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Nunca é tarde para deixar a sexualidade flutuar
Reportagem Seriada

Nunca é tarde para deixar a sexualidade flutuar

O que Nanda Costa, Bruna Lizmeyer, Maitê Proença, Daniela Mercury e Fernanda Gentil têm em comum, além de serem celebridades? Resposta: todas assumiram relacionamentos com mulheres depois de anos sendo vistas como heterossexuais
Episódio 3

Nunca é tarde para deixar a sexualidade flutuar

O que Nanda Costa, Bruna Lizmeyer, Maitê Proença, Daniela Mercury e Fernanda Gentil têm em comum, além de serem celebridades? Resposta: todas assumiram relacionamentos com mulheres depois de anos sendo vistas como heterossexuais
Episódio 3
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Opa! Já é 2023 e mesmo assim é sempre bom rememorar conteúdo de qualidade, né? Por isso, a gente decidiu aproveitar os domingos para recomendar algumas das nossas reportagens de 2022 que continuam tão atuais quanto na época de publicação! Boa leitura.

"Recomendamos: essa reportagem traz uma discussão super interessante sobre sexualidade — e o "tempo ideal" para sair do armário."

 

 

“Então ela estava com o cantor só pra disfarçar?”

“Daqui um ou dois anos ela vai ser igual Camila Pitanga. As duas vão se separar, pode ter certeza, e ela vai acabar voltando a gostar de homem. Ela nem tem jeito de que gosta de mulher, por que virou lésbica?”

“Gente mal resolvida"

"Tudo para ganhar holofote.”

“Nada contra! O importante é ser feliz!! Só estranho alguns que passam muito tempo para definir sua orientação sexual”

"Virou moda"

“Se eu fosse casado com uma mulher, e essa mulher me deixasse pra ficar com outra mulher, eu cavaria um buraco e me esconderia dentro de tanta vergonha!”

 

Maturidade feminina traz, muitas vezes, a surpresa da fluidez sexual(Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Maturidade feminina traz, muitas vezes, a surpresa da fluidez sexual

 

“Gente mal resolvida. Tudo para ganhar holofote.” 

Os comentários reproduzidos acima foram retirados do Instagram do O POVO, mais especificamente nas publicações dos dias 21 e 23 de abril deste ano, onde se podia ver uma foto da atriz Fernanda Souza, ex-esposa do cantor Thiaguinho, olhando de forma apaixonada para Eduarda Porto, a primeira mulher que Fernanda assumia publicamente como namorada. Outra postagem mostrava a opinião do cantor Thiaguinho, ex-marido da atriz, sobre o namoro. Mas afinal, qual o motivo para boa parte da população brasileira pensar da mesma forma que foi exposta nos mais de mil comentários que as três postagens reuniram?

“Há exatos 25 anos, a comediante estadunidense Ellen Degeneres fez história na TV. Em um episódio da série Ellen, na qual era a protagonista, a personagem dela revelou ‘ser gay’. Duas semanas antes, ela havia dado uma entrevista para a Oprah e saído na capa da Time. O episódio teve o triplo da audiência, já que passava na ABC, uma das três maiores audiências da TV aberta de lá. Nas bandas de cá, em 2005, Ana Carolina saía na capa de uma revista de circulação nacional dizendo: ‘Sou bi. E daí?’. ‘Saídas de armário’, que é você assumir uma orientação sexual diferente da hetero, sempre vai causar um rebuliço muito interessante na cabeça das pessoas”, afirma Renan Fagundes, mestrando em Comunicação na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde está na fase final de uma pesquisa sobre mídia e homofobia.


 

“Esse episódio de Ellen, apesar de ser um marco e ter levado prêmios, rendeu muita dor de cabeça para Ellen e para Laura Dern, que fazia a namorada. Bruna Linzmeyer, que esteve na primeira fase de Pantanal (a novela das nove da Rede Globo), se assumiu lésbica em 2016 e, segundo ela, perdeu muitos papeis por causa disso”, pontua. “Fora os casos em que a mídia tirou a pessoa do armário à força, como foi o caso da Camila Pitanga, que foi exposta pelas colunas de fofoca”, acrescenta. "Falar que sua orientação é diferente da heterossexualidade sempre vai ser um risco não só para as celebridades mas para as pessoas comuns também", acrescenta. 

 

 

“...Ela nem tem jeito de que gosta de mulher.”

