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Órfãos da Covid: Ceará não tem previsão de pagamento dos auxílios
Reportagem Seriada

Órfãos da Covid: Ceará não tem previsão de pagamento dos auxílios

Estado é o único do Nordeste que ainda não deu início ao programa de auxílio a crianças e adolescentes que ficaram órfãos por causa da Covid. Pacto foi firmado em 2021 pelo Consórcio Nordeste, do qual o Ceará faz parte
Episódio 2

Órfãos da Covid: Ceará não tem previsão de pagamento dos auxílios

Estado é o único do Nordeste que ainda não deu início ao programa de auxílio a crianças e adolescentes que ficaram órfãos por causa da Covid. Pacto foi firmado em 2021 pelo Consórcio Nordeste, do qual o Ceará faz parte
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Um trabalho árduo, minucioso, repleto de sutilezas e, ao mesmo tempo, urgente. São essas as impressões que ficam após o relato de Edvania Lima, coordenadora de Estudos e Projetos da Secretaria do Trabalho, da Habitação e da Assistência Social (Sethas) no governo do Rio Grande do Norte. A gestora é uma das peças-chave da engrenagem que movimenta o RN Acolhe, programa de auxílio para crianças e adolescentes do estado que se tornaram órfãos por causa da Covid-19. Sancionada na primeira semana de janeiro deste ano pela governadora Fátima Bezerra (PT), a lei prevê o recebimento de auxílio financeiro de R$ 500 até a criança ou o adolescente completar 18 anos.

“Um dos maiores gargalos é a parte burocrática. O governo do estado encaminhou a lei para a assembleia em agosto de 2021 e ela só foi enviada para sanção no começo deste ano. Outro desafio é a identificação de quem são essas crianças e adolescentes. Os municípios ainda têm muitas dificuldades até em entender o que é orfandade uni ou bilateral, que é quando a pessoa perde um ou ambos os pais ou responsáveis”, aponta.

 

 

Para além de conceitos e debates legislativos, o programa potiguar ainda não está pagando benefícios (somente Maranhão, Sergipe e a Paraíba já estão nessa rotina), mas pelo menos já está em fase de execução, a exemplo de Pernambuco e Piauí. Alagoas e Bahia estão com a lei em tramitação nas assembleias. O Ceará se situa em último lugar nessa corrida contra o tempo, já que o Executivo sequer enviou uma minuta para o Legislativo.

“Aqui no RN, a governadora criou por decreto um Grupo de Trabalho ao sancionar a lei, porque havia uma série de pormenores a serem resolvidos paralelamente. Por exemplo, estamos esperando a conclusão do sistema para dar início às solicitações e concessões. O GT discute todo o processo de regulamentação do programa, assim como o acesso aos técnicos do município, fluxo de solicitação do benefício, critérios, orientação de documentação etc. O pagamento dos benefícios será iniciado após o sinal verde do Tribunal Regional Eleitoral e do Ministério Público Federal, já que estamos nos aproximando das eleições”, ressalta.

Edvania Lima é coordenadora de Estudos e Projetos da Secretaria do Trabalho, da Habitação e da Assistência Social (Sethas) no governo do Rio Grande do Norte(Foto: Acervo pessoal)
Foto: Acervo pessoal Edvania Lima é coordenadora de Estudos e Projetos da Secretaria do Trabalho, da Habitação e da Assistência Social (Sethas) no governo do Rio Grande do Norte

O Rio Grande do Norte identificou seus órfãos da Covid por meio do cruzamento de dados da Secretaria de Saúde, Centros de Referência de Assistência Social (Cras), Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) e unidades de acolhimento, além de registrar as demandas feitas pelos cidadãos. Se um paciente morresse de Covid, a unidade notificava a Secretaria de Saúde, que por sua vez acionava a assistência social ou os agentes de saúde para verificar se aquela pessoa era a única responsável por alguma criança ou adolescente. Os auxílios funeral solicitados nos Cras também eram uma porta de entrada para a investigação.

O vereador Guilherme Sampaio (PT) chegou a apresentar o projeto de auxílio nas duas casas onde legislou — uma como vereador, mandato para o qual foi eleito, e noutra, como suplente de deputado. “Na Câmara apresentamos o Fortaleza Cuida junto com a vereadora Adriana (Psol). O projeto é uma versão municipal do que apresentei na assembleia. Estamos em articulação junto ao Apoio à Orfandade de Crianças e Adolescentes por Covid-19 (Aoca) e aguardando audiência com o prefeito para solicitar que o município apresente política pública para isso, com diagnóstico para saber quantos são, quem são, onde e como estão essas crianças e adolescentes em Fortaleza. Quais instâncias da sociedade e do poder público estão dando suporte a essas crianças?”, questiona.

