No dia 26 de março deste 2021, o fortalezense sentiu com mais intensidade a marca do período climático mais aguardado pelos cearenses. Naquele dia houve a maior chuva do ano na Capital, com com 121,2 milímetros em 24 horas. O período que vai de fevereiro a maio demarca a quadra chuvosa cearense, intervalo de fortes influências da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT) e outros sistemas meteorológicos no Estado. Em quatro meses caem o equivalente a cerca de 75% das chuvas do ano todo. Diferentemente do restante do Brasil, o Ceará se define basicamente em duas estações do ano: a da chuva e a sem chuva.
A gerente de meteorologia da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme), Meiry Sakamoto, explica que a proximidade do Ceará da linha do Equador determina por que não há primavera, verão, outono e inverno bem definidos no Estado.
O movimento da Terra em torno do sol, conhecido como translação, define a quantidade de luz solar que incide sobre o hemisfério Norte ou hemisfério Sul — onde fica o Brasil. "Como a gente tá quase na linha do Equador, nossas noites e dias têm praticamente as mesmas horas de duração. Com isso, as diferenças que vemos em outras regiões não são tão notáveis assim", explica a meteorologista.
Isso não significa que o Ceará não tem as quatro estações. Porém, a chuva é evento-chave para definir em qual "variação do ano" se está. No decorrer dos 12 meses, há eventos conhecidos como marcos temporais, estabelecidos pelo que Meiry chama de condições meteorológicas. "Seja de chuva ou não chuva, mais sol, menos vento — isso marca variações ao longo do ano no Ceará", conta.
"As temperaturas não variam durante o ano, aqui é quente o tempo todo. Mas tem aquele tempo do vento, tempo da chuva."
O período de meados de dezembro para o fim de janeiro marca a pré-estação chuvosa. Precipitações nesse intervalo são normalmente formadas por influências de vórtices ciclônicos de altos níveis (VCAN) e de frentes frias, que chegam até a Bahia e atingem o sul do Estado, no Cariri. A pré-estação estabelece o primeiro marco temporal do ano cearense.
Em fevereiro, a ZCIT — um dos mais importantes sistemas meteorológicos atuando nos trópicos e indutores de chuva na região —, passa a se aproximar do Ceará. Quanto mais próximo, melhores as precipitações. Afinal, é ela que faz chover nos meses principais da quadra chuvosa, entre fevereiro a maio. Para 2021, o prognóstico da Funceme indicou 50% de chance de chuvas abaixo da média histórica, 40% de perspectiva em torno da média e ainda 10% de possibilidade de as chuvas ficarem acima da média histórica no trimestre de fevereiro a abril, e também no período de março a maio. O prognóstico abrange os períodos a cada três meses.
Após o afastamento da ZCIT, em junho e julho, ocorre a pós-estação chuvosa. Um sistema meteorológico, conhecido por Ondas de Leste, formado no continente africano, se desloca até o Nordeste brasileiro e leva chuvas para Pernambuco, Alagoas e Sergipe. Caso chegue bastante forte, precipitações podem ser registradas no litoral de Fortaleza, na região Jaguaribana e até no Cariri. "Nessa época, o vento também começa a aumentar. E o cearense sabe: começou a ventar, ele já sabe que as chuvas principais já foram embora. Então, todo mundo vai ficando meio triste", brinca Meiry. Isso não significa que o Ceará não terá chuvas a partir de então, mas que o intervalo não é favorável para que os índices da quadra chuvosa, por exemplo, se repitam.
Agosto é discrepante para alguns e amados para outros: enquanto é a época favorita para praticantes de esportes ligados ao vento, como o kitesurf, é perigoso para jangadeiros e problemático para alérgicos. Os ventos mudam de direção e podem chegar a cerca de 30km/h na Capital, o que pode favorecer acidentes e mais atendimentos em unidades hospitalares.
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E chega-se no marco temporal B-R-O-Bró, denominado pelos meses de setembro, outubro, novembro até dezembro. É o período de maior incidência de radiação solar no Ceará e das temperaturas máximas mais altas do ano.
"Em Fortaleza, a umidade relativa do ar não cai tanto assim devido à própria presença do oceano. Mas, no interior do Estado, o valor da umidade chega a 20% ou até menos", explica Meiry. "Quem tem problemas respiratórios deve se cuidar um pouco mais em relação à hidratação."
O acalento vem com as chamadas chuvas de caju, em outubro e novembro. É quando passa o período máximo de radiação e a umidade relativa começa a aumentar. Os ventos, que antes chegavam do sudeste, passam a vir do oceano e favorecem a criação de nuvens próximas à faixa litorânea. Daí vêm as chuvas fracas no início da manhã ou da madrugada que coincidem com a florada do cajueiro e o ciclo dos marcos temporais no Ceará se repetem.
As estações do ano acontecem devido à translação, movimento da Terra em relação ao Sol. Enquanto gira, o planeta vai definindo mudanças na disponibilidade de energia solar para os hemisférios Sul e Norte. Essas mudanças acontecem em dois equinócios e dois solstícios ao longo dos 12 meses do ano.
