapia “da psicológica à comportamental”, visto que “não é só medicamento que vai resolver, nem carteirinha. É preciso ter terapia. Tem neto meu que, depois da terapia, mudou bastante. É outra criança”.
O filho dela, Theo, tem acesso à atividade por meio do plano de saúde, mas a periodicidade — cerca de três vezes por mês, segundo a mãe — não favorece a eficácia do tratamento. “Como a criança pode ter um avanço?”
A vice-prefeita Gabriella Aguiar explicou que a Prefeitura está “organizando” a ampliação do acesso à terapia, “dentro dos futuros Espaços Girassol, depois também nas próprias comunidades”. De acordo com ela, a ação é elaborada da “melhor maneira possível”.
Por meio do novo portal Ciptea, a solicitação da carteira de identificação pode ser feita online, após cadastro da plataforma Fortaleza Digital. O segundo passo é enviar documentos, como laudo médico e informações gerais. Na sequência, o envio é analisado, para então ser validado.
Por fim, o documento é disponibilizado no site em versão digital. Para quem prefere a solicitação de forma presencial, basta se dirigir a qualquer uma das Secretarias Regionais com os seguintes documentos: