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O que restou do mundo desde a partida de Diego Maradona
Reportagem Especial

O que restou do mundo desde a partida de Diego Maradona

Torcedores recordam o dia 25 de novembro de 2020, quando o craque argentino morreu, deixando legado de genialidade e confusões — além de muitos problemas para a Justiça argentina

O que restou do mundo desde a partida de Diego Maradona

Torcedores recordam o dia 25 de novembro de 2020, quando o craque argentino morreu, deixando legado de genialidade e confusões — além de muitos problemas para a Justiça argentina
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Eram cerca de 11h30min da manhã, no dia 25 de novembro de 2020, quando os noticiários em diversas partes do mundo interromperam a programação ordinária e passaram a dar atenção a uma imagem específica: ambulâncias na frente de um condomínio em San Andrés, bairro de Buenos Aires, na Argentina. Era onde vivia Diego Armando Maradona.

Tendo completado 60 anos no dia 30 de outubro daquele ano, o astro se recuperava de uma cirurgia no cérebro e também de uma crise de dependência química desencadeada no pós-cirurgia. Entretanto, até aquele momento, a informação era de que ele estava em plena recuperação e não haviam preocupações alarmantes com o estado de saúde do craque, de modo que não havia nenhum repórter na frente da residência.

Meia hora depois, entretanto, a informação que todos pensavam que nunca daria foi sendo confirmada em cada redação hermana: o astro argentino havia falecido na manhã daquela quarta-feira. “Eu estava em casa quando tocou meu celular e recebi uma mensagem sobre (o assunto). Achei que fosse fake news (notícia falsificda)”, recorda a jornalista e correspondente de futebol argentino Milena Portella.

“Eu não consegui acreditar. Quando a gente tem um ser querido, ou alguém que amamos muito, a gente acha que aquela pessoa nunca vai morrer, a gente acha que é imortal. (Em) Se tratando do Maradona, por tudo que ele passou, acredito que ele venceu a morte muitas vezes. A gente sempre pensa: 'Ah, ele vai sair dessa', então eu achava que tinha acontecido algo com ele, mas que ele sairia dessa. Não foi assim, infelizmente, e foi um choque”, completa a jornalista.

Após o estado de choque, Portella foi às ruas de Buenos Aires trabalhar como correspondente da ESPN Brasil. Enquanto se preparava para os longos dias que viriam, ouviu as lágrimas argentinas: vizinhos, atônitos com a informação, cantavam a famosa "La Mano de Dios", do cantor Rodrigo, como que em uma prece.

“Foi surpreendente a quantidade de gente que estava se mobilizando. A gente imaginava que teria muitas pessoas na rua, que muita gente iria ao velório, mas não imaginei que seria tanto e tantas homenagens. Era uma dor popular, do povo por ele”, explica Portella. Ela descreve varandas em luto representado pelas cores azul-celeste e branco. Várias bandeiras e camisas foram estendidas.

“Quando eu era criança, a minha avó sempre me contava da morte de (Juan Domingo) Perón, a carreata, as pessoas na rua, e eu vivi algo parecido. Ela não tava aqui pra me dizer, mas pelos relatos, o choro de todos cantando por ele, foi algo assim. Ele foi eterno e sempre será recordado, pois ele é o Deus argentino. Não acredito que haverá outro igual a ele”, pontua a jornalista, fazendo uma ponte com o ex-presidente e maior nome da política argentina.

 

 

 

Uma perda que atravessa fronteiras

Não somente Buenos Aires chorou naquela quarta-feira, 25 de novembro de 2020. Do Brasil, mais especificamente de Porto Alegre (RS), o argentino torcedor do Boca Juniors e da seleção albiceleste, Alan Amarelo, descansava após o almoço com a TV ligada no SporTV, quando escutou algo sobre Maradona. Ao apurar os ouvidos e focar a atenção no que era dito pelo jornalista André Rizek, recebeu o que ele descreveu como “um susto, daqueles de não parecer verdade”.

A notícia da morte do ídolo estava estampada em todos os canais, esportivos ou não, do Brasil. Como quem busca saber se aquele momento era real ou não, procurou as redes sociais, que escancararam ainda mais a informação que ele se recusava a aceitar. Dali, dias seguidos de luto começaram.

 

“(O dia da morte) Foi um dia em que eu oscilava. Eu chorava, ficava incrédulo, vinha a vontade de chorar de novo. (...) Eu devo ter chorado 10 ou 15 vezes ao longo daqueles dias, de tudo que aconteceu. Foi estranho, pois, embora natural, parecia ser o tipo de notícia que eu nunca ia acontecer. Me pegou de surpresa. Eu não sabia como seria minha reação e foi mais difícil de aguentar do que eu pensei que seria”, relata Amarelo.

O argentino tinha uma relação especial com o eterno camisa 10. Embora tenha Riquelme, atual vice-presidente do Boca, como maior ídolo, o encantamento por Diego tinha luz própria. “A relação com Maradona é diferente, pois eu não o vi jogar no auge — meu pai sim —, mas todo mundo cresce adorando Maradona pelo que ele representa e pelo que ele fez, mesmo que não o tenha visto jogar”, explica.

 

"Todo mundo cresce adorando Maradona pelo que ele representa e pelo que ele fez" Allan Amarelo, torcedor do Boca Juniors e da Seleção Argentina

 

Amarelo teve o raro privilégio de conhecer Maradona pessoalmente, em uma tarde em um treinamento do Racing. Ainda criança, passou a tarde tirando fotos do cobiçado jogador, então treinador do time de Avellaneda, e depois foi coroado com um autógrafo em sua camisa.

“Quando houve a notícia da morte, tudo que aconteceu naquele final de semana (em que eu o conheci), pois também fui ao Cilindro, ao jogo do Racing com o meu pai, ficou marcado e foram memórias que acabaram voltando”, recorda.

Com uma vida cheia de polêmicas e contradições, Maradona faleceu aos 60 anos por insuficiência cardíaca e também devido a um edema agudo no pulmão, em Buenos Aires. O velório ocorreu no dia seguinte, na Casa Rosada — sede do governo argentino —, onde milhares de pessoas puderam se despedir. Em seguida, em cerimônia reservada, o astro foi enterrado no Jardim da Paz, em Bella Vista, na Argentina. Até os dias de hoje, entretanto, não houve paz com seu nome na justiça.

Capa da reportagem OP+ sobre a morte Diego Maradona, em 25 de novembro de 2020(Foto: Carlus Campus)
Foto: Carlus Campus Capa da reportagem OP+ sobre a morte Diego Maradona, em 25 de novembro de 2020

 

Investigações e polêmicas não acabam nem com a morte

Maradona, em terra, viveu como sob o ritmo de um tango argentino. Vítima de dependência química e encarando acusações de que vão desde agressão até tráfico, drama não faltou em sua história em terra. E mesmo depois de partir, o nome segue sendo alvo de conspirações, acusações e brigas jurídicas. A mais forte gira em torno das condições de sua morte.

A insuficiência cardíaca e o edema agudo no pulmão são claras, mas o que aconteceu entre as 23 horas da noite, quando o sobrinho Johny Espósito o viu pela última vez vivo, e a as 12 horas da manhã do dia seguinte, quando foi dado como morto, é um mistério. As sete pessoas responsáveis por cuidar da saúde do craque foram indiciadas no último dia 8 de novembro por homicídio eventual doloso — quando as atitudes podem resultar na morte de outra pessoa e, mesmo assim, são executadas.

Isso ocorreu após peritos do Ministério Público de San Isidro pontuarem, em relatório, que o tratamento dado ao camisa 10 foi “irresponsável e inadequado”. Fãs e até mesmo pessoas próximas ao ex-jogador acreditam que ele foi abandonado “à própria morte”. Em março deste ano, a ex-esposa do jogador, Claudia, bem como duas de suas filhas, Dalma e Giannina, chegaram a participar de uma marcha no Obelisco de Buenos Aires pedindo por justiça no caso.

 

Os indiciados são os enfermeiros Ricardo Omar Almirón e Dahiana Gisela Madrid; o coordenador da enfermaria Mariano Perroni; a médica que coordenou a internação domiciliar Nancy Forlini; o psicólogo Carlos Ángel Díaz; a psiquiatra Agustina Cosachov; e o neurocirurgião Leopoldo Luque.

Os imbróglios não param por aí. Na semana passada, o médico e jornalista argentino Nelson Castro revelou que Maradona foi enterrado sem coração. “Houve uma movimentação de um grupo de barras bravas do Gimnasia y Esgrima La Plata que planejava arrombar o caixão e extrair o coração de Maradona. Não se concretizou, porque foi um ato de enorme ousadia. Descobriram que isso ia ocorrer, então extraíram o coração”, contou ao canal argentino 'El Trece'. Ele é autor do livro A saúde de Diego: a verdadeira história, que conta detalhes da morte e da autópsia, além das brigas judiciais em torno do falecimento.

Estas brigas não envolvem somente a condição na qual o camisa 10 morreu, mas também a marca Maradona. Além da família, o ex-advogado do jogador, Matías Morla, através da empresa Sattvica SA, alega ser proprietário das marcas vinculadas ao camisa 10. Esse conflito fez com que homenagens com a utilização do nome do craque fossem postas de lado para evitar processo. A Copa da Liga de Futebol Argentino chegou a ser chamada de Copa Diego Maradona, mas teve o nome alterado para evitar conflito legal. Mais recentemente, o Napoli, time italiano onde o jogador teve seu auge, lançou uma camisa para homenageá-lo, mas atitude que não agradou Diego Júnior, um dos filhos do Maradona, e ao próprio Matías Morla.

 

"A camisa de homenagem ao meu pai é um motivo de orgulho, mas lamento a falta de consideração do Napoli" Diego Júnior, filho de Diego Armando Maradona

 

"A camisa de homenagem ao meu pai é um motivo de orgulho, mas lamento a falta de consideração do Napoli. Nós, herdeiros legítimos, nunca estivemos envolvidos nisto e não demos o aval para esta operação", criticou Júnior, em entrevista à agência italiana Adnkronos. O estádio do Napoli deixou de ser chamado San Paolo e passou a ser conhecido como Diego Armando Maradona.

Hoje, ele é um dos herdeiros legais juntamente com Dalma, Giannina, Jana e Diego Fernando. Eles são proprietários da maioria dos bens do pai. Nem tudo ficou com eles, no entanto. Veículos, casas e outros objetos sem valor sentimental, além de uma carta que Maradona recebeu do ex-ditador cubano Fidel Castro — de quem o argentino era fã e amigo —, serão leiloados no dia 19 de dezembro por ordem da juíza Luciana Tedesco, com a finalidade de pagar dívidas e despesas deixadas pelo ex-jogador.

Para o torcedor Alan Amarelo, é importante que as coisas do craque sejam dadas aos familiares e se tornem lembranças para os demais. “A única coisa que a gente espera é que aquilo que era do Maradona fique para a família e que outras sejam públicas, que sejam um museu, fique para as gerações que não o conheceram, e não para que um advogado tenha lucro com a imagem e a marca do Maradona”, pontua o torcedor.

9 de junho de 2016. O argentino Diego Maradona (L) e o ex-jogador de futebol brasileiro Pelé posam após uma partida de futebol organizada pelo relojoeiro suíço de luxo Hublot no Jardin du Palais Royal em Paris na véspera de os campeonatos europeus de futebol Euro 2016(Foto: PATRICK KOVARIK / AFP)
Foto: PATRICK KOVARIK / AFP 9 de junho de 2016. O argentino Diego Maradona (L) e o ex-jogador de futebol brasileiro Pelé posam após uma partida de futebol organizada pelo relojoeiro suíço de luxo Hublot no Jardin du Palais Royal em Paris na véspera de os campeonatos europeus de futebol Euro 2016

 

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