No último dia 21 de dezembro, o verão deu início no Brasil na data com um solstício que deixam os dias mais longos. O 20 de março marcou o dia do equinócio de outono no País. "É um momento em que a duração do dia e da noite são iguais", explica Meiry Sakamoto, gerente de meteorologia da Funceme. No período, as temperaturas ficam amenas e a própria vegetação começa a ficar em tons mais amarelados e alaranjados. É bastante perceptível em cidades como Campos do Jordão (SP) — município afastado da linha do Equador.
Daí o outono segue até a chegada do inverno, no dia 21 de junho. O solstício faz com que os dias fiquem mais curtos, escurecendo mais cedo em cidades mais afastadas da linha do equador. Como o Sol estará iluminando mais o hemisfério Norte, o hemisfério Sul recebe pouca luz.
Chega no dia 22 de setembro o equinócio da primavera, período de floração e de temperaturas mais altas no ano. "Isso é bastante perceptível em áreas com altas latitudes, como São Paulo", diz Meiry. A primavera antecede o verão e o ciclo se repete.
No caso do Ceará, como fica próximo da linha do Equador, não há mudanças específicas que marquem os períodos. Porém, com as mudanças climáticas em todo o mundo, as "estações" cearenses podem passar por alterações. O professor do departamento de física da Universidade Estadual do Ceará (Uece), José Maria Brabo, explica que estudos mostram uma pequena redução da precipitação ao longo dos anos no Ceará e um aumento da temperatura. Ele explica que, no passado, a característica das secas podia ser de grande intensidade, mas por períodos de tempo menores. Já a seca mais recente foi mais prolongada, com maior demanda de água. "É um impacto social e econômico muito forte para o Ceará", comenta.
Sakamoto reforça que a tendência é observada em dados ao longo de anos. A alteração é preocupante devido ao clima semiárido nordestino, típico de regiões com desbalanço entre o quanto chove e o quanto é perdido por evaporação, e tido como o mais prejudicado pelas mudanças climáticas.
“Mesmo que não existam variações na chuva, se você tem temperaturas aumentando, você terá mais evaporação”, explica. Ou seja, mais água será perdida do que recebida. “O que mencionamos de marcos temporais, na verdade, podem e deverão sofrer alterações devido a um aspecto maior do que a condição local, pois tem relação com as condições climáticas mundiais”.
Para o dentista e profeta Paulo Costa, o padroeiro do Ceará, São José, leva vantagem devido ao equinócio que marca o início do outono no Ceará, em 20 de março. O marco climático favorece a ocorrência de chuvas na data — o que é considerado bom presságio pelo sertanejo, embora nem sempre se confirme.
Porém, aqui segue "no inverno", como afirma o homem de 76 anos. O cearense é um dos profetas da chuva e, anualmente, presta atenção em detalhes na natureza e nos astros que passam despercebidos para a maioria das pessoas: tudo com o intuito de indicar se a chuva que virá ao Nordeste no decorrer do ano será boa ou não.
Nascido em Quixadá, foi com o pai que Paulo descobriu ter os dotes da observação. Porém, só soube que o parente também era profeta quatro dias antes de sua morte, em 1982. “Como ele era uma pessoa do sertão, ele tinha essas teorias da chuva. Só que ninguém sabia, era uma coisa privada dele”, conta. “Ele me deu como se fosse uma herança.”
Foi em 1983 que o quixadaense começou a trabalhar suas análises. São nos detalhes que o tempo se firma, com cada profeta e sua observação: com o formigueiro, por exemplo. Se as formigas o limpam pondo a comida velha para fora e trazem comida fresca, é sinal de que estão se preparando para a chuva. Porém, se não há muitas larvas na casa do cupim, o tempo não será favorável para precipitações.
Graduado em odontologia, ele afirma que “só se envolveu como profeta porque veio da agricultura.” Entre as observações que faz, está a análise da constelação Três Marias. "Do lado, tem uma estrelinha. Se ela estiver menos apagada, vai ter mais chuva", explica. Também observa o sentido dos ventos. As investigações valem para o Sertão Central. “Aqui ninguém vê estrela”, refere-se a Fortaleza. “Quando a gente tá lá (em Quixadá), a gente vê tudo. O que você vê hoje não é nem a metade do que conheci. Tem muita poluição.”
As observações são discutidas no início do ano, durante o Encontro de Profetas da Chuva. Há 25 anos, o evento ocorre na cidade de Quixadá, no fim de semana que marca o Dia do Profeta da Chuva — reivindicado pelos idealizadores à Prefeitura da cidade como forma de marcar a tradição na cultura nordestina. A manifestação cultural já foi tema de tese de doutorado na Universidade de Columbia e na Universidade do Arizona, nos Estados Unidos.
O futuro dos profetas para Paulo, entretanto, assusta. “O que dói é o descaso dos poderes públicos em não verem isso como cultura, como um hangar para a nova geração. Com satélites, essas coisas, se ninguém tem interesse em ver se vai chover ou se não vai...”, lamenta. Porém, reforça a união dos conhecimentos técnicos com a observação. “Um agrônomo tem de entender que o profeta tem direito de observar”.