Quando as torres norte e sul do World Trade Center desmoronaram no coração da cidade de Nova York, em 2001, os Estados Unidos e o mundo entraram num terreno, até então, desconhecido. A questão fundamental sobre o 11 de setembro não estava nos ataques terroristas em si, mas na reação do governo americano aos atos.
Algo importante de ser destacado é que a configuração do sistema político internacional em 2001 era muito distinta da atual. À época, os EUA eram, de longe, a única superpotência internacional na equação.
Praticamente dez anos após o fim da Guerra Fria, e sem concorrentes à altura, os americanos viviam o auge do seu poderio político e econômico. Os russos ainda se reestruturavam após o fim da União Soviética e a economia da China, que atualmente rivaliza com os americanos, não era um décimo do que é hoje.
Além das guerras em países do Oriente Médio, como Afeganistão e Iraque, o 11 de setembro provocaria mudanças nas relações sociais, políticas e econômicas do mundo. Desde as formas de se deslocar individualmente pelo planeta até a ampliação de posturas xenofóbicas e islamofóbicas pelo ocidente.
A resposta política e militar dos americanos ficou conhecida como “Guerra ao Terror”. O então presidente George W. Bush estabeleceu o combate ao terrorismo como prioridade, com foco especial na rede Al-Qaeda. Olhando para trás, a cronologia da guerra mostra uma sequência de atos que custaram trilhões de dólares e milhares de vidas humanas.
A primeira invasão promovida pelos EUA ocorreu no Afeganistão, em 2001. Comandado pelo grupo fundamentalista islâmico Talibã desde 1996, o país era acusado de abrigar membros da Al-Qaeda. Havia a suspeita de que o então líder do grupo, Osama Bin Laden, estaria escondido lá, fator que por si só foi suficiente para uma ação militar americana com aval do Conselho de Segurança da ONU.
Dois anos depois, em 2003, o governo Bush invadiu o Iraque, comandado por Saddam Hussein há três décadas. Os EUA alegaram que o ditador iraquiano - que fora apoiado pelos americanos na Guerra Irã-Iraque (1980-1988) - detinha armas de destruição em massa que ameaçavam o ocidente.
O argumento foi usado para invadir o país sem o aval da ONU e depor Hussein que acabou sendo enforcado. As supostas armas, no entanto, nunca foram encontradas.
A presença americana no Oriente Médio visava ainda construir uma democracia mais próxima ao ocidente e que atendesse aos seus interesses. Mas não levou em conta fatores sociais dessas nações na refundação dos novos estados. Ações militares de grande impacto midiático e com altos custos financeiros não eram garantias de desmantelar o terrorismo.
Os presidentes que vieram após Bush tampouco levaram em conta esses fatores no projeto de “Nation Building” emplacado pelos americanos ao longo dos últimos 20 anos. As instituições frágeis geram países instáveis. O que ocorre hoje no Afeganistão, com o retorno do Talibã ao poder após décadas de ocupação americana, é fruto dos erros dessa guerra.
Carlos Gustavo Poggio, professor de Relações Internacionais da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), entende que o contexto mundial em 2001 dava aos EUA uma “sensação de superioridade” e uma certa arrogância. “Poucas pessoas vão dizer que a Guerra ao Terror valeu a pena. Em termos globais e de estratégia não me parece ter atendido algum interesse, além de ter sido muito ruim para a sua imagem” diz.
“Os americanos passaram a ser mal vistos, principalmente porque a invasão ao Iraque foi feita sem aprovação da Organização das Nações Unidas. À época os EUA alegavam não precisar de aprovação de ninguém. De novo, a arrogância de quem estava no auge”.
Iago Caubi, pesquisador vinculado ao (GIS-UFRJ) analisa que as guerras diretas no Afeganistão e no Iraque conseguiram alcançar alguns objetivos de curto prazo como as mortes de Saddam Hussein (2006) e de Osama Bin Laden (morto em 2011 no Paquistão). Porém, “falharam nos objetivos de se construir estados seculares alinhados ao ocidente”.
Segundo Caubi, a guerra no Iraque teve efeito contrário, gerando ganho para a Al-Qaeda que buscava em iraquianos resistentes à ocupação americana o apoio para lutar contra a presença estrangeira.
“Tanto a Al-Qaeda, como o Talibã sobreviveram e se fortaleceram, espalhando-se por outros territórios”, A guerra ao terror é um dos motivos que levou a criação de outros grupos extremistas, o mais famoso deles o Estado Islâmico.
Antes da queda das Torres Gêmeas, três dos mulçumanos mais relevantes na história dos EUA eram um ativista político, Malcolm X, um boxeador, Muhammad Ali, e um jogador de basquete, Kareem Abdul-Jabbar. A religião desses político-culturais, o Islã, pouco importava frente à relevância histórica que eles carregavam em suas respectivas áreas de atuação.
Depois do 11 de setembro, a islamofobia, repúdio aos muçulmanos e ao islamismo em geral, foi uma das ramificações sociais nos EUA. Apesar do próprio presidente George W. Bush defender repetidamente que o islã era uma “religião da paz”, e “não do ódio”, a percepção pública ganhou contornos xenofóbicos que se agravariam com os anos.
Aos olhos amedrontados e ignorantes de parte do ocidente, todo mulçumano passou a ter ares de suspeito. Lucas Leite, professor de Relações Internacionais da Faap, relembra a “perseguição” sofrida por esses grupos.
“Tivemos a queima e o apedrejamento de várias mesquitas nos EUA após o 11 de setembro. Bairros de afegãos foram saqueados e invadidos e várias famílias, inclusive de refugiados, sofreram represálias”.
Leite lista ainda os efeitos a longo prazo da perseguição, como a criação de um imaginário popular que associava o Oriente Médio a um lugar de barbárie e de grupos que não sabiam lidar com a democracia.
Nessa perspectiva, ele analisa que o aumento de restrições para a locomoção individual, sobretudo nos aeroportos dos EUA, foi instrumentalizado e usado contra pessoas específicas de certas localidades.
“Os EUA criaram um Departamento de Segurança Interna, que cuidaria desses elementos que envolvem viagens, pessoas, imigração, etc. Regras mais duras, dificuldade de se chegar ao visto e mesmo com ele a dificuldade de chegar ao país, a necessidade de alguém que diga quem você é. Tudo isso ficou mais difícil e, sem dúvidas, foi direcionado”.
Dentre os procedimentos que ficaram mais rigorosos na aviação, sobretudo nos EUA, é possível citar: maior controle das bagagens de mão, restrição ao embarque de determinadas quantidades de líquidos ou gel, revistas corporais e passagem por scanner corporal, proibição de decolagem de aviões com bagagens de passageiros ausentes e a criação de listas com milhares de nomes de terroristas e de suspeitos de terrorismo.
Para Iago Caubi, a islamofobia está ligada à ação americana no Oriente Médio que fez com que o termo “terrorismo” se tornasse arma política.
“A cruzada (americana) que deveria ser apenas contra grupos específicos foi expandida para toda uma religião e cultura. A partir daí viu-se constantemente assimilações erradas entre mulçumanos e terroristas ou radicais. A política de guerra fez com que qualquer muçulmano se tornasse alvo”, conclui.
Série de reportagens rememora o dia do maior atentado terrorista em solo estadunidense e analisa o acontecimento que alterou a política internacional norte-americana