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O terrorismo após o 11 de setembro
Reportagem Seriada

O terrorismo após o 11 de setembro

Entre os efeitos da intervenção americana no Afeganistão e no Iraque está a formação de frentes múltiplas de contraposição aos EUA que se aproveitaram da fragilidade local para consolidar a ideia do ocidente como inimigo
Episódio 3

O terrorismo após o 11 de setembro

Entre os efeitos da intervenção americana no Afeganistão e no Iraque está a formação de frentes múltiplas de contraposição aos EUA que se aproveitaram da fragilidade local para consolidar a ideia do ocidente como inimigo
Episódio 3
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Entre as consequências da atuação americana no Oriente Médio após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, está a ampliação da influência de grupos extremistas, que pautam suas ações em um discurso antiocidental. O radicalismo se intensificou com a presença literal dos EUA naquele território ao longo das últimas décadas.

Dentre as ramificações de grupos terroristas que atuam até hoje na região, o autointitulado Estado Islâmico (EI) - ou Daesh - talvez seja o que mais ganhou notoriedade nos últimos anos. Com trajetória iniciada ainda em 2003, após a queda do ditador Saddam Hussein, o grupo surgiu a partir de um braço da Al-Qaeda no Iraque e de outros grupos leais ao antigo regime, que lutavam contra a ocupação estrangeira.

Na última década, o EI declarou um califado na Síria e no Iraque e promoveu uma onda de terror em ataques pelo Oriente Médio e em diversos países da Europa. Mesmo tratando-se de um grupo diferente e com modelos de ataques distintos - menos intensos e mais frequentes - o EI sempre guardou consigo influências do 11 de setembro, mirando a confiança de governos do ocidente.

Uma mulher está em frente a uma placa comemorativa e flores em frente ao Bataclan em Paris em 13 de novembro de 2016, quando a França marcou o primeiro aniversário dos ataques em Paris. 130 pessoas foram mortas em 13 de novembro de 2015 por homens armados e homens-bomba do grupo do Estado Islâmico (EI) em uma série de ataques coordenados em Paris e arredores. / AFP PHOTO / JOEL SAGET(Foto: JOEL SAGET)
Foto: JOEL SAGET Uma mulher está em frente a uma placa comemorativa e flores em frente ao Bataclan em Paris em 13 de novembro de 2016, quando a França marcou o primeiro aniversário dos ataques em Paris. 130 pessoas foram mortas em 13 de novembro de 2015 por homens armados e homens-bomba do grupo do Estado Islâmico (EI) em uma série de ataques coordenados em Paris e arredores. / AFP PHOTO / JOEL SAGET

O objetivo central do grupo é formar um grande califado, território teocrático, onde o califa (sucessor em árabe) seria o líder e assumiria a função do profeta Maomé como chefe da comunidade de muçulmanos, tendo o poder de aplicar a Sharia (lei islâmica). De acordo com a ideologia do EI, os “infiéis” (aqueles que não são adeptos do islã) devem converter-se e aprender os ensinamentos da religião.

Diferentemente da Al Qaeda, que hoje rivaliza com o grupo pelo domínio jihadista global, o Estado Islâmico age de forma mais agressiva em termos de expansionismo para que sua influência e a religião islâmica cresça em todo o mundo.

Apesar de ter perdido território no Iraque e na Síria nos últimos anos, o Estado Islâmico continua realizando ataques na região.

O mais recente deles foi feito pelo braço afegão do grupo, o Estado Islâmico Khorasan (EI-K), que reivindicou a autoria de um ataque a bomba nos arredores do aeroporto de Cabul nas últimas semanas. O nome do grupo é baseado na antiga província de Khorasan, região que na Idade Média abrangia áreas do Afeganistão, Irã e Ásia Central.

Para o EI-K, o Talibã é moderado demais. Assim, o ataque ao aeroporto foi uma investida tanto contra os EUA, quanto contra o grupo afegão, cujos líderes tomaram controle do país e tentam estabelecer sua soberania.

Aeroporto de Cabul foi palco do mais recente atentado terrorista promovido pelo EI-K(Foto: WAKIL KOHSAR / AFP)
Foto: WAKIL KOHSAR / AFP Aeroporto de Cabul foi palco do mais recente atentado terrorista promovido pelo EI-K

 

 

Expandindo fronteiras

A influência e ramificações dos grupos terroristas estende-se ainda para a África onde fundamentalistas como o Boko Haram (ativo na Nigéria, no Chade e em Camarões), o Al-Shabab (que atua com mais força na Somália), e o Estado Islâmico da África Ocidental (Iswap, na sigla em inglês) têm bandeiras similares e ligações ou com a Al Qaeda ou com o EI. Todos conduzem ataques terroristas e têm rivalizado entre si pelo domínio de áreas.

Lucas Leite, professor de Relações Internacionais da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap) aponta que apesar de enfraquecido nos últimos anos, o EI continua operando.

“Até hoje ainda está presente no Iraque. O Estado Islâmico não acabou. É uma falácia muito grande supor que grupos terroristas acabam. Eles ficam adormecidos, atuam em regiões menores, migram para outros países, mas não acabam. Eles mudam, evoluem”, explica.

Para Leite, um dos elementos mais importantes das ações americanas no Afeganistão e no Iraque foi “a formação de frentes múltiplas de contraposição aos Estados Unidos” que se aproveitaram da fragilidade das instituições e da ausência de poderes para consolidar "a ideia do ocidente como inimigo que ocupa, que persegue e destrói costumes e religiões tradicionais” aos povos da região.

Os extremistas passaram a atuar de forma descentralizada, dificultando o trabalho de contraterrorismo. No contexto dos ataques aos países europeus, um série de atentados foi registrada em países como França, Alemanha, Reino Unido, Bélgica e Espanha.

No contexto de ataques na Europa, a cidade de Paris sofreu os maiores ataques terroristas coordenados. Em 13 de novembro de 2015, atiradores dispararam no meio de um evento na casa de shows Bataclan, além de cafés e restaurantes na capital próximos ao Stade de France, que sediava uma partida entre a seleção da casa e a da Alemanha naquela noite e onde estava o então presidente François Hollande.

O maior processo criminal da história contemporânea da França começou neste 8 de setembro de 2021, com o julgamento de supostos autores e cúmplices dos atentados reivindicados pelo EI. No total, 20 suspeitos foram acusados, mas cinco deles foram dados como mortos e um está preso na Turquia.

Do grupo de supostos terroristas que tiveram participação direta nos ataques apenas um sobreviveu: o cidadão francês Salah Abdeslam, nascido na Bélgica. Na noite dos ataques, ele fugiu após abandonar seu carro e um colete suicida com defeito. Seu irmão estava entre os homens-bomba que participaram dos atentados.

Torcedores se reúnem no campo do Stade de France após o amistoso entre a França e a Alemanha em Saint-Denis, ao norte de Paris, em 13 de novembro de 2015, após uma série de ataques com armas de fogo na capital francesa, bem como explosões fora do estádio nacional onde a seleção da casa recebia a Alemanha. FOTO AFP / FRANCK FIFE(Foto: FRANCK FIFE)
Foto: FRANCK FIFE Torcedores se reúnem no campo do Stade de France após o amistoso entre a França e a Alemanha em Saint-Denis, ao norte de Paris, em 13 de novembro de 2015, após uma série de ataques com armas de fogo na capital francesa, bem como explosões fora do estádio nacional onde a seleção da casa recebia a Alemanha. FOTO AFP / FRANCK FIFE

Ao todo, 130 pessoas morreram, incluindo terroristas e outras 416 ficaram feridas. O evento foi o mais mortal em solo francês desde a Segunda Guerra Mundial e o ataque terrorista com mais vítimas em solo europeu desde os atentados no metrô de Madri (2004) que deixaram 193 mortos. O Estado Islâmico assumiu a autoria dos ataques.

Em dezembro de 2016, uma feira natalina em Berlim, na Alemanha, terminou com um caminhão atropelando e matando 12 pessoas em dezembro daquele ano. Meses antes, em julho, dois homens armados com facas fizeram reféns um padre, duas freiras e dois fiéis em uma igreja de Saint-Etienne-du-Rouvray, na região da Normandia, no norte da França. O padre, de 86 anos, foi degolado e ambos os criminosos foram mortos. O EI reivindicou a responsabilidade por ambos os ataques.

No ano seguinte, outro episódio emblemático. Um britânico de origem líbia realizou um ataque suicida em Manchester, na Inglaterra, após o show da cantora Ariana Grande. A explosão deixou 22 mortos e mais de 60 feridos. Boa parte das vítimas eram adolescentes. Novamente, o EI assumiu a autoria. Outros atentados foram registrados, ao longo da última década, em países europeus.

Equipes de resgate evacuam pessoas após um ataque no 10º arrondissement da capital francesa, Paris, em 13 de novembro de 2015. FOTO AFP / KENZO TRIBOUILLARD(Foto: KENZO TRIBOUILLARD)
Foto: KENZO TRIBOUILLARD Equipes de resgate evacuam pessoas após um ataque no 10º arrondissement da capital francesa, Paris, em 13 de novembro de 2015. FOTO AFP / KENZO TRIBOUILLARD

Os alvos não foram escolhidos ao acaso. “Tem a ver com o fato de que esses países europeus contribuíram, ou mandaram efetivamente seus recursos e tropas, para a chamada guerra ao terror. É o caso da Espanha, do Reino Unido e de outros. Essas nações são atacadas porque representam bem o símbolo da ocupação estrangeira no Oriente Médio para os grupos extremistas”, explica Leite.

O americanista Carlos Gustavo Poggio, professor da Faap, aponta ainda que o recente processo de retirada dos Estados Unidos do Afeganistão será o marco para "o fim do mundo pós-11 de setembro". O que virá depois ainda é desconhecido.

"Estamos entrando num mundo em que os EUA não tem mais uma primazia tão grande e que tende a recomeçar um processo de disputa geopolítica tradicional (com países como EUA, China e Rússia). Não que a saída americana do Afeganistão tenha determinado isso, mas é um marco nesse sentido de entrarmos numa nova era", defende.

  • Edição Fátima Sudário e João Marcelo Sena
  • Texto Vítor Magalhães
  • Identidade visual e Edição de arte Cristiane Frota
  • Recurso Digital Wanderson Trindade
  • Vídeos AFP
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