A artista visual Manuela Paiva Ellon é a idealizadora do projeto Cara de Lésbica(Foto: Acervo pessoal)
Foto: Acervo pessoal A artista visual Manuela Paiva Ellon é a idealizadora do projeto Cara de Lésbica

A artista visual paulista Manuela Paiva Ellon aproveitou o tempo que ficou sem poder trabalhar na pandemia para colocar em prática o projeto Cara de Lésbica (@caradelesbica), que é a união de uma pequena entrevista e fotos de rostos de mulheres assumidamente lésbicas. As primeiras modelos fotografadas foram amigas e colegas em São Paulo e no Rio de Janeiro, e Manuela tem como objetivo encher a página do projeto com rostos de mulheres do mundo todo.

“Minha proposta é quebrar esse imaginário de que há uma característica física única para as mulheres que amam mulheres. O que as pessoas pensam ser real é apenas um estereótipo”, destaca a artista. “Eu mesma, a depender da roupa que estou usando, ouço frases do tipo: ‘nossa, você não tem cara de lésbica’. Ou ‘você não tem jeito de sapatão’. Não existe uma cara ‘certa’ ou ‘errada’ para lésbicas. As bissexuais não têm que ser mais femininas”, destaca. Manuela diz que outro hábito muito comum das pessoas ao verem duas mulheres juntas é perguntar quem seria o “homem da relação”. “Isso é se espelhar em relacionamentos héteros, só que esse modelo não cabe no relacionamento entre duas mulheres”, raciocina.

 

 

“...Só acho estranho alguns que passam muito tempo para definir sua orientação sexual”

Tayane Sales é advogada, mora em Fortaleza, tem 32 anos e gosta de surfar. Crescida na periferia de Maracanaú (Região Metropolitana de Fortaleza), ela fala da descoberta da sexualidade com desenvoltura e simplicidade, ainda que o processo nem de longe tenha sido tão descomplicado assim. Criada em família humilde, teve acesso às melhores escolas por causa do amor pelos estudos. E foi na escola onde ouviu pela primeira vez algo sobre orientação sexual. “Minha família não ‘me ensinou a ser hétero’ porque a preocupação de todos os dias era ensinar a gente a sobreviver. Quando falavam a palavra ‘sapatão’ na escola, eu achava que estavam se referindo a uma mulher de pé grande”, brinca. 

A advogada Tayane Sales lembra como foi o processo de descoberta da própria sexualidade(Foto: Acervo pessoal)
Foto: Acervo pessoal A advogada Tayane Sales lembra como foi o processo de descoberta da própria sexualidade

Na adolescência, ela se apaixonou por meninos, mas ganhou um beijo de uma amiga sem querer. “Ela se apaixonou por mim e eu deixei de falar com ela. Eu disse: ‘eu não gosto de meninas, se você quer ser isso, seja, mas longe de mim!’. Depois eu vi que a minha reação, ou seja, o meu incômodo dela ser lésbica era porque eu poderia ser uma também. Foi uma reação muito exagerada, não foi normal. Aos 16, conheci uma menina e ficamos. Foi ali que a porta abriu, mas ainda assim eu achava que não era lésbica, era como se fosse algo recreativo na minha vida. Com o passar do tempo, foi ficando muito difícil eu ter relacionamento com homens. Ou seja, a virada de chave’ foi aos poucos. Primeiro me senti atraída por mulheres, mas continuei ficando com homens, até entender quem eu era. Foram seis anos nesse processo e teve muita terapia”, lembra. “É muito difícil para o ser humano, especialmente para as mulheres, experimentar nuances da própria sexualidade, pois sempre há o medo do julgamento”, ressalta.

Tayane lembra que perdeu metade dos amigos após se assumir como lésbica. “Tive a sorte grande de ser acolhida pela minha família, mas sei que essa não é a realidade da maioria das pessoas LGBTQIA+. A Fernanda Souza recebeu muitas mensagens de apoio no perfil dela mas também muitos comentários pesados. Sexualidade não é modinha. Quem vai escolher ser apedrejada, como ela está sendo? Mas falar para todos, especialmente para a família, tira o peso de um mundo das costas”, conclui.

Retomando a pergunta que abre esta reportagem, só que de forma mais ampla, podemos nos questionar o que tantas mulheres têm em comum ao se entenderem lésbicas em um momento considerado tardio para a maioria das pessoas. "A resposta nunca há de ser uma só, visto que os processos de identificação dos próprios desejos são diversos e ao mesmo tempo dependem das vivências de cada pessoa. Muitas mulheres têm falado aos outros sobre o que elas são, inclusive na mídia, ainda que eu ainda sinta falta de ver mais mulheres negras ocupando esses espaços ainda privilegiados. De toda forma, é algo positivo e que a sociedade deve ver como algo absolutamente normal. Não se 'vira lésbica', simplesmente se é. O saber para si e a exposição para os outros é que podem demorar", explica a artista Manuela Paiva.

 


 
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