O vereador Guilherme Sampaio apresentou projetos que tratam do tema na Câmara e quando esteve como suplente na Assembleia Legislativa (Foto: Thais Mesquita)
Foto: Thais Mesquita O vereador Guilherme Sampaio apresentou projetos que tratam do tema na Câmara e quando esteve como suplente na Assembleia Legislativa

Guilherme acredita que o Estado, em especial o governo federal, tem responsabilidade direta não só pelas mortes pela Covid mas também pelas implicações sociais e econômicas da pandemia. “Não se trata de uma orfandade comum, que é quando a criança perde alguém por uma fatalidade do destino. É uma orfandade provocada pela negligência do governo federal no trato com a pandemia. Portanto, é obrigação do governo lidar com essas consequências. Mesmo se essa orfandade não fosse decorrente da pandemia, ela já deveria estar no alvo das políticas públicas para proteção e cidadania, pois é o que determina o Estatuto das Crianças e Adolescentes (ECA). Não tenho dúvidas de que a governadora Izolda, pelas características que ela tem, deverá dar especial atenção a esta questão”, destaca.

Enquanto o governo federal não elabora uma política nacional para tentar amenizar o sofrimento de 130.363 brasileiros de até 17 anos que ficaram órfãos por causa da Covid-19 entre março de 2020 e final de abril de 2021, os governadores precisam buscar alternativas sozinhos. “O Consórcio Nordeste fez diversas tratativas com o Executivo ainda no 1º semestre de 2021, assim como o Conselho Nacional de Assistência Social, a Comissão Tripartite, o Consleho Nacional de Gestores de Assistência Social…todos puxaram essa discussão em nível nacional mas infelizmente não tiveram abertura. Então os governos estão usando recursos próprios, provenientes do Fundo de Combate à Pobreza”, explica Edvania Lima, da Sethas-RN.

Adriana Brasileiro é coordenadora da Casa-Lar Batista(Foto: Acervo pessoal)
Foto: Acervo pessoal Adriana Brasileiro é coordenadora da Casa-Lar Batista

Para Adriana Brasileiro, coordenadora da Casa-Lar Batista, na Serrinha, a orfandade na pandemia não se limita à morte de um ou ambos os pais. “Houve um crescente número de bebês sem pais por causa do que eu chamo de ‘morte da maternidade ou paternidade’, que é quando a esperança morre na falta de condições de moradia e emprego. Isso faz com que uma criança não seja desejada naquele momento. Não é a morte física. Eu não recebi nenhuma criança por conta do falecimento dos pais e sim, por falta de condições financeiras ou emocionais. Por mais que os indicadores da doença estejam baixando, os índices de desenvolvimento do país, assim como o de emprego, não melhoraram no mesmo patamar”, pondera. “Quando pai ou mãe morre, há de existir uma família por trás para cuidar da criança, mas em um caso desses, toda a família fica impossibilitada de mantê-la”, conclui.

A reportagem entrou em contato com a assessoria da Casa Civil do Ceará para saber se há previsão para o envio da minuta da lei para a Assembleia Legislativa. A assessoria do órgão listou em nota uma série de ações e projetos do governo estadual para mitigar os efeitos da pandemia. "Quanto à aplicação do Nordeste Acolhe, o Governo do Ceará segue com estudos sobre o quantitativo de pessoas a serem beneficiadas. Diante da dificuldade de momento, entende, no entanto, que o reforço nos investimentos para a infância e juventude realizados de forma mais abrangente, como citados anteriormente, já garantem neste momento, de forma continuada e prevista em lei, números mais significativos de pessoas do que os demais estados nordestinos.", respondeu especificamente sobre o programa de auxílio aos ófãos da Covid. 

Após a publicação deste texto, o vereador Guilherme Sampaio solicitou que a reportagem atualizasse as ações feitas até o momento no âmbito do poder municipal, como a realização de reuniões para discutir propostas de parcerias com universidades para diagnóstico da situação das crianças e adolescentes e o agendamento de reuniões com o prefeito. “Importante ressaltar que o Ceará é o estado com o maior pacote de benefícios sociais para as famílias em vulnerabilidade, mas também entendemos que seja necessário avançar para uma política específica em relação aos órfãos da Covid”, afirmou.

 

 

 

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Órfãos da Covid

Série de reportagens mostra o drama de uma geração de crianças e adolescentes vítima da Covid e em situação de desamparo institucional, emocional e afetivo