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Depressão e ansiedade: a epidemia dentro da pandemia
Reportagem Especial

Depressão e ansiedade: a epidemia dentro da pandemia

Os relatos de sintomas de ansiedade e depressão têm aumentado durante a pandemia, assim como a venda de antidepressivos. Luto, confinamento, instabilidade econômica e exaustão são os fatores que favorecem o adoecimento de uma sociedade já adoecida mentalmente.

Depressão e ansiedade: a epidemia dentro da pandemia

Os relatos de sintomas de ansiedade e depressão têm aumentado durante a pandemia, assim como a venda de antidepressivos. Luto, confinamento, instabilidade econômica e exaustão são os fatores que favorecem o adoecimento de uma sociedade já adoecida mentalmente.
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Quando as escolas fecharam pela pandemia de Covid-19, em março de 2020, João e Júlia (nomes fictícios), de 10 e 11 anos respectivamente, foram retirados de toda a rotina que conheciam. Seis meses antes, eles já tinham se mudado de uma casa grande com jardim para morar em um apartamento bem menor, por causa da separação dos pais. As mudanças, o isolamento, a preocupação com a doença… Tudo foi se acumulando, e João foi quem mais sentiu.

Sempre descrito como um menino gentil, empático e cuidadoso, João começou a ter crises de choro constantes, crises de agressividade, pesadelos e insônia. Em algumas ocasiões, ele gritava pela janela que estava sendo agredido pela mãe. Em outra, tentou soltar a tela de proteção das janelas, “gritando que queria morrer”. Muitos vizinhos bateram à porta preocupados. Foi assim por alguns meses, até a mãe de João entender que era momento de uma intervenção médica.

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Foto: FABIO LIMA
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Acompanhados de um psicólogo e um psiquiatra, a família descobriu que João tinha desenvolvido ansiedade e pânico em consequência do isolamento social. O quadro estava tão grave que o tratamento incluiu a solução medicamentosa: “Ele toma remédio duas vezes por dia. É drástico para mim… Medicar meu filho é muito difícil. Vê-lo passando por esse transtorno é muito difícil”, desabafa a mãe das crianças.

Assim como João, muitos outros brasileiros começaram a se medicar com o prolongamento da pandemia, seja com ansiolíticos, relaxantes musculares, remédios para dormir ou antidepressivos. Um levantamento do Conselho Federal de Farmácia (CFF) e da Consultoria IQVIA apontou que a venda de antidepressivos no Ceará cresceu 29% em 2020 - o segundo maior crescimento do País. Nos últimos anos, o cenário era de queda de vendas no Estado.

 De acordo com Arlandia Nobre, vice-presidente do Conselho Regional de Farmácia do Ceará (CRF-CE), a regulamentação do atendimento médico remoto provavelmente facilitou o diagnóstico de depressão e a prescrição dos antidepressivos.

“O que a gente observa com esse aumento no consumo de antidepressivos é uma preocupação se de fato está havendo diagnóstico de depressão”, comenta Arlandia. Como qualquer médico pode prescrever a medicação, existe uma possibilidade de o remédio estar sendo inadequadamente recomendado. Talvez os diagnósticos também estejam sendo precipitados: a depressão é hereditária e tem a ver com a alteração dos neurotransmissores. Ela não é causada por uma situação, mas desencadeada.

Por outro lado, a mesma afirmação é válida para o cenário no qual a pandemia favorece, de fato, um aumento da detecção de novos casos. Em uma pesquisa com relatos de 45.161 brasileiros, publicada em agosto de 2020, 40,4% deles afirmaram sentirem-se frequentemente tristes ou deprimidos e 52,6% frequentemente ansiosos ou nervosos. As taxas são especialmente maiores entre pessoas com antecedentes ou diagnóstico prévio de depressão.

 

Pandemia e a saúde mental

 Antes da pandemia, João e a família já estavam vivendo grandes mudanças com a separação dos pais e a nova casa. Mas eles ainda tinham os amigos da escola e o clube do qual a mãe é sócia. Lá, faziam todos os exercícios físicos que gostavam e brincavam sem cansar com os colegas. Enquanto a mãe trabalhava, eles também eram acompanhados pela avó, grande suporte da família.

Mas o isolamento fechou a escola, o clube e afastou a avó da casa, pois a mãe de João e Júlia trabalha em serviço essencial. João não só sentiu falta da rotina, como também passou a se preocupar com a vida da avó, do pai - também trabalhador essencial, que chegou a contrair Covid-19 no começo da pandemia - e com a própria vida.

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Foto: FABIO LIMA
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“A pandemia traz um contexto de incerteza. O risco de adoecimento, de perda de emprego, o excesso do consumo de informação da mídia, as contradições da postura política dos nossos governantes… Tudo isso são fatores de adoecimento mental”, explica a psicóloga Cynthia Melo, orientadora do Laboratório de Estudos e Práticas em Psicologia e Saúde (LEPP-Saúde) da Universidade de Fortaleza (Unifor).

Com a equipe do LEPP-Saúde, ela tem estudado os impactos da pandemia na saúde mental dos brasileiros. Para se ter uma ideia, somente o fato de a casa, antes vista como refúgio, ter virado espaço de trabalho já é adoecedor o suficiente; principalmente para famílias mais pobres, que muitas vezes vivem em casas pequenas e sem acesso aos recursos básicos.

"A ansiedade e depressão são problemas de saúde presentes na sociedade contemporânea. É fato que a Covid-19 veio acentuar esse adoecimento." Cynthia Melo, psicóloga

“[Durante a pandemia] Têm aumentado os índices de sintomatologia de ansiedade, depressão, transtorno obsessivo compulsivo e até estresse pós-traumático. Além disso, tem o luto que se prolonga mais do que o convencional”, analisa a psicóloga. De acordo com os dados ainda a serem publicados pelo LEPP, o adoecimento mental foi maior em pessoas que moravam com familiares em grupo de risco, consequência do medo de contaminá-los.

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Foto: FABIO LIMA
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Em geral, seis a dez pessoas entram em luto a cada morte. Apenas no Ceará, é possível dizer que ao menos 77.220 pessoas estão enlutadas - considerando as 12.870 mortes confirmadas por Covid-19 no Estado, segundo dados do IntegraSUS, atualizados às 10h7min da segunda-feira, 22. É gente suficiente para lotar a Arena Castelão e ocupar metade do estádio Presidente Vargas.

Não faltam relatos veiculados pelo Brasil de pessoas que perderam dois a três familiares em alguns meses em decorrência da Covid-19. Não faltam relatos de familiares que não puderam se despedir adequadamente, ou que precisaram encarar um caixão lacrado ser enterrado em uma cerimônia de até dez minutos. A cada dia que passa no País, as mortes vão subindo de mil em mil. No domingo, 21, o número de vítimas da doença e da falta de gestão da crise sanitária chegou a 294.115. Aos que ficam, cabe a dor e o apoio. 

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