O relógio marca 17h34min. Pequenos grupos de quatro ou cinco pessoas se reúnem na areia ou nas mesas, em geral com celular à mão, para captar o cenário. Com um estonteante pôr do sol como pano de fundo, quase uma dezena de pipas e pranchas de kitesurfe tomam de conta do céu e do mar.
A história da pacata e paradisíaca Praia do Maceió, em Camocim, na Região Norte do Ceará, tem influência direta dos esportes aquáticos, sobretudo do kite. Além de propiciar a prática de atividades no mar, os bons ventos foram frutíferos para o local, que tem turismo intenso em alta temporada. Renderam ainda investimentos crescentes, com ascensão em andamento, incremento a partir de empresários internacionais e um toque regional.
Localizada a quase 400 quilômetros de Fortaleza — cerca de cinco horas no trajeto de carro —, a cidade de Camocim se desenvolve de maneira contínua desde 2011. O passo inicial foi dado pelo empresário italiano Omar Nigro, dono de empreendimentos na região. Alemães e franceses também desembarcaram no litoral cearense dispostos a movimentar a economia.
A convite do Hotel Villa Zen, O POVO passou 48 horas em Camocim para conhecer a região. A receptividade calorosa e a permanente disponibilidade de todos criam o clima de aconchego necessário para experimentar as diversas possibilidades gastronômicas — do típico peixe frito com baião à alta culinária italiana —, aproveitar os passeios pelas belezas naturais e confirmar a paixão local pelo kitesurfe.
Em poucos passos por dentro de uma vila tranquila, tomada pela vegetação, um beco dá acesso à praia. Na extensa faixa de areia, casas, pousadas, restaurantes e uma escola de esportes aquáticos. Os vizinhos se conhecem e mantêm laços de amizade, com encontros noturnos quase todos os dias para comes e bebes. Um grupo no WhatsApp também estreita a política da boa vizinhança, com contato constante e monitoramento de qualquer presença nova no local, explica a simpática capixaba Graziela Mayumi, gerente do hotel e uma das moradoras com a privilegiada vista para o mar.
"(O que atrai é) A tranquilidade da praia, com certeza, fora a beleza. Isso não tem nem como discutir. Mas a tranquilidade da praia é fundamental. Tem pessoas de Fortaleza que ficam admiradas com a questão de aqui não ter ladrão, drogas, nada disso. Então deixa o cliente à vontade no sentido da tranquilidade. Isso é muito importante", avalia Fabrizio Fozzi, dono da Taverna do Fabrizio.
Ao cair da tarde, Wesley, responsável pela escolinha de kitesurfe, é presença certa na Praia do Maceió. Oriundo de um dos projetos sociais desenvolvidos na região, o jovem nascido em Caucaia dá aula e orienta alunos de todas as idades e classes sociais a se aventurarem na água. O fim do mês de junho marca o início da temporada de ventos mais intensos, o que movimenta o litoral em razão do esporte.
A abrangência do público, de fato, é ampla. O juiz de direito Washington Frota, 39 anos, mudou-se para Camocim em 2015 e se encantou pelo kitesurfe. Virou praticante do esporte, com viagens em grupo Brasil afora para praticar. Com a facilidade do home office, passou a reservar o final da tarde para cair na água e aproveitar o vento diariamente.
Washington não esconde a paixão pelo esporte e se dispõe, em meio a um treinamento com o afilhado Zezé, a explicar instruções de segurança, mostrar equipamentos, comentar a diferença entre os tipos de velejo — freestyle e downwind — e ainda aproveitar o pôr do sol para se aventurar diante da câmera. "O problema depois que você começa é que não consegue parar", alertou, com a observação de que dois dias seriam suficientes para os repórteres aprenderem os movimentos básicos na água.
Com diversas pranchas guardadas — e outras tantas a caminho, para o período de presença mais agitada — a escolinha é ladeada por um hotel de propriedade francesa prestes a ser inaugurado e pelas atrações gastronômicas: um surfe-bar, um restaurante italiano, um restaurante japonês e um bistrô tipicamente brasileiro.
" É uma paisagem maravilhosa, especial. É único no mundo. O vento também, que de junho até fevereiro não para, todo mundo pode velejar."
"É um grande atrativo. Tem muito kite, wind, dá para surfar também, tem onda legal quando a maré está boa e tem lua cheia. Tem também na escola agora wingfoil, kitefoil. Acho que é o melhor lugar do mundo para velejar todo ano", opina o italiano Daniele Sotgiu, proprietário do Sá Bar. "Seguramente esse pôr do sol que tem aqui, as dunas. É uma paisagem maravilhosa, especial. É único no mundo. O vento também, que de junho até fevereiro não para, todo mundo pode velejar", completa, referindo-se aos atrativos.
