O criminoso Lázaro tinha pacto com o diabo. A vacina da Covid tem nano chip e bluetooth, e a prova é que o celular gruda no braço onde ela foi aplicada. O tratamento precoce para o novo coronavírus funciona, mas ele contraria os interesses econômicos das grandes farmacêuticas e da mídia. O voto impresso é essencial para evitar fraudes, já que as urnas eletrônicas não são auditáveis.
O motivo pelo qual estamos reproduzindo esse tipo de conteúdo aqui é porque algumas dessas frases não foram ditas ou publicadas apenas por perfis ou fóruns obtusos na internet, mas produzidas e/ou espalhadas por autoridades, o que por si só já garante um bom naco da atenção do público.
Afinal, por que damos ouvidos a esse relatos, à primeira vista tão improváveis?
“É porque nós, seres humanos, adoramos ouvir narrativas, desde os tempos das cavernas. Gostamos das que fazem algum sentido, mas também amamos saber as mais toscas. Tem uma expressão chamada ‘suspensão da descrença’, que existe desde a Roma antiga, e que se refere à vontade do público aceitar qualquer tipo de premissa exposta em uma obra de arte em prol do entretenimento.É um dos motivos que nos fazem curtir uma literatura fantástica, por exemplo. O problema é quando essas narrativas insólitas deixam o campo da diversão e são tratadas como sendo de verdade”, explica Júlio Cruz, sócio da Cia. de Liquidificador, de São Paulo, grupo especializado em contação de histórias para o público infanto-juvenil.
“Dizer que marcianos invadem a Terra tem peso diferente, de acordo com quem e onde se fala. Orson Welles disse isso no rádio há 82 anos e causou pânico na população, algo que não aconteceria se a 'notícia' tivesse sido contada pelo Zé da esquina”, completa.
Peter Knight, diretor sênior do Imperial College London e autor de Conspiracy Culture (2000), The Kennedy Assassination (2007) e coeditor do Routledge Handbook of Conspiracy Theories (2020), todos sem tradução para o português, escreveu que “os enredos literários há muito tempo estão ligados às teorias da conspiração, que, em essência, são criações da imaginação. No entanto, essas ideias fictícias, frequentemente criadas sob o pretexto de atribuir sentido ao mundo à nossa volta, por vezes podem ter consequências muito reais, até mesmo trágicas, em nossas vidas”.
Só para citar casos que exemplificam como essas narrativas conspiratórias podem se transformar em tragédias, temos o ocorrido em Jonestown, em 1978, considerado o maior suicídio coletivo da história. Morreram 918 pessoas em uma comunidade na Guiana fundada pelo estadunidense Jim Jones, pastor e fundador do Templo Popular, uma seita com orientação socialista que se apoiava na Bíblia, desprezava as instituições e conferia caráter messiânico ao seu líder.
No Brasil de hoje, a estratégia da mentira com ares de verdade é encampada por partes do setor político, empresariado e celebridades, dentre outros. E o poder deles vai além de apenas influenciar pessoas internautas desinformados, já que uma proposta do voto impresso está tramitando no Legislativo como uma Proposta de Emenda à Constituição.
E ela é motivada pela base de apoio ao presidente da República, que já disse ter provas de fraude da urna eletrônica, apesar de nunca tê-las mostrado, e pela posicionamento conspiratório dos partidos de direita em relação às instituições democráticas como o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Supremo Tribunal Federal (STF).
A PEC ocupa a pauta mesmo sendo a urna um dispositivo com auditoria feita de forma pública e com testes de segurança realizados por especialistas independentes. O trâmite na Câmara comprova o desapego do pensamento conspiratório com a apresentação de evidências e indica que elas possuem força para trilhar espaços privilegiados de poder.
“As informações falsas se baseiam em dois fenômenos psicológicos que são o viés de confirmação e o baixo índice cognitivo. Elas têm um grande alcance e chamam a atenção das pessoas porque oferecem explicações simples para fenômenos complexos, ou seja, de fácil compreensão para quem não tem conhecimento específico sobre o que ela trata. Elas também prosperam em um ambiente de alto índice de desconfiança nas instituições tradicionais”, enumera Diógenes Lycarião, professor e pesquisador em Comunicação da Universidade Federal do Ceará (UFC).
“As narrativas conspiratórias também fazem sucesso porque estabelecem conexões com técnicas literárias, pois têm construção de enredo, clímax, conflitos, vilões, heróis e vítimas. Elas geram apelo massivo. É um grande desafio combatê-las com a verdade, já que as informações verdadeiras são, em sua maioria, mais difíceis de serem explicadas ao público comum pela ciência e pelo pensamento crítico racional”, destaca.
