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Babados, xotes e xaxados
Reportagem Seriada

Babados, xotes e xaxados

Coreógrafos, figurinistas e brincantes produzem, nos bastidores e nos palcos, parte importante de todo o encantamento vibrante das festas de junho. Mais do que um trabalho, dançar se transforma em soma de afetos
Episódio 3

Babados, xotes e xaxados

Coreógrafos, figurinistas e brincantes produzem, nos bastidores e nos palcos, parte importante de todo o encantamento vibrante das festas de junho. Mais do que um trabalho, dançar se transforma em soma de afetos
Episódio 3
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Você consegue transmitir para as pessoas todo o amor, a espera, a ansiedade, os estresses da carga pesada de ensaios... é maravilhoso

Dos primeiros passos feitos ainda meio desajeitados nas festinhas da escola, a paixão pela festa junina ganhou força nas quadrilhas improvisadas no bairro onde viveu a infância e se tornou coisa séria desde que Lucas Araújo passou a integrar a quadrilha Paixão Nordestina, tradicional grupo junino de Fortaleza.

“Esse amor foi só crescendo a cada ano que passava. É muito gratificante, pois são muitos meses de ensaios e lutas para ficar tudo perfeito. Quando chega o mês de Junho e chega a hora de colocar o pé dentro de quadra, você consegue transmitir para as pessoas todo o amor, a espera, a ansiedade, os estresses da carga pesada de ensaios... é maravilhoso”, define.

Lucas Araújo é apaixonado por quadrilha junina desde a infância(Foto: Rodrigo Rocha/Divulgação)
Foto: Rodrigo Rocha/Divulgação Lucas Araújo é apaixonado por quadrilha junina desde a infância

“Foi um pouco frustrante e doloroso receber a notícia de que esse ano o nosso São João não irá acontecer, porque é um trabalho que começa no ano anterior, é toda uma preparação intensa”, é como Lucas procura as palavras para definir todo o sentimento de afastamento brusco da intensa rotina de ensaios que já se mantinha regular desde o início do ano.

“É realmente uma dor imensa, mas no momento a pausa é necessária e isso fará com que muitas pessoas possam ter mais e mais anos participando dessa festa maravilhosa”, completa.

Com uma rotina de preparação que se inicia pelo menos dez meses antes do mês de junho dar seus primeiros sinais, muitos grupos juninos foram surpreendidos pela pandemia quando já tinham roteiros, coreografias e figurinos já prontos.

“A gente já tinha um projeto praticamente concluído, tudo bem adiantado, porque nós praticamente respiramos o São João o ano todo. Foi uma surpresa enorme saber que não teremos a alegria dessa festa esse ano, ainda tá sendo muito doloroso assimilar isso. Por mais que a gente já esperasse essa notícia desde a chegada da pandemia, é doloroso aceitar”, conta Hudson Sombra, estilista da quadrilha Zé Testinha - grupo que, em suas apresentações, explora a estética do cangaço nos figurinos, na musicalidade, dança e na cenografia.

Figurinos mais complexos podem levar até 15 dias para ficar prontos(Foto: Arquivo Pessoal)
Foto: Arquivo Pessoal Figurinos mais complexos podem levar até 15 dias para ficar prontos

Em 2020, a figurinista Clésia Maria também precisou escrever uma pausa na história que mantém há duas décadas na quadrilha Cumpade Justino, de Maracanaú. O ofício atento de desenvolver cada peça a ser usada pelos brincantes, desde o desenho até os arremates finais, é a forma que encontrou para unir a um só tempo seu amor pela dança e pela costura.

“Quando eu faço parte da pesquisa, da criação de cada peça, troco essas informações com o grupo, que são todos meus amigos, é muito prazeroso. Nas apresentações, ver tudo aquilo ganhando forma é muito gratificante”, comenta. Parte essencial da estética colorida e vibrante das apresentações juninas, cada peça pode demorar até 15 dias para ficar pronta, de acordo com Clésia.

Clésia trabalha há mais de 20 anos como estilista e costureira de quadrilhas juninas(Foto: Arquivo Pessoal)
Foto: Arquivo Pessoal Clésia trabalha há mais de 20 anos como estilista e costureira de quadrilhas juninas

Para além dos babados, linhas e retalhos de chita colorida, a figurinista tem convivido com uma presença constante nos últimos meses: a saudade. “Faz uma falta danada. Fico aqui olhando para os figurinos antigos, os materiais já prontos, e bate uma emoção de verdade por não poder estar junto com os amigos, sentir esse calor humano”, descreve.

Apesar da grande esperança que tem no São João vindouro e a fé na própria vida, Clésia projeta o futuro com certa incerteza. “Serão outros tempos, a gente não sabe como vai ser. Não dá pra imaginar como vamos nos apresentar no futuro, ou se o mundo junino terá que se adaptar a uma nova realidade pós-pandemia”, analisa.

Noiva da Quadrilha Junina Babaçu, de Fortaleza, desde 2014, Emanuelle Freitas também tem buscado driblar o clima de incerteza com esperança. Ela dança desde a adolescência e, depois de dar uma pausa na carreira junina por questões profissionais no ano passado, retomou os ensaios de 2020 ansiosa para voltar a dançar e interpretar o cômico e tradicional casamento matuto.

“Estava ansiosa pelas maravilhosas noites de São João, pelos arraiás e por fazer parte desse movimento que é incrível e gigantesco. Porém, infelizmente essa minha vontade de entrar em quadra e expressar toda a minha emoção com o meu corpo, com a minha dança, vai ter que esperar mais um ano” lamenta.

Emanuelle dança em quadrilhas juninas desde 2014(Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Emanuelle dança em quadrilhas juninas desde 2014

Para quem se esforça para produzir a beleza e o encantamento que é visto nas apresentações, junho será um mês difícil de atravessar. “O sentimento parece com luto. Muitas pessoas esperam o ano todo por essa festa e eu sou uma delas. Pra nós quadrilheiros, não existe outra época do ano que expresse a grandiosidade do que é o período junino”, define Emanuelle.


Antes da pandemia, Emanuelle Freitas vivia rotina intensa de ensaios como noiva da quadrilha Junina Babaçu(Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Antes da pandemia, Emanuelle Freitas vivia rotina intensa de ensaios como noiva da quadrilha Junina Babaçu

“O sentimento que tenho realmente é o de perda de algo que gosto muito. É um sentimento de tristeza, mas ciente de que isso é para o nosso melhor. Pois a nossa saúde precisa estar em primeiro lugar”, conclui.

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