Principal responsável pelo desenvolvimento da área, com as construções e "convites irrecusáveis" para amigos se tornarem vizinhos, Omar aproveita a tranquilidade da praia ao lado da filha, que passeia de bicicleta na areia molhada. Apesar dos quase dez anos no Maceió, o italiano conta que ainda se impressiona com a beleza da região e saca o celular do bolso para filmar a chegada de um grupo de kitesurfistas. "Moro aqui e não me acostumei. Todo mês faço um passeio com a minha família e ainda me impressiono com a beleza daqui", relata.
Em quase 20 minutos de conversa descontraída, sem gravador ou anotações, Omar Nigro vai dos planos de novos empreendimentos à economia global e política brasileira. Com alguns desabafos na ponta da língua — além de um pouco do idioma europeu —, relata que pretende construir um condomínio residencial, um outro hotel de alto padrão e aponta outros terrenos disponíveis de frente para o mar para ampliar os negócios.
Os funcionários rasgam elogios ao "seu Omar" pela confiança e oportunidade e revelam um detalhe curioso: o empresário tem o costume de confundir os nomes, principalmente em momentos de maior emoção. À vontade, ele lembra que incentivou outras pessoas a construírem casas próximas aos seus negócios para alavancar a região e usa a "teoria dos sete anos" para avaliar o turismo. "A partir do oitavo ano, preciso de um fato novo para movimentar outra vez e atrair as pessoas", explica.
O pontapé inicial da Praia do Maceió foi o Kitezen — atual Bistrô Kite —, no início da década, ao lado da escolinha. O local servia de ponto de encontro para os praticantes de kitesurfe, tanto para deixar os equipamentos quanto para se alimentarem. Os negócios se expandiram, mas a tradição foi mantida: os velejadores de outras regiões que chegam àquele altura do litoral marcam o bistrô como ponto de "resgate" ou são resgatados por Alberto Otton, o Betinho, responsável pela administração.
"Camocim, em si, tem um potencial imenso para o esporte, principalmente à vela. É uma parte do Ceará que pega o melhor vento e ainda tem mais uma opção, que é o downwind. Camocim tem 64 quilômetros só de faixa litorânea, então isso ajuda mais ainda na busca pela região devido ao kitesurfe. O pessoal faz muito esse downwind passando por aqui, a gente vende muito o trecho Maceió-Barra dos Remédios, que é uma praia paradisíaca linda, já foi considerada entre as cinco praias desertas mais lindas do mundo várias vezes. Então a gente explora isso", opina, minutos depois de deixar em Camocim um grupo de kitesurfistas.
"Camocim tem uma vantagem até mesmo sobre Jericoacoara, porque a faixa de lá é muito pequena. Já a gente tem essa vantagem de ter uma faixa maior. São 64 quilômetros, para o kitesurfe é espetacular", completa Betinho.
Se os bons ventos são o grande atrativo de público para a região, as belezas naturais não ficam para trás. A procura por hospedagem para conhecer os lençóis camocinenses e desbravar as dunas também é intensa por parte de turistas nacionais e internacionais.
A saída rumo ao Lago das Cangalhas ocorre no início da tarde, pontualmente às 14 horas. O guia Alex conduz o quadriciclo reforçado e leva cerca de dez minutos na trilha do coqueirais, entre vasta vegetação e casas isoladas, até chegar à gigante região das dunas. Em meio às montanhas de areias, formam-se pequenos lagos. O forte vento característico também se faz presente no ponto alto.
O Villa Zen disponibiliza um passeio de lancha exclusivo para os hóspedes. Sob comando do "piloto" César, o trajeto entre as ilhas com água a perder de vista dura quase uma hora em velocidade moderada, com direito a parada para apreciar a paisagem e registrar fotos e vídeos. Há ainda a possibilidade de restaurantes com "cardápio ao vivo" e outras praias vizinhas de beleza igualmente deslumbrante.
"Eu trabalho também com a questão dos passeios, de guia dentro d'água com kitesurfe. Eu tenho um amigo que tem uma cabana lá na Barra dos Remédios e, quando chegam os estrangeiros, eu brinco: 'Vou lhe dar um shower rustic (banho rústico, em tradução livre)', que é o banho de cacimba (risos). Eu puxo a água, dou um banho neles, e eles ficam mortos de felizes. Às vezes faço uma caipirinha, eles ficam dois, três dias repetindo", conta Betinho.
Ainda sob iluminação natural, o cair do sol — a partir das 17h15min — pode ser visto do alto das dunas acompanhado de algumas rajadas de areia, empurradas pelo mesmo vento que faz as pipas subirem no mar. A alternativa para ver o anoitecer, portanto, é mais uma vez na larga faixa de areia à beira mar. As charmosas lâmpadas e o som ambiente tornam convidativos os restaurantes para o fim do dia na paradisíaca Praia do Maceió.