Antes da popularização da internet, as narrativas geralmente percorriam o longo caminho dos relatos orais até alcançar o grande publico e virarem histórias de conhecimento comum. No entanto, com a capilaridade da internet, elas foram difundidas também outros suportes. Veja alguns exemplos de histórias que ganharam as ruas e se popularizaram ao longo dos anos
Segundo a pesquisadora Fernanda Aquino Sylvestre, do Departamento de Letras e Linguística da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), as lendas urbanas são histórias que nascem na literatura oral e vão sendo transmitidas de geração a geração, com variações, dependendo da região em que são contadas. As narrativas são essencialmente de cunho insólito, já que traduzem um universo ligado ao medo, ao terror, ao sobrenatural e ao desconhecido. Algumas fizeram sucesso e ainda são contadas tanto no Ceará quanto em outros estados brasileiros.
Presentes na política, economia, saúde, ciências e nas mais diversas áreas de atuação humana, as teorias conspiratórias ganham projeção e causam estragos que podem custar até a vida das pessoas.
Nem toda história “cabeluda” é fruto da imaginação fértil de alguém. Alguns acontecimentos recentes foram tão escabrosos que bem poderiam ser roteiro de filme.
Edson Aran chefiou as redações das revistas Set e Playboy e é um dos editores do site de humor República dos Bananas. Roteirista, cartunista e jornalista, o escritor publicou oito livros, dentre eles Conspirações (2003) e O livro das conspirações (2016).
O POVO - Você escreveu que as teorias conspiratórias são vertentes da literatura fantástica, a qual, por sua vez, seria bem próxima da sátira. Como seria isso?
Edson Aran - Os três gêneros (conspiração, sátira e fantasia) usam exatamente a mesma técnica, que é a subversão dos fatos para revelar uma verdade oculta. Na literatura mundial, temos como exemplos As viagens de Gulliver, de Jonathan Swift, e Gargântua e Pantagruel, de François Rabelais. Esta última, inclusive, teria inspirado a criação dos Illuminati (grupos secretos com origem na Alemanha, no século 18, e que ainda hoje são historicamente ligados a maquinações e conchavos nas altas esferas do poder).
O POVO - E quais as conspirações que mais te fascinam?
Edson Aran - A mostrada no O Código Da Vinci, livro do Dan Brown, em que é explorada uma história religiosa alternativa, tendo como enredo central a ideia de os reis merovíngios da França eram descendentes da linhagem de Jesus Cristo e Maria Madalena. No Brasil, me interessa muito uma história passada na década de 70, quando um objeto luminoso foi avistado em Colares (no Pará), e que causou vários sintomas físicos nos moradores que tiveram contato com a luz misteriosa. Como era época da Ditadura, o caso foi investigado pela Aeronáutica e o Serviço Nacional de Informações (SNI), e até hoje não foi divulgado nada, apesar de ter muitos documentos. É uma história muito melhor do que outras que fizeram mais sucesso, como a do ET de Varginha, por exemplo, ou da Área 51, nos EUA.
O POVO - Apesar de muitas pessoas não levarem a sério as teorias da conspiração, estamos vendo diversos episódios relacionados a elas, como as que têm a pandemia de Covid-19 como pano de fundo. O que você acha disso?
Edson Aran - Uma coisa é a pessoa inventar uma história sobre extraterrestres, abdução, seja lá o que for. Outra coisa é dizer que as vacinas não funcionam. Uma história de ET não tem potencial de matar ninguém, mas a mentira sobre a vacina, sim. Uma grande quantidade de pessoas passaram a desacreditar do efeito dos imunizantes e até a se recusar a tomá-los, e essa irracionalidade é encampada por setores políticos, o que é outro absurdo. E a internet contribuiu muito para isso. Antes dela, essas histórias surgiam em uma mesa de bar, todo mundo ria e no máximo ia parar em outra mesa de bar depois, a não ser naqueles casos em que a pessoa se dedicava a imprimir as narrativas e mandá-las pelos Correios em mala direta. Hoje elas têm um alcance bem maior porque é muito mais simples e barato de espalhar. É como diz aquela frase do Umberto Eco: “As mídias sociais deram o direito à fala a legiões de imbecis”.
O POVO - Além dos dois livros sobre conspirações, onde você já explorava a sua veia humorística, você tem uma obra mais recente, escrita durante a pandemia, chamada Histórias jamais contadas da literatura brasileira (2020). Você gosta mesmo é de um bom causo, ainda que inventado, não é?
Edson Aran - (Risos) acho que sim. Eu inventei histórias usando o estilo e a forma de escrever de cada autor. Foi assim que Pero Vaz de Caminha acabou escrevendo guias turísticos do Brasil, o Machado de Assis se estranhou com José de Alencar e o Nelson Rodrigues se apaixonou por uma mulher comunista do calcanhar sujo, que é a minha